5.º Encontro das USF
«A situação actual é paradoxal»
O presidente da USF-AN, Bernardo Vilas Boas, considera que o momento actual da
reforma dos cuidados de saúde primários «é paradoxal», tendo em conta as
«ameaças» e obstáculos» que a mesma tem vivido nos últimos tempos. E recorreu a
conclusões de estudos recentes para demonstrar o descontentamento dos
profissionais com a situação.
O último dia do 5.º Encontro Nacional das USF, realizado
entre 9 e 11 de Maio, em Lisboa, ficou marcado pelo discurso de encerramento
proferido pelo presidente da Unidades de Saúde Familiar — Associação Nacional
(USF-AN), Bernardo Vilas Boas. O responsável analisou o momento presente da
reforma dos cuidados de saúde primários (CSP), com base em estudos também
divulgados no mesmo dia, e considerou que «a situação actual é paradoxal».
«Quando o País mais precisa de eficiência, que as USF e os CSP protagonizam,
não se compreende que 2012 tenha sido o ano em que houve menor investimento nas
USF, maiores ameaças e maiores obstáculos ao desenvolvimento da reforma dos
CSP, e que esta tendência se tenha agravado nos primeiros quatro meses de
2013», afirmou. Para o médico, «estas hesitações são ainda mais difíceis de
entender, considerando que a troika recomenda a implementação das USF, em
particular as que têm um regime retributivo sensível ao desempenho, e que
existe um vasto consenso em todos os partidos políticos representados na AR,
nos sindicatos, ordens e associações profissionais a favor do desenvolvimento
da reforma dos CSP».
Bernardo Vilas Boas reforçou o seu discurso recorrendo aos
resultados de dois estudos de investigação divulgados no encontro nesse mesmo
dia. Um deles foi o estudo «Momento Actual», que tem vindo a ser levado a cabo
anualmente e que mais uma vez foi apresentado por André Biscaia, médico de
família na USF Marginal. Entre as conclusões obtidas destacam-se a
«insatisfação crescente» com o que se está a viver actualmente em termos de
CSP, sendo que os coordenadores de USF insatisfeitos já são mais de 60%,
enquanto em 2009 esta percentagem correspondia exactamente aos coordenadores
satisfeitos.
Expectativas traídas
Tendo em conta que o estudo do «Momento Actual» demonstra
que a evolução para modelo B é desejada e constitui um objectivo para cerca de
80% das USF modelo A, Bernardo Vilas Boas não hesita em considerar que a
recente legislação neste âmbito «trai as justas expectativas das equipas».
No mesmo estudo, 51,5% dos coordenadores das USF afirmam-se
insatisfeitos com a actuação actual do Ministério da Saúde. «Naturalmente
porque esperavam dele a confiança, a aposta, o investimento, o compromisso e o
cumprimento que não têm acontecido», justificou o responsável.
Outra investigação de que Bernardo Vilas Boas se socorreu foi
a apresentada por José Luís Biscaia, médico de família na USF S. Julião da
Figueira, intitulada «Estudo comparativo das USF e UCSP». Considerado pelo
presidente da USF-AN como «um marco importante em relação à transparência e
análise de informação», este estudo resultou de uma parceria «inédita» com a
Administração Central dos Sistemas de Saúde (ACSS), que, segundo os
responsáveis do estudo, facultou o acesso a toda a informação solicitada para a
elaboração do mesmo.
«O estudo de avaliação das UCSP e das USF demonstra
inequivocamente que as USF, em particular as USF modelo B, produzem mais e
melhor, diminuem custos, diminuem despesa e geram eficiência», afirmou Bernardo
Vilas Boas. Assim, nas suas palavras, «não se compreende que os ministérios da
Saúde e das Finanças compactuem com situações como a da USF de Albufeira que
aguarda há mais de um ano pela progressão a modelo B. Da mesma forma, no Norte,
há oito USF com parecer favorável em 2013, que aguardam pela passagem a modelo
B, sem qualquer previsão sobre quando tal acontecerá».
