sábado, maio 25, 2013

5.º Encontro das USF


«A situação actual é paradoxal»
O presidente da USF-AN, Bernardo Vilas Boas,  considera que o momento actual da reforma dos cuidados de saúde primários «é paradoxal», tendo em conta as «ameaças» e obstáculos» que a mesma tem vivido nos últimos tempos. E recorreu a conclusões de estudos recentes para demonstrar o descontentamento dos profissionais com a situação.
O último dia do 5.º Encontro Nacional das USF, realizado entre 9 e 11 de Maio, em Lisboa, ficou marcado pelo discurso de encerramento proferido pelo presidente da Unidades de Saúde Familiar — Associação Nacional (USF-AN), Bernardo Vilas Boas. O responsável analisou o momento presente da reforma dos cuidados de saúde primários (CSP), com base em estudos também divulgados no mesmo dia, e considerou que «a situação actual é paradoxal». «Quando o País mais precisa de eficiência, que as USF e os CSP protagonizam, não se compreende que 2012 tenha sido o ano em que houve menor investimento nas USF, maiores ameaças e maiores obstáculos ao desenvolvimento da reforma dos CSP, e que esta tendência se tenha agravado nos primeiros quatro meses de 2013», afirmou. Para o médico, «estas hesitações são ainda mais difíceis de entender, considerando que a troika recomenda a implementação das USF, em particular as que têm um regime retributivo sensível ao desempenho, e que existe um vasto consenso em todos os partidos políticos representados na AR, nos sindicatos, ordens e associações profissionais a favor do desenvolvimento da reforma dos CSP».
Bernardo Vilas Boas reforçou o seu discurso recorrendo aos resultados de dois estudos de investigação divulgados no encontro nesse mesmo dia. Um deles foi o estudo «Momento Actual», que tem vindo a ser levado a cabo anualmente e que mais uma vez foi apresentado por André Biscaia, médico de família na USF Marginal. Entre as conclusões obtidas destacam-se a «insatisfação crescente» com o que se está a viver actualmente em termos de CSP, sendo que os coordenadores de USF insatisfeitos já são mais de 60%, enquanto em 2009 esta percentagem correspondia exactamente aos coordenadores satisfeitos.
Expectativas traídas
Tendo em conta que o estudo do «Momento Actual» demonstra que a evolução para modelo B é desejada e constitui um objectivo para cerca de 80% das USF modelo A, Bernardo Vilas Boas não hesita em considerar que a recente legislação neste âmbito «trai as justas expectativas das equipas».
No mesmo estudo, 51,5% dos coordenadores das USF afirmam-se insatisfeitos com a actuação actual do Ministério da Saúde. «Naturalmente porque esperavam dele a confiança, a aposta, o investimento, o compromisso e o cumprimento que não têm acontecido», justificou o responsável.
Outra investigação de que Bernardo Vilas Boas se socorreu foi a apresentada por José Luís Biscaia, médico de família na USF S. Julião da Figueira, intitulada «Estudo comparativo das USF e UCSP». Considerado pelo presidente da USF-AN como «um marco importante em relação à transparência e análise de informação», este estudo resultou de uma parceria «inédita» com a Administração Central dos Sistemas de Saúde (ACSS), que, segundo os responsáveis do estudo, facultou o acesso a toda a informação solicitada para a elaboração do mesmo.
«O estudo de avaliação das UCSP e das USF demonstra inequivocamente que as USF, em particular as USF modelo B, produzem mais e melhor, diminuem custos, diminuem despesa e geram eficiência», afirmou Bernardo Vilas Boas. Assim, nas suas palavras, «não se compreende que os ministérios da Saúde e das Finanças compactuem com situações como a da USF de Albufeira que aguarda há mais de um ano pela progressão a modelo B. Da mesma forma, no Norte, há oito USF com parecer favorável em 2013, que aguardam pela passagem a modelo B, sem qualquer previsão sobre quando tal acontecerá».
