segunda-feira, outubro 01, 2012

HH, solução não é ideal

Luís Campos, no II Fórum Entidade Reguladora da Saúde (ERS) sobre «O Acesso aos Cuidados de Saúde»
«Tem que haver uma concentração do internamento e uma descentralização do ambulatório, ou eventualmente uma duplicação dos serviços básicos, mas nunca este tipo de modelo» de hospital, alertou o presidente do Conselho Nacional para a Qualidade em Saúde. Esta foi uma das muitas reflexões que Luís Campos deixou para a ERS e para a tutela. 
Luís Campos, actual director do serviço de Medicina IV do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (CHLO) e presidente do Conselho Nacional para a Qualidade em Saúde (CNQS) da Direcção-Geral da Saúde, não foi politicamente correcto na sua intervenção no II Fórum ERS sobre «O Acesso aos Cuidados de Saúde», que decorreu no passado dia 21. 
«Não temos feito um mau trabalho na equidade e acesso aos cuidados de saúde», mas «subsiste uma ampla margem de melhoria», garantiu o especialista, que assinalou o que não está a correr bem. 

«Não sabemos resultados» das reformas 

Sobre as ameaças e oportunidades para melhorar este panorama, o responsável não tem dúvidas: «Primeiro, é preciso conhecer, de facto, o impacte das reformas na equidade e no acesso. Fazemos muitas mudanças, ULS, Aces, USF, PPP, reforma das Urgências, dos cuidados primários, dos cuidados continuados, mas, na maior parte delas, não sabemos que resultados tiveram.» E para Luís Campos, «temos que saber, porque este não conhecimento é uma forma de desperdício». 
E detalhou: «As ULS, que são das experiências mais extraordinárias que há a nível internacional de integração de cuidados com nova forma de financiamento... Não sabemos quais os seus resultados.» Em relação às redes, «de Urgência, hospitalares, etc., cada grupo, cada comissão fez a sua rede independentemente das outras e, neste momento, é um emaranhado: Aces que têm vários hospitais, hospitais que têm vários Aces. Porquê? Às vezes porque os secretários de Estado não falavam um com o outro…», apontou o director do serviço de Medicina IV do CHLO. 

Dúvidas na concentração de hospitais 

Uma outra ameaça referida por Luís Campos prende-se com a concentração dos hospitais. Recordando que os hospitais sofreram mudanças importantíssimas — em 1970 tínhamos 634 hospitais e em 2011 temos 53, dos quais 21 são centros hospitalares —, o responsável lembrou também que, apesar dos benefícios, «é preciso ter cuidado com as concentrações». 
«Nos últimos anos houve a febre da criação de centros Hospitalares. Não havia nenhum estudo (a Entidade Reguladora da Saúde fez um, mas não comparou o antes com o depois) e, genericamente, parece que os resultados são positivos.» No entanto, considerou o presidente do CNQS, «não fiz nenhum estudo, mas sei de um modelo que não faz nenhum bem ao acesso dos doentes, que é o do Centro Hospitalar do Médio-Tejo». 
«Reparem que o Hospital de Abrantes tem Urgência geral, Urgência obstétrica, Ortopedia, Cirurgia geral, mas a Urgência pediátrica, a Pediatria, a Cardiologia, a Nefrologia, a Pneumologia e a Medicina Interna estão só no Hospital de Torres Novas. Depois, outras especialidades como Psiquiatria, Urologia, Oftalmologia e ORL estão no Hospital de Tomar», apontou, chamando a atenção a audiência. Ou seja, «o doente velhinho, de 70 anos, incapacitado e já com dificuldade em orientar-se num hospital, para obter os cuidados hospitalares tem que percorrer estes hospitais todos», concluiu Luís Campos. 
Mas há outro modelo sobre o qual o especialista tem «alguma discordância»: a concentração das Urgências na ARS do Norte. «Foi metida cada especialidade em cada hospital — a Gastrenterologia no Centro Hospitalar do Porto, a Urologia no Hospital de S. João, a cardiotorácica no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia, alternado com o Hospital de S. João. O doente politraumatizado que entre e precise das várias intervenções tem que adivinhar se as coisas se conjugam para as suas necessidades», criticou. 
Por isso, defende Luís Campos, «tem que haver uma concentração do internamento e uma descentralização do ambulatório, ou eventualmente uma duplicação dos serviços básicos, mas nunca este tipo de modelo.» 