Motivos da estagnação
Mas afinal, porque é que «não fomos mais longe» na reforma
dos CSP? A resposta à pergunta de Bernardo Vilas Boas é encontrada também nas
conclusões do estudo «Momento Actual», o qual permite identificar três grandes
razões: sistemas de informação, recursos humanos e contratualização.
Em relação aos sistemas de informação, o médico de família
lembrou que «os factos, ao longo destes sete anos, demonstram que não houve,
neste domínio, decisão política coerente com a reforma». «Foi dada prioridade
ao investimento em soluções de apoio à gestão intermédia e central, em
detrimento das soluções operacionais de apoio à decisão clínica e de gestão»,
afirmou. E considerou mesmo «surpreendente» que «não tenham existido os meios
necessários para implementar uma aplicação operacional robusta e
tecnologicamente actualizada para substituir o SAM/SAPE/SINUS, mas tenham
existido meios para a concepção de duas ferramentas — o SIARS e o MIM@UF — que
servem prioritariamente necessidades e prioridades da administração intermédia
e central».
Já em relação à contratualização, o clínico criticou que se
estejam continuamente a elevar os objectivos, já que «não estão demonstradas as
vantagens de colocar sempre metas mais elevadas, e é eticamente discutível a
pressão dos profissionais sobre os cidadãos, para conseguir cumprir metas
desajustadas, sem evidência de ganhos clínicos, quando comparadas com
resultados internacionais.
Será que se trata de uma parceria win-win?»
Numa sessão em que os aplausos foram muitos quando o tema
era a motivação que todos os profissionais sentem por se verem envolvidos num
modelo organizacional como o das USF, houve um momento em que o entusiasmo foi
refreado. Esse momento aconteceu quando João Bilhim, presidente da Comissão de
Recrutamento e Selecção para a Administração Pública, foi convidado a comentar
as conclusões dos estudos apresentados. Referindo-se à estranheza referida
pelos diversos oradores pelo facto de o Governo não estar a apostar mais num
modelo que já provou ser vantajoso, o economista frisou que «todo o negócio,
para ser um bom negócio, tem de ser uma parceria win-win». «Se a parceria é bem
feita, então, todos querem avançar. Por isso, interrogo-me: Será que se trata
de uma parceria win-win?», questionou sem esconder um tom irónico.
Ainda assim, e aludindo ao facto de que um dos objectivos do
encontro passava por encontrar «um modelo positivo para o futuro», João Bilhim
não hesitou em considerar que tal já foi encontrado. «Esse modelo positivo já
vocês têm», afirmou, apontando o «grande activo» que é «o trabalho com as
pessoas, as equipas».
Desmotivação dos profissionais
Para Bernardo Vilas Boas, um dos motivos da desmotivação dos
profissionais das USF — cifrada em 35% de insatisfação no estudo apresentado
por André Biscaia — prende-se com «a criação de racionais e de percentis
baseados em dados dos anos anteriores e a imposição de metas de indicadores,
com base nos mesmos», já que se revelam «metas que se tornam progressivamente
inatingíveis». Neste contexto, o especialista de Medicina Geral e Familiar
salientou que «os resultados devem ter em conta a população, a prevalência de
doenças, os recursos em saúde e socioeconómicos, criando clusters de USF, com
uma avaliação multidimensional, comparáveis entre si.
Por outro lado, o presidente da USF-AN referiu-se aos
recursos humanos das USF, os quais são «em muitos casos precários», pelo que
«exigem uma nova política, baseada no estímulo material e espiritual».
«Acreditar nas pessoas deve ser o princípio», afirmou, acrescentando que «o
controlo baseado na desconfiança e no medo, autoritário e arbitrário, não faz
qualquer sentido».
Apesar de admitir que «a situação de precariedade dos
profissionais nas USF, em particular enfermeiros e secretários clínicos,
evoluiu positivamente», o dirigente garantiu que a Associação irá continuar «a
lutar pela estabilidade das equipas e pelo fim dos contratos a termo».
