HH, solução não é ideal
Luís
Campos, no II Fórum Entidade Reguladora da Saúde (ERS) sobre «O Acesso aos
Cuidados de Saúde»
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«Tem que
haver uma concentração do internamento e uma descentralização do ambulatório,
ou eventualmente uma duplicação dos serviços básicos, mas nunca este tipo de
modelo» de hospital, alertou o presidente do Conselho Nacional para a
Qualidade em Saúde. Esta foi uma das muitas reflexões que Luís Campos deixou
para a ERS e para a tutela.
Luís Campos, actual director do serviço de Medicina IV do Centro Hospitalar
de Lisboa Ocidental (CHLO) e presidente do Conselho Nacional para a Qualidade
em Saúde (CNQS) da Direcção-Geral da Saúde, não foi politicamente correcto na
sua intervenção no II Fórum ERS sobre «O Acesso aos Cuidados de Saúde», que decorreu
no passado dia 21.
«Não temos feito um mau trabalho na equidade e acesso aos cuidados de saúde»,
mas «subsiste uma ampla margem de melhoria», garantiu o especialista, que
assinalou o que não está a correr bem.
«Não sabemos resultados» das reformas
Sobre as ameaças e oportunidades para melhorar este panorama, o responsável
não tem dúvidas: «Primeiro, é preciso conhecer, de facto, o impacte das
reformas na equidade e no acesso. Fazemos muitas mudanças, ULS, Aces, USF,
PPP, reforma das Urgências, dos cuidados primários, dos cuidados continuados,
mas, na maior parte delas, não sabemos que resultados tiveram.» E para Luís
Campos, «temos que saber, porque este não conhecimento é uma forma de
desperdício».
E detalhou: «As ULS, que são das experiências mais extraordinárias que há a
nível internacional de integração de cuidados com nova forma de
financiamento... Não sabemos quais os seus resultados.» Em relação às redes,
«de Urgência, hospitalares, etc., cada grupo, cada comissão fez a sua
rede independentemente das outras e, neste momento, é um emaranhado:
Aces que têm vários hospitais, hospitais que têm vários Aces. Porquê? Às
vezes porque os secretários de Estado não falavam um com o outro…»,
apontou o director do serviço de Medicina IV do CHLO.
Dúvidas na concentração de hospitais
Uma outra ameaça referida por Luís Campos prende-se com a concentração
dos hospitais. Recordando que os hospitais sofreram mudanças importantíssimas
— em 1970 tínhamos 634 hospitais e em 2011 temos 53, dos quais 21 são centros
hospitalares —, o responsável lembrou também que, apesar dos benefícios, «é
preciso ter cuidado com as concentrações».
«Nos últimos anos houve a febre da criação de centros Hospitalares. Não havia
nenhum estudo (a Entidade Reguladora da Saúde fez um, mas não comparou
o antes com o depois) e, genericamente, parece que os resultados são
positivos.» No entanto, considerou o presidente do CNQS, «não fiz nenhum
estudo, mas sei de um modelo que não faz nenhum bem ao acesso dos doentes,
que é o do Centro Hospitalar do Médio-Tejo».
«Reparem que o Hospital de Abrantes tem Urgência geral, Urgência obstétrica,
Ortopedia, Cirurgia geral, mas a Urgência pediátrica, a Pediatria, a
Cardiologia, a Nefrologia, a Pneumologia e a Medicina Interna estão só no
Hospital de Torres Novas. Depois, outras especialidades como
Psiquiatria, Urologia, Oftalmologia e ORL estão no Hospital de Tomar»,
apontou, chamando a atenção a audiência. Ou seja, «o doente velhinho, de 70
anos, incapacitado e já com dificuldade em orientar-se num hospital,
para obter os cuidados hospitalares tem que percorrer estes hospitais todos»,
concluiu Luís Campos.
Mas há outro modelo sobre o qual o especialista tem «alguma discordância»: a
concentração das Urgências na ARS do Norte. «Foi metida cada especialidade em
cada hospital — a Gastrenterologia no Centro Hospitalar do Porto, a Urologia
no Hospital de S. João, a cardiotorácica no Centro Hospitalar de Vila Nova de
Gaia, alternado com o Hospital de S. João. O doente politraumatizado
que entre e precise das várias intervenções tem que adivinhar se as coisas se
conjugam para as suas necessidades», criticou.
Por isso, defende Luís Campos, «tem que haver uma concentração do
internamento e uma descentralização do ambulatório, ou eventualmente uma
duplicação dos serviços básicos, mas nunca este tipo de modelo.»
Trabalho em rede é a solução para os hospitais
O director do serviço de Medicina IV do CHLO não tem dúvidas: «a solução
encontrada para os hospitais não foi a ideal.» «Fecharam-se as Urgências,
passaram a consultas não programadas entregues aos cuidados primários.
