João Carvalho das Neves na hora da despedida
João Carvalho das Neves, Presidente da ACSS
Défice na Saúde pode
ser eliminado já este ano
A eliminação do défice no sector da saúde, atingindo o equilíbrio
operacional — o que significa as receitas do ano serem suficientes para
cobrir as despesas — pode ser atingido já em 2014, antecipando a meta prevista
para 2015. Quem o diz é João Carvalho das Neves, presidente da Administração
Central do Sistema de Saúde (ACSS), entidade responsável pela gestão dos
recursos do Ministério da Saúde e do Serviço Nacional de Saúde (SNS): “Estamos
a procurar antecipar. Estamos a trabalhar e a ter reuniões com os hospitais no
sentido de minimizar o défice e ver se, no conjunto, conseguimos já em 2014
atingir o equilíbrio”.
Em causa estão os hospitais EPE (entidade pública
empresarial), que em 2013 registaram um défice de €151 milhões. Já o conjunto
das entidades do sector da saúde englobadas na administração pública alcançou
um saldo positivo de €39 milhões. Tudo somado, o défice no ano passado foi de
€112 milhões. Números muito diferentes dos que encontrou quando assumiu a
presidência da ACSS, no verão de 2011, a convite do ministro Paulo Macedo, nota
João Carvalho das Neves: “As contas apresentavam um défice muito grande, de
€833 milhões em 2010, repartidos entre €626 milhões das entidades da
administração pública e €207 milhões dos hospitais EPE”.
Nesse ano, “o financiamento do Orçamento do Estado era de
€8,8 mil milhões e tem vindo a descer. Em 2013, foi de 7,8 mil milhões”. Ou
seja, “a diminuição do défice foi conseguida com uma redução do financiamento
de mil milhões”. Em 2014, o financiamento voltou a diminuir, em €300 milhões.
Valor que vai ser reposto. “Não se pode cortar sistematicamente na receita e
querer estar em equilíbrio. É preciso dosear”, justifica João Carvalho das
Neves.
EXCEÇÃO À LEI DOS COMPROMISSOS
“A redução da despesa não significou redução da atividade”,
garante o gestor, indicando que o número de consultas e de intervenções
cirúrgicas programadas “tem-se mantido estável”. Afasta também um cenário de
falta de medicamentos nos hospitais. “Não há paragem de serviço e como há
hospitais onde as receitas não dão para as despesas todas, alguns têm aumentado
a dívida”. Em xeque fica a lei dos compromissos. “E não houve consequências
para os administradores. Conhecemos as situações, são reportadas à
Direção-Geral do Orçamento e procuramos com as administrações encontrar
soluções, nomeadamente com alguns reforços”.
Qual foi, então, o segredo para reduzir a despesa? “O preço
baixou”, responde Carvalho das Neves. Os cortes salariais na função pública e
“a redução das horas extraordinárias em quantidade — devido a melhor
organização dos hospitais e dos cuidados primários — e em preço” foram
cruciais. Tal como a aposta na prescrição “por substância ativa e não por
marca, que levou a um aumento significativo dos genéricos, que são mais
baratos”.
Houve ainda “uma redução de preços significativa nos
medicamentos e nas análises clínicas e imagiologia”. E que gerou muitas queixas
das associações do sector. João Carvalho das Neves é perentório: “Ao longo de
muitos anos, a indústria farmacêutica e as farmácias viveram com rentabilidades
acima do normal. Agora, há um ajustamento, e há empresas que estão em condições
de o fazer e outras não. O sistema de saúde não tem de existir para viabilizar
as farmácias, que têm de ser eficientes, como qualquer empresa.”
O gestor também destaca o reforço do controlo. A começar
pelos medicamentos, graças ao centro de conferência de faturas, que permite um
conhecimento exato do consumo e da prescrição e combater a fraude. Mas, também,
do controlo de gestão. Foram identificados os 15 hospitais com
maior risco — com destaque para a região de Lisboa — e logo a partir de
outubro de 2011 “passaram a ter reuniões mensais connosco, para analisar as
contas e a atividade”.
