sábado, janeiro 12, 2013

Medicamentos, restrições de distribuição


António Diniz confirma queixas de utentes, ONG e sociedades científicas
«Houve ruptura de stocks [de medicamentos anti retrovíricos] numa percentagem significativa de hospitais»
«É verdade que houve rupturas pontuais de stocks nos hospitais» de medicamentos anti retrovíricos, confirmou hoje o director do Programa Nacional para a Infecção VIH/sida (PNIVS), numa audição na Comissão Parlamentar de Saúde (CPS), a requerimento do Bloco de Esquerda.
António Diniz, que está nesta altura a elaborar, a pedido do Ministério da Saúde, um relatório sobre o ponto de situação, e que foi solicitado no seguimento de denúncias por parte de utentes, de organizações não-governamentais (ONG) e de sociedades científicas, desvendou aos deputados algumas das considerações do documento.
«Confirma-se que houve ruptura de stocks numa percentagem significativa de hospitais e que houve várias situações, na maioria dos hospitais, em que as pessoas tiveram que levantar a medicação com uma periodicidade inferior a 30 dias», adiantou o responsável. Independentemente do possível eco do relatório, para António Diniz esta é, desde logo, uma situação que «não é aceitável»: «Nós não podemos estar a dizer às pessoas sistematicamente que a adesão é um elemento fundamental do tratamento e depois, a seguir, nós próprios estarmos a dificultar essa adesão, convidando-as a vir com periodicidades que foram, em alguns casos, inferiores a uma semana», defendeu.
Nesse sentido, informou, «vai ser tomada uma decisão sobre como é que os hospitais devem proceder em relação a estas situações». Não revelando quando nem como será tratada a questão, o director do PNIVS reconheceu que «todos» terão que se «sentar para analisar quais as razões que levaram a que isso acontecesse».
No entanto, voltou a frisar, «independentemente das razões, o resultado final não foi bom e nós não podemos voltar a repeti-lo». Na sua opinião, a situação não pode ser resolvida «pontualmente», ma sim «com uma decisão central e que abranja os vários hospitais, com a indicação clara dos caminhos que podem ser seguidos e das alternativas que têm de ser criadas».
Teresa Mendes, Tempo Medicina, 9 de Janeiro de 2013 