Entregou-se o internamento aos cuidados continuados. Manteve-se o ambulatório
no hospital. Mas tem que haver redes. Os médicos têm que sair dos hospitais
distritais, centrais e irem aos centros de saúde e aos hospitais de
proximidade prestar cuidados diferenciados», alertou o especialista.
Como tal, advoga a necessidade de «aliar a concentração para permitir
equipes, a diferenciação e volume com a prestação de cuidados
diferenciados, também na proximidade». E, para Luís Campos, «os hospitais de
proximidade são uma forma de o fazer».
Além disso, esta é também a oportunidade para «promover formas de
integração de cuidados de saúde e apoio social (nesse momento somos
nós nos hospitais que temos que resolver os problemas sociais dos doentes)».
O médico defende também uma «utilização mais racional dos serviços de saúde —
e há formas de o fazer», bem como uma prestação de contas regular e
transparente. A este propósito, contou, «para esta apresentação fui buscar
dados ao SIGIC e os últimos eram de 2010. Já os dados da Consulta a Tempo e
Horas não estão lá!».
Finalmente, precisamos de «um modelo de governação clínica que junte os
hospitais, os centros de saúde, a Direcção-Geral da Saúde, o Departamento de
Qualidade. Que junte as comissões de gestão de risco e as comissões
de qualidade. Esta estrutura de governação não existe», desabafou.
«Temos que desafiar as ortodoxias!», considera Luís Campos. E «há que partir
do princípio de pensar que podemos fazer isto de uma forma completamente
diferente». «Se nós pensarmos que o hospital não serve só para tratar
doentes, podemos pensar que o hospital pode ter um restaurante gourmet, uma
escola de formação, o serviço de fisiatria ser um ginásio para os funcionários…
ter uma creche nos hospitais», deixou alguns exemplos. E depois, «temos uma
grande ilha de oportunidades perdidas», disse apontando para um slide que
mostrava o Arquipélago da Madeira e dos Açores.
Portugueses usam mal os serviços de Urgência
Para o médico Luís Campos, «os portugueses genericamente utilizam mal os
serviços de saúde. Usam demasiado as Urgências, como lojas de
conveniência (40% são triados como não urgentes ou pouco urgentes), e
existe um recurso directo excessivo às sub-especialidades (quando «dói a
barriga» vai-se a um gastrenterologista)». Além disso, «pressionam muito os
médicos para fazerem exames. Ninguém fica curado sem fazer uma TAC ou
ressonância e a realidade é que temos 1,3 vezes mais TAC por milhão de
habitantes do que a média dos 25 países da OCDE», afirmou.
Com o aumento das taxas moderadoras seria de esperar que o acesso às
Urgências mudasse. E, como constatou, no primeiro semestre de 2012
houve, de facto, uma diminuição importante de 10,2% na ocorrência às
Urgências hospitalares (essencialmente os verdes e os azuis). No entanto,
«também não aumentaram as consultas nos CSP, diminuíram 1,7%. E isso tem ser
observado!», alertou Luís Campos.
Outro factor preocupante, retirado de um estudo feito sobre o serviço de
Urgência do Hospital de S. Francisco Xavier, em 1800 doentes considerados
high users — que vão mais de 4 vezes à Urgência, e que consumiram mais de 10
mil episódios, em 2004 – foi que, desses doentes, «70% são pessoas com
doenças crónicas e que estão a ser tratadas de uma forma aguda nas
Urgências», salientou o presidente do CNQS.
Diferenças entre instituições não são conhecidas
Luís Campos considera que a falta de dados sobre a variabilidade nos estudos
feitos entre instituições é uma grande lacuna. A percentagem de consultas de
prioridade normal com demora média superior ao TMRG (150 dias)
demonstra que «há uma extrema variabilidade entre instituições (instituições
que ultrapassam em média 60% e outras que em que de facto todas conseguem
responder)», sublinhou. Ou seja, «a variabilidade é de facto um dado muito
importante para nos alertar para problemas de qualidade em determinados
sítios». Uma outra fonte muito importante são «os registos das sociedades,
que nunca tratam o problema da variabilidade. Todos os estudos tratam médias
e medianas, mas nunca mostram a variabilidade por instituição», referiu.
Exemplificando, referiu que a Sociedade Portuguesa de Cardiologia, a pedido
do CNQ no registo nacional de síndromes coronários
agudos em 2011. «Vejam a variabilidade que existem entre os vários centros
que tratam enfarte de miocárdio», disse olhando para as assimetrias no mapa.
Outra assimetria referida, «toda a gente sabe», é o facto de «Lisboa e Vale
do Tejo ter uma deficiência de camas de cuidados continuados (57% em lista de
espera em 30 de Julho de 2012)». Por outro lado, «estranhamente, ou talvez
não, somos o terceiro país da OCDE que coloca mais doentes em
hemodiálise. Porque será?», perguntou de forma retórica.
Teresa Mendes
Tempo Medicina 27 de Setembro de 12
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