Bons resultados das USF e BI destas unidades
Ao apresentar o «Estudo comparativo das USF e UCSP», José
Luís Biscaia deu a conhecer um projecto que está a ser desenvolvido pela
USF-AN, denominado «portal BI das USF». O objectivo é, como o próprio nome
indica, disponibilizar online toda a informação que caracteriza cada uma das
USF existentes no País, permitindo «perceber a evolução dos indicadores e até
levar a cabo processos benchmarking entre USF», referiu o médico. Acima de tudo,
pretende-se que seja «um dispositivo de conhecimento e de melhoria contínua»,
favorecendo a «transparência e a prestação de contas».
A apresentação do portal (que ainda não está acessível)
fez-se com os dados obtidos com o estudo que comparou as USF com as UCSP e
deixou os presentes convencidos. Embora não fosse possível à assistência
retirar dados numéricos da apresentação, deu para, através da demonstração
gráfica, perceber a evolução positiva dos indicadores por parte das USF. De
acordo com José Luís Biscaia, «fica claro nestes resultados que o modelo
organizacional USF tem mais oferta, garante mais acesso, produz mais e melhores
resultados e é inequívoco que é mais eficiente». Por outro lado, salientou que
as USF modelo B são as que apresentam «maior qualidade organizacional e
complexidade ao nível da contratualização, devido ao sistema retributivo misto
ligado ao desempenho».
Por tudo isto, o médico de família frisou que as USF são o
«motor» da reforma dos CSP. «Importa perceber que os CSP em Portugal, apesar de
tudo, têm tido uma evolução globalmente positiva e a marca USF e o modelo B são
factores de sustentabilidade». Até porque, justificou, «a vantagem é que nós,
todos nós, sabemos do negócio».
Baixa taxa de respostas
Ao apresentar as conclusões do estudo «Momento Actual»,
André Biscaia chamou a atenção para um aspecto menos positivo e que se prende
com as baixas taxas de resposta. Com efeito, no questionário dirigido a
coordenadores de USF, este valor cifrou-se em 41%, tendo vindo a descer desde
que o estudo começou a ser realizado. «Os coordenadores têm de ser as pessoas
mais motivadas dentro das USF e devem ver estes estudos quase como
obrigatórios», sublinhou, recordando que «estas respostas são pontos de
argumentação fortíssimos, mas serão tanto mais fortes quanto mais fortes forem
também as respostas».
Programa da USF-AN para 2013-2016
No final do dia 10 de Maio realizou-se a assembleia
eleitoral da USF-AN para o próximo triénio. A Lista A, encabeçada por Bernardo
Vilas Boas, foi eleita por 126 votos num total de 129 votos. No discurso de
encerramento, o presidente reeleito apresentou a linha estratégica da
Associação para 2013-2016, assumindo que o programa «compreende enormes
desafios». «Realizá-los requer uma organização forte e flexível, com
funcionamento diversificado e divergente, uma rede de comunicação e partilha,
de concepção e de acção cada vez mais participadas, em que todos tenham
consciência do seu papel e das prioridades colectivas», referiu.
Além dos diversos compromissos assumidos pela organização,
Bernardo Vilas Boas explicou que a USF-AN continuará a defender e propor o
«início de funções a curto prazo de todas as USF que têm candidaturas com
parecer técnico favorável», bem como a «evolução imediata para modelo B, com homologação
pelos conselhos directivos das administrações regionais de saúde, de todas as
USF que têm parecer técnico favorável».
Entre os restantes compromissos da USF-AN contam-se o «fim
da situação de contratos precários dos profissionais das USF»; «existência de
«sistemas de informação com ferramentas de ajuda à decisão e governação clínica
e de saúde»; «aperfeiçoamento do processo de contratualização e respeito pelos
seus princípios fundamentais»; «acesso fácil das USF à acreditação, desde que
cumpram critérios base definidos»; «revisão do DL n.º 298/2007 das USF e da
Portaria dos incentivos, que conduza a uma situação mais justa, equilibrada e
avançada, com total respeito pela negociação sindical»; «implementação da
autonomia gestionária dos Aces prevista no DL n.º 28/2008»; «nomeação de
directores executivos para os Aces com base em critérios de competência e de
coerência com a reforma» e «responsabilização, avaliação e adopção de práticas
transparentes na administração de saúde».
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