 Restrições nos medicamentos afectam cancro, hepatite C e artrite reumatóide
 Há doentes que vêem negado o tratamento, outros que o recebem a conta-gotas ou fora do prazo. Médicos e associações dizem que o ministério não pode alegar desconhecimento
A Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed) continua a garantir que não há limitação de fármacos nos hospitais portugueses. Porém, os exemplos concretos de doentes com dificuldades de acesso à medicação prescrita sucedem-se e são, desde há muito, alvo de denúncias aos diferentes organismos da tutela, por parte das associações que representam os doentes e, esta semana, pela voz do bastonário da Ordem dos Médicos (OM), José Manuel Silva. São casos de medicamentos para a artrite reumatóide, para a esclerose múltipla, para determinados cancros (como o melanoma e o cancro da próstata), e antivirais para a hepatite C.
As denúncias são apresentadas por associações de doentes, mas também por médicos. Dado o encaminhamento que lhes é feito, o bastonário sustenta que o Ministério da Saúde não pode alegar que as desconhece. A presidente da ANDAR (Associação Nacional dos Doentes com Artrite Reumatóide), Arsisete Saraiva, concorda. “As queixas dos doentes estão a aumentar e eu própria as reenvio para o Infarmed, para os secretários de Estado da Saúde, bastonário, Direcção-Geral da Saúde, Comissão Parlamentar da Saúde... Todos sabem”, garante.
Arsisete aponta casos: “O Hospital de Braga negou o tratamento a uma doente e só o disponibilizou quando íamos denunciar a situação. O Hospital de Faro, durante o mês de Dezembro, não deu medicamentos biológicos a ninguém e, noutros casos, há hospitais a violar as embalagens do medicamento para darem apenas uma toma ao doente”.
Joana Pereira, uma ex-técnica de tanatologia forense de 34 anos a residir em Esposende, diz ter esperado um ano até que o Hospital de Braga lhe fornecesse o Rituximab para a artrite reumatóide. “Apresentei duas queixas no livro de reclamações, estava a desesperar porque tinha tido reacções negativas aos outros tratamentos, aquele era o único que me permitia ter uma vida normal. E, nesse período, senti um agravamento enorme dos sintomas”, lembra.
Esta doente conta que o problema foi resolvido no preciso dia em que se dirigia a Lisboa para um colóquio promovido pela ANDAR em que a sua situação iria ser denunciada. “Já estava a caminho de Lisboa quando recebi uma chamada a dizerem-me que não precisava de ir porque o tratamento me seria fornecido”.
Este episódio ocorreu em Junho passado. “Há dois meses, voltei a receber uma chamada do hospital a dizer: ‘Joana, não venha ao hospital, porque a medicação foi novamente negada’. Liguei para a associação e resolveram-me o problema, mas vivo com medo que me recusem a medicação ou que não ma dêem atempadamente, porque sem tratamento, a doença avança de forma brutal”. Ao PÚBLICO, o Hospital de Braga garante que a doente, que tinha sido transferida de Ponte de Lima, apenas foi integrada no Hospital de Braga em Junho de 2012. E que o medicamento lhe foi disponibilizado a 25 desse mês. “É mentira”, retorque Joana. “Estive um ano à espera”.
M., uma empregada de escritório de 54 anos que reside em Braga, toma Humira, um medicamento injectável para a artrite reumatóide, mas neste momento não tem garantias de aceder ao fármaco que, duas vezes por mês, recolhe na farmácia do Hospital de Braga. “No passado dia 3 de Janeiro devia ter tomado uma injecção, mas o hospital disse que não tinha o medicamento. Ligaram-me no dia seguinte a dizer que podia passar lá, mas, em vez da embalagem com as duas canetas, entregaram-me só uma, sem a embalagem, sem a bula e sem o desinfectante”, conta.
“Quando lhes perguntei se era legal violarem a embalagem, a farmacêutica do hospital disse-me que não tinham mais. E sei que há mais gente a receber só uma caneta de cada vez, o que obriga a inúmeras deslocações ao hospital. E, como a doença é evolutiva e deformativa, há doentes que têm muitas dificuldades de deslocação ao hospital, já para não falar das despesas de transporte e parqueamento”. AO PÚBLICO, fonte do hospital admite algumas dificuldades na “gestão de dos medicamentos, mas afiança que “o Hospital de Braga sempre garantiu aos doentes a medicação prescrita”. As dificuldades de acesso aos tratamentos estão longe de se restringir à artrite reumatóide. O caso dos medicamentos para tratamento oncológicos, muito dispendiosos, é paradigmático e têm-se sucedido as denúncias de dificuldades no acesso. O ex-presidente do colégio da especialidade de Oncologia da Ordem dos Médicos, Jorge Espírito Santo, admite que recebeu várias participações de colegas sobre “restrições indevidas de medicamentos indicados” para determinadas patologias. E acrescenta que até tem “conhecimento informal de médicos que reportaram restrições e limitações de medicamentos de uso corrente no cancro”. Então e a OM não fez nada? “A ordem apenas pode actuar sobre os médicos que ilegitimamente impõem restrições aos colegas”, responde.
Miguel Guimarães, do Conselho Regional do Norte da OM, explica ainda que “a capacidade de investigação da ordem é limitada”. Uma das situações em investigação prende-se com casos de doentes com cancro de próstata avançado (com metástases)nseguidos em vários hospitais do Norte. A Abiraterona é um fármaco que, segundo os estudos, pode prolongar a vida em alguns meses, mas custa mais de dois mil euros/mês. Apesar de ser disponibilizado nos hospitais do Centro e do Sul, não é dado em várias unidades do Norte. Uma destas é o Centro Hospitalar de S. João, no Porto. Ao PÚBLICO, o hospital alegou que “não compra medicamentos que não estejam aprovados pelo Infarmed”.
Quanto à falta de medicamentos para os doentes cirróticos com hepatite C, essa sente-se a norte de Coimbra e no Algarve. Porquê? “Ninguém sabe explicar. Os próprios médicos não sabem adiantar nenhuma explicação”, diz Emília Rodrigues, da Associação SOS Hepatites. “É um medicamento que dá 80% de hipóteses de cura. Os atrasos são de mais de seis meses. Para um doente cirrótico, seis meses é tempo de mais”. O tratamento em causa (o convencional acrescido de um inibidor de protease) foi aprovado há um ano e meio, com carácter de urgência. Em todo o país, estão em causa entre 1500 a 2000 pessoas com a doença, mas, a norte, o único hospital que faz este tratamento é o de Braga, segundo Emília Rodrigues. O reumatologista António Vilar, que denunciou haver médicos “intimados pelas administrações a alterar a prescrição”, ressalva que, em muitos casos, os problemas sentidos pelos doentes têm que ver com “as dificuldades que as administrações hospitalares sentiram quando se aproximou o final do ano, em que tinham já os e as verbas ultrapassados”.
O bastonário da OM confirma “as crescentes dificuldades financeiras que os hospitais enfrentam por terem de cumprir a lei dos compromissos”, que os impede de adquirir produtos que sabem não poder pagar no prazo de três meses. Resultado: medicamentos antes fornecidos para semanas ou meses, agora estão a ser dados a conta-gotas. Para José Manuel Silva, as normas de orientação terapêutica que o organismo está a elaborar em conjunto com a Direcção-Geral da Saúde “vão finalmente pôr cobro à actual disparidade geográfica” no acesso aos fármacos. O problema das disparidades agudizou-se depois de um grupo de hospitais do Norte se ter associado numa espécie de central de compras e ter definido uma lista dos fármacos a disponibilizar, especialidade a especialidade. Vários fármacos, sobretudo inovadores e muito caros, ficaram fora da lista.
Alexandra Campos, JP 11.01.12