Motivos da estagnação
Mas afinal, porque é que «não fomos mais longe» na reforma dos CSP? A resposta à pergunta de Bernardo Vilas Boas é encontrada também nas conclusões do estudo «Momento Actual», o qual permite identificar três grandes razões: sistemas de informação, recursos humanos e contratualização.
Em relação aos sistemas de informação, o médico de família lembrou que «os factos, ao longo destes sete anos, demonstram que não houve, neste domínio, decisão política coerente com a reforma». «Foi dada prioridade ao investimento em soluções de apoio à gestão intermédia e central, em detrimento das soluções operacionais de apoio à decisão clínica e de gestão», afirmou. E considerou mesmo «surpreendente» que «não tenham existido os meios necessários para implementar uma aplicação operacional robusta e tecnologicamente actualizada para substituir o SAM/SAPE/SINUS, mas tenham existido meios para a concepção de duas ferramentas — o SIARS e o MIM@UF — que servem prioritariamente necessidades e prioridades da administração intermédia e central».
Já em relação à contratualização, o clínico criticou que se estejam continuamente a elevar os objectivos, já que «não estão demonstradas as vantagens de colocar sempre metas mais elevadas, e é eticamente discutível a pressão dos profissionais sobre os cidadãos, para conseguir cumprir metas desajustadas, sem evidência de ganhos clínicos, quando comparadas com resultados internacionais.
Será que se trata de uma parceria win-win?»
Numa sessão em que os aplausos foram muitos quando o tema era a motivação que todos os profissionais sentem por se verem envolvidos num modelo organizacional como o das USF, houve um momento em que o entusiasmo foi refreado. Esse momento aconteceu quando João Bilhim, presidente da Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública, foi convidado a comentar as conclusões dos estudos apresentados. Referindo-se à estranheza referida pelos diversos oradores pelo facto de o Governo não estar a apostar mais num modelo que já provou ser vantajoso, o economista frisou que «todo o negócio, para ser um bom negócio, tem de ser uma parceria win-win». «Se a parceria é bem feita, então, todos querem avançar. Por isso, interrogo-me: Será que se trata de uma parceria win-win?», questionou sem esconder um tom irónico.
Ainda assim, e aludindo ao facto de que um dos objectivos do encontro passava por encontrar «um modelo positivo para o futuro», João Bilhim não hesitou em considerar que tal já foi encontrado. «Esse modelo positivo já vocês têm», afirmou, apontando o «grande activo» que é «o trabalho com as pessoas, as equipas».
Desmotivação dos profissionais
Para Bernardo Vilas Boas, um dos motivos da desmotivação dos profissionais das USF — cifrada em 35% de insatisfação no estudo apresentado por André Biscaia — prende-se com «a criação de racionais e de percentis baseados em dados dos anos anteriores e a imposição de metas de indicadores, com base nos mesmos», já que se revelam «metas que se tornam progressivamente inatingíveis». Neste contexto, o especialista de Medicina Geral e Familiar salientou que «os resultados devem ter em conta a população, a prevalência de doenças, os recursos em saúde e socioeconómicos, criando clusters de USF, com uma avaliação multidimensional, comparáveis entre si.
Por outro lado, o presidente da USF-AN referiu-se aos recursos humanos das USF, os quais são «em muitos casos precários», pelo que «exigem uma nova política, baseada no estímulo material e espiritual». «Acreditar nas pessoas deve ser o princípio», afirmou, acrescentando que «o controlo baseado na desconfiança e no medo, autoritário e arbitrário, não faz qualquer sentido».
Apesar de admitir que «a situação de precariedade dos profissionais nas USF, em particular enfermeiros e secretários clínicos, evoluiu positivamente», o dirigente garantiu que a Associação irá continuar «a lutar pela estabilidade das equipas e pelo fim dos contratos a termo».