Trabalho em rede é a solução para os hospitais 

O director do serviço de Medicina IV do CHLO não tem dúvidas: «a solução encontrada para os hospitais não foi a ideal.» «Fecharam-se as Urgências, passaram a consultas não programadas entregues aos cuidados primários. Entregou-se o internamento aos cuidados continuados. Manteve-se o ambulatório no hospital. Mas tem que haver redes. Os médicos têm que sair dos hospitais distritais, centrais e irem aos centros de saúde e aos hospitais de proximidade prestar cuidados diferenciados», alertou o especialista. 
Como tal, advoga a necessidade de «aliar a concentração para permitir equipes, a diferenciação e volume com a prestação de cuidados diferenciados, também na proximidade». E, para Luís Campos, «os hospitais de proximidade são uma forma de o fazer». 
Além disso, esta é também a oportunidade para «promover formas de integração de cuidados de saúde e apoio social (nesse momento somos nós nos hospitais que temos que resolver os problemas sociais dos doentes)». 
O médico defende também uma «utilização mais racional dos serviços de saúde — e há formas de o fazer», bem como uma prestação de contas regular e transparente. A este propósito, contou, «para esta apresentação fui buscar dados ao SIGIC e os últimos eram de 2010. Já os dados da Consulta a Tempo e Horas não estão lá!». 
Finalmente, precisamos de «um modelo de governação clínica que junte os hospitais, os centros de saúde, a Direcção-Geral da Saúde, o Departamento de Qualidade. Que junte as comissões de gestão de risco e as comissões de qualidade. Esta estrutura de governação não existe», desabafou. 
«Temos que desafiar as ortodoxias!», considera Luís Campos. E «há que partir do princípio de pensar que podemos fazer isto de uma forma completamente diferente». «Se nós pensarmos que o hospital não serve só para tratar doentes, podemos pensar que o hospital pode ter um restaurante gourmet, uma escola de formação, o serviço de fisiatria ser um ginásio para os funcionários… ter uma creche nos hospitais», deixou alguns exemplos. E depois, «temos uma grande ilha de oportunidades perdidas», disse apontando para um slide que mostrava o Arquipélago da Madeira e dos Açores. 

Portugueses usam mal os serviços de Urgência 

Para o médico Luís Campos, «os portugueses genericamente utilizam mal os serviços de saúde. Usam demasiado as Urgências, como lojas de conveniência (40% são triados como não urgentes ou pouco urgentes), e existe um recurso directo excessivo às sub-especialidades (quando «dói a barriga» vai-se a um gastrenterologista)». Além disso, «pressionam muito os médicos para fazerem exames. Ninguém fica curado sem fazer uma TAC ou ressonância e a realidade é que temos 1,3 vezes mais TAC por milhão de habitantes do que a média dos 25 países da OCDE», afirmou. 
Com o aumento das taxas moderadoras seria de esperar que o acesso às Urgências mudasse. E, como constatou, no primeiro semestre de 2012 houve, de facto, uma diminuição importante de 10,2% na ocorrência às Urgências hospitalares (essencialmente os verdes e os azuis). No entanto, «também não aumentaram as consultas nos CSP, diminuíram 1,7%. E isso tem ser observado!», alertou Luís Campos. 
Outro factor preocupante, retirado de um estudo feito sobre o serviço de Urgência do Hospital de S. Francisco Xavier, em 1800 doentes considerados high users — que vão mais de 4 vezes à Urgência, e que consumiram mais de 10 mil episódios, em 2004 – foi que, desses doentes, «70% são pessoas com doenças crónicas e que estão a ser tratadas de uma forma aguda nas Urgências», salientou o presidente do CNQS. 

Diferenças entre instituições não são conhecidas 

Luís Campos considera que a falta de dados sobre a variabilidade nos estudos feitos entre instituições é uma grande lacuna. A percentagem de consultas de prioridade normal com demora média superior ao TMRG (150 dias) demonstra que «há uma extrema variabilidade entre instituições (instituições que ultrapassam em média 60% e outras que em que de facto todas conseguem responder)», sublinhou. Ou seja, «a variabilidade é de facto um dado muito importante para nos alertar para problemas de qualidade em determinados sítios». Uma outra fonte muito importante são «os registos das sociedades, que nunca tratam o problema da variabilidade. Todos os estudos tratam médias e medianas, mas nunca mostram a variabilidade por instituição», referiu. Exemplificando, referiu que a Sociedade Portuguesa de Cardiologia, a pedido do CNQ no registo nacional de síndromes coronários agudos em 2011. «Vejam a variabilidade que existem entre os vários centros que tratam enfarte de miocárdio», disse olhando para as assimetrias no mapa. 
Outra assimetria referida, «toda a gente sabe», é o facto de «Lisboa e Vale do Tejo ter uma deficiência de camas de cuidados continuados (57% em lista de espera em 30 de Julho de 2012)». Por outro lado, «estranhamente, ou talvez não, somos o terceiro país da OCDE que coloca mais doentes em hemodiálise. Porque será?», perguntou de forma retórica. 

Teresa Mendes 
Tempo Medicina 27 de Setembro de 12