segunda-feira, abril 29, 2013

Mais cortes na área social


O Orçamento que já não o é e os mitos da despesa pública
É difícil comentar a execução de um Orçamento que já não o é. O Orçamento do Estado (OE) 2013, terá que ser substantivamente alterado pelo Orçamento rectificativo. O objectivo para o défice orçamental aumentou para 5,5% do PIB, é preciso considerar o aumento das despesas com pensões e salários da função pública para acomodar as decisões de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional, bem como compensar os cortes previstos nos subsídios de doença e desemprego que também foram considerados inconstitucionais.
Para além disto, as receitas fiscais foram estimadas num cenário de recessão de 1%, quando ele agora é de 2,3%. Em suma, o rectificativo que aí vem não é apenas uma pequena rectificação, mas uma alteração com impacto nos grandes agregados orçamentais.
De qualquer modo, o OE2013 é a base que temos e é importante compreendê-lo para se perceber coisas tão diferentes como estas: que margem de manobra tem (ou não tem) o Governo após as decisões do TC? Em que falamos quando referimos “reforma do Estado”?

A figura (acima) apresenta a estrutura da despesa (consolidada) da administração central e Segurança Social (AC+SS) orçamentada no OE, isto, é onde se retiraram apenas as transferências para a administração regional e local. A despesa com pensões e as despesas com pessoal representam 50% desta despesa.
Aqui a margem de manobra do Governo reduziu-se drasticamente com o acórdão. Ao não poder mexer em salários, o Governo mexerá porventura no emprego público, o que é muito pior.
Adicione-se agora as despesas na aquisição de serviços na área da saúde (medicamentos, meios auxiliares de diagnóstico, aquisição de serviços a hospitais empresarializados, etc.), as outras prestações sociais (desemprego, RSI, CSI) e as transferências para as instituições particulares de solidariedade social (da SS), que são quem assegura a esmagadora maioria de lares de idosos deste país, e chegamos a 66,4% da despesa. Por fim, adicionem-se os juros da dívida e estamos em mais de três quartos da despesa (77,6%). Desta, em 27,6 pontos percentuais poderá haver poupanças, mas são difíceis e terão elevados custos sociais, em particular nas áreas da saúde e da Segurança Social.
Há outra leitura dos dados que espero que contribua para acabar com um primeiro mito em torno da “reforma do Estado”, do “peso do Estado” e das suas “gorduras”. Da despesa consolidada da AC+SS, só cerca de um terço (38%) corresponde a despesas com actividades do Estado. É a soma de pessoal, aquisição de serviços (incluindo transferências para hospitais EPE) e do investimento. Cerca de dois terços (62%) não tem nada a ver com “gorduras”, “peso” ou “máquina do Estado”. São verbas que constituem despesa, mas “saem” sob a forma de pensões, outras prestações sociais, juros, subsídios, transferências para IPSS, etc. Isto nada tem a ver com o peso da “máquina” do Estado.
Outro mito é o de que se pode cortar facilmente na aquisição de bens e serviços. Pode-se cortar algo, mas os dados mostram que mais de metade desta é na Saúde, e portanto é difícil cortar naquela sem haver cortes nesta.
É preciso encontrar novos caminhos, mas não será nada fácil...

P.S. – No 25 de Abril de 1974, estávamos cheios de alegria e de esperança. Hoje, apesar de todos os progressos económicos e nos direitos individuais e sociais, estamos muito apreensivos e vivemos sob protectorado. Deixo aqui fragmento de um poema de Jorge Luis Borges (Aprendiendo)
“Con el tiempo aprendes a construir todos tus caminos en el hoy, porque el sendero del mañana no existe.”

Análise, Paulo Trigo Pereira JP 25.04.13

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