Bons resultados das USF e BI destas unidades
Ao apresentar o «Estudo comparativo das USF e UCSP», José Luís Biscaia deu a conhecer um projecto que está a ser desenvolvido pela USF-AN, denominado «portal BI das USF». O objectivo é, como o próprio nome indica, disponibilizar online toda a informação que caracteriza cada uma das USF existentes no País, permitindo «perceber a evolução dos indicadores e até levar a cabo processos benchmarking entre USF», referiu o médico. Acima de tudo, pretende-se que seja «um dispositivo de conhecimento e de melhoria contínua», favorecendo a «transparência e a prestação de contas».
A apresentação do portal (que ainda não está acessível) fez-se com os dados obtidos com o estudo que comparou as USF com as UCSP e deixou os presentes convencidos. Embora não fosse possível à assistência retirar dados numéricos da apresentação, deu para, através da demonstração gráfica, perceber a evolução positiva dos indicadores por parte das USF. De acordo com José Luís Biscaia, «fica claro nestes resultados que o modelo organizacional USF tem mais oferta, garante mais acesso, produz mais e melhores resultados e é inequívoco que é mais eficiente». Por outro lado, salientou que as USF modelo B são as que apresentam «maior qualidade organizacional e complexidade ao nível da contratualização, devido ao sistema retributivo misto ligado ao desempenho».
Por tudo isto, o médico de família frisou que as USF são o «motor» da reforma dos CSP. «Importa perceber que os CSP em Portugal, apesar de tudo, têm tido uma evolução globalmente positiva e a marca USF e o modelo B são factores de sustentabilidade». Até porque, justificou, «a vantagem é que nós, todos nós, sabemos do negócio».
Baixa taxa de respostas
Ao apresentar as conclusões do estudo «Momento Actual», André Biscaia chamou a atenção para um aspecto menos positivo e que se prende com as baixas taxas de resposta. Com efeito, no questionário dirigido a coordenadores de USF, este valor cifrou-se em 41%, tendo vindo a descer desde que o estudo começou a ser realizado. «Os coordenadores têm de ser as pessoas mais motivadas dentro das USF e devem ver estes estudos quase como obrigatórios», sublinhou, recordando que «estas respostas são pontos de argumentação fortíssimos, mas serão tanto mais fortes quanto mais fortes forem também as respostas».
Programa da USF-AN para 2013-2016
No final do dia 10 de Maio realizou-se a assembleia eleitoral da USF-AN para o próximo triénio. A Lista A, encabeçada por Bernardo Vilas Boas, foi eleita por 126 votos num total de 129 votos. No discurso de encerramento, o presidente reeleito apresentou a linha estratégica da Associação para 2013-2016, assumindo que o programa «compreende enormes desafios». «Realizá-los requer uma organização forte e flexível, com funcionamento diversificado e divergente, uma rede de comunicação e partilha, de concepção e de acção cada vez mais participadas, em que todos tenham consciência do seu papel e das prioridades colectivas», referiu.
Além dos diversos compromissos assumidos pela organização, Bernardo Vilas Boas explicou que a USF-AN continuará a defender e propor o «início de funções a curto prazo de todas as USF que têm candidaturas com parecer técnico favorável», bem como a «evolução imediata para modelo B, com homologação pelos conselhos directivos das administrações regionais de saúde, de todas as USF que têm parecer técnico favorável».
Entre os restantes compromissos da USF-AN contam-se o «fim da situação de contratos precários dos profissionais das USF»; «existência de «sistemas de informação com ferramentas de ajuda à decisão e governação clínica e de saúde»; «aperfeiçoamento do processo de contratualização e respeito pelos seus princípios fundamentais»; «acesso fácil das USF à acreditação, desde que cumpram critérios base definidos»; «revisão do DL n.º 298/2007 das USF e da Portaria dos incentivos, que conduza a uma situação mais justa, equilibrada e avançada, com total respeito pela negociação sindical»; «implementação da autonomia gestionária dos Aces prevista no DL n.º 28/2008»; «nomeação de directores executivos para os Aces com base em critérios de competência e de coerência com a reforma» e «responsabilização, avaliação e adopção de práticas transparentes na administração de saúde».

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