REPENSAR O SISTEMA
A redução da despesa tem sido feita “procurando manter o SNS
nos termos em que está”, diz João Carvalho das Neves. Mas, defende que é
preciso ir mais longe: “A questão que devemos discutir, todos os
portugueses e não só os políticos, é a sustentabilidade do SNS, porque é
financiado através de impostos”. Até porque, “já estamos com um nível de
despesa em relação ao PIB um bocadinho abaixo da média da OCDE, à volta dos
4,5%. Para reduzir mais é necessário refletir sobre que mudanças são
necessárias introduzir no SNS”, argumenta, salientando que as tendências na
saúde — como o envelhecimento populacional e a inovação nos produtos e equipamentos
— são todas de aumento de custos. A que se junta “um aumento do consumo dos
medicamentos”.
A liberdade de escolha pelos utentes do centro de saúde ou
do hospital onde querem ser tratados é uma das transformações que o gestor
gostaria de ver avançar, porque “iria pressionar para uma melhor performance.
Sobretudo, se a receita das entidades fosse função dos serviços prestados, por
exemplo, o número de utentes geridos”, aponta João Carvalho das Neves. Contudo,
reconhece que “essa é uma questão política. Na ACSS cabe-nos implementar as
orientações que são dadas do ponto de vista político”.
NOVA PPP PODE AVANÇAR ESTE ANO
Falando sobre as as parcerias público-privadas (PPP) na
Saúde, João Carvalho das Neves diz que é “suspeito”, porque é favorável à
gestão privada. “A PPP dá flexibilidade à gestão e o facto de haver um contrato muito
detalhado permite aos Estado controlar e exigir”. Além disso, “os
custos são mais baixos na ordem dos 20%”, frisa. Por isso, faz um
balanço “positivo” destes projetos (hospitais de Braga, Loures, Cascais e Vila
franca de Xira).
Quanto ao futuro Hospital de Todos os Santos, o gestor
garante que “não houve um braço de ferro com a troika” em relação a este
projeto, mas “uma política que parou todas as PPP”. Agora, “creio que até ao final
do ano será lançado o concurso e que será em regime de PPP para a construção”,
revela João Carvalho das Neves. Sobre o facto da PPP se cingir à construção e
não incluir a gestão clínica, como acontece nas outras parcerias, argumenta que
tal se “deverá às dificuldades de integrar sete unidades (Santa Marta,
Estefânia, São José, Capuchos, Desterro, Curry Cabral e Maternidade Alfredo da
Costa) no novo hospital. Aliás, por isso, sou a favor de uma integração
faseada”.
“Positivo” é também o balanço que faz do trabalho com a
troika. A ACSS foi responsável por muitas das medidas definidas para a área da
Saúde e “o pronto de situação foi sempre feito e é isso que deve ser feito
quando se gere uma empresa, ou seja, avaliar se os progressos foram atingidos”.
Semanário Expresso, 27.07.14
PERFIL
Nome João Carvalho das Neves
Cargo Presidente da Administração Central do Sistema de
Saúde (ACSS), entidade que gere os recursos financeiros e humanos do Ministério
da Saúde e do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e as instalações e equipamentos
do SNS
Carreira É professor catedrático em Gestão (finanças e
controlo) no Instituto Superior de Economia e Gestão. Foi administrador
executivo do BPN (2008) e presidente executivo da Sociedade Lusa de Negócios
(2008-2009) na equipa de Miguel Cadilhe, onde coordenou as auditorias ao grupo
e liderou as áreas financeira e do controlo de gestão. Foi gestor judicial
(1993-1998) responsável pelos planos de reestruturação da Torralta, da TVI e do
Casino-Hotel de Tróia
Projetos O mandato de três anos na ACSS termina no final de
julho e pretende regressar ao sector privado, em áreas como a Saúde
(aproveitando os conhecimentos e know-how adquiridos à frente da ACSS) ou
financeira (onde tem larga experiência)
Hóbis é praticante de judo (4º dan), chi-kung, shiatsu e
mindfulness, trazendo para a gestão os ensinamentos das artes marciais.
Interessa-se pela cultura oriental e pela cozinha vegetarianaEtiquetas: Entrevistas
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