Isabel Vaz, entrevista expresso 16.02.13
“Acabar com a ADSE seria ceder ao lóbi dos prestadores
públicos”
Isabel Vaz, Presidente
da Espírito Santo Saúde
O Hospital Beatriz
Ângelo, em Loures, comemora hoje um ano de actividade numa cerimónia em que será
homenageado o presidente cessante da Câmara de Loures, Carlos Teixeira, pela
dedicação ao projecto Isabel Vaz, presidente da Espírito Santo Saúde (ESS), diz
que esta parceria público-privada (PPP) prova que é possível reformar o Estado.
O Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, faz um ano.
Qual o balanço?
A ESS está muito
orgulhosa do Hospital Beatriz Ângelo (HBA) porque todos os prazos foram
cumpridos — em dois anos construímos e abrimos ao público o hospital — e,
durante o primeiro ano, conseguimos reunir um corpo clínico fantástico, graças
aos hospitais de Lisboa que formaram os médicos e enfermeiros. Do ponto de
vista financeiro crescemos menos do que estávamos à espera porque não houve a
reorganização hospitalar prevista. Abriram 470 camas novas em Loures e não
aconteceu nada em Lisboa. Quanto ficaram abaixo dos objectivos Cerca de 20%.
Enquanto operadores de longo prazo — somos corredores de maratona e não dos cem
metros — achamos que foi bom ter sido assim porque deu tempo ao corpo clínico,
formado por médicos e enfermeiros e mais de 15 hospitais, para consolidar o
novo modelo de governação clínica que é diferente dos outros hospitais do
Serviço Nacional de Saúde (SNS), e que já tínhamos em prática no Hospital da
Luz. O único serviço que não teve esta sorte foi a urgência, abrimos em pleno
pico da gripe... Hoje é já um hospital com uma vivência clínica intensa, com
protocolos com as duas faculdades de medicina de Lisboa (acolhe mais de 500
estudantes). E a actividade Fizemos cerca de 129 mil consultas, 5800 cirurgias,
1580 partos, 135.500 urgências e demos 14.100 altas de internamento. A partir
de setembro o hospital começou a aumentar a produção e, neste momento, face a
períodos homólogos está a crescer em consultas a 60%, em cirurgias 38%, os
partos 15% e as urgências 20%. Mais, temos um EBITDA (resultados antes de
juros, impostos, amortizações e depreciações) positivo em janeiro. A procura
está lá, ou seja, o drama da ausência de reestruturação hospitalar não é para
mim mas para os grandes hospitais de Lisboa, nomeadamente o Santa Maria, que já
está a perder doentes.
Em julho de 2011 dizia que queria que Loures fosse
uma PPP exemplar. Foi o que aconteceu?
Num momento em que se
discute a sustentabilidade do SNS e a reforma hospitalar, podemos ser o
benchmarking para outros. O nosso lema é “medicina de equipa” e conseguimos um
microcosmos de pessoas que mudaram a maneira de pensar, de trabalhar e que
testaram um novo modelo de gestão. Essa é a grande inovação e é o que o país
precisa: fazer diferente. Não podemos repetir a receita do passado e esperar, com
uma grande fé, que agora resulte. Surpreendeu-a? Esse é o ADN da ESS. Podem
dizer que funciona porque é o sector privado, mas resultou com pessoas do
funcionalismo público, com uma boa liderança e motivação. O Hospital Beatriz
Ângelo é a prova de que é possível reformar o Estado.
A falta de dinheiro é uma forte condicionante.
Ainda é possível ganhar eficiência e poupar no SNS?
Há, pelo menos, sete
ministros que ouço dizer que é possível tornar o sistema mais eficiente. Não é
verdade com o atual modelo. Já se provou, nos últimos 30 anos, que não é
possível gerir com o dinheiro que se tem.
O que pensa do trabalho do Ministério da Saúde?
Na actuação externa, de
lidar com os grandes interesses privados, farmacêuticas, farmácias, prestadores
privados, o ministro da Saúde, Paulo Macedo, tem sido exemplar. Teve capacidade
de exigir ao sector privado que reformule o seu funcionamento e isso está a
acontecer. Tenho pena que esta mesma pressão não esteja a acontecer
internamente. O Ministério poupou porque cortou dois ordenados à função pública
e fê-lo de forma transversal, com um corte cego. Isto resolve um problema
orçamental no curto prazo.
O Ministério da Saúde foi obrigado a cumprir as directrizes do Governo.
Claro, mas esta é uma
medida para o curto prazo. O ministro das Finanças está a gerir um programa de
ajustamento e não está à frente dos outros ministérios. Enquanto estes não lhe
disserem como se irão reestruturar e trabalhar de forma diferente, fazer mais
com menos, a única hipótese que ele tem é fazer cortes cegos.
O ministro das Finanças tem poder a mais na
reestruturação do Estado?
Não, o poder do
ministro das Finanças só é a mais se os ministérios não fizerem o seu trabalho.
Porquê a incapacidade do Ministério da Saúde de actuar a nível interno?
O Estado não tem
capacidade de fazer isso a si próprio por isso devia privatizar. A única coisa
que não pode privatizar é a função soberana de garantir o acesso de todos à
saúde e isso faz-se através do financiamento, via impostos.
Está desiludida com Paulo Macedo?
Não. Passaram apenas
dois anos e acho que tem tido posições de bastante coragem face a interesses
complicados, não só a indústria farmacêutica. Pela primeira vez avançou a
prescrição por DCI (substância activa que também tinha a resistência de
médicos. Mas a sensação que dá é que só estão a discutir a reforma do Estado
por imposição da troika! Parece que mal se desaperte a tarraxa vamos logo sair
dos eixos. Se antecipássemos as reformas fazíamo-las à luz da nossa cultura.
Assim, sujeitamo-nos a que qualquer pateta mande bocas sobre Portugal! E isso
acontece porque nos demitimos de traçar o nosso destino.
É essa a sua grande desilusão?
Entristece-me. Temos de
assumir que esta reforma tem de ser feita, que temos de viver com o que
produzimos e isto é transversal a todos os partidos políticos. Temos de ser nós
a tomar a dianteira e a assumir o nosso futuro.
Os €4 mil milhões de corte na despesa que irão
também reflectir-se na saúde podem vir a comprometer o SNS?
Se se continuar numa
lógica de cortes cegos, nos salários, por exemplo, sim. Com uma estratégia
profunda de reorganização dos serviços ao nível da sua concentração e também
com a criação de centros de excelência. Por enquanto, o SNS não está a ser afectado.
Como comenta a possibilidade de extinção da ADSE (a protecção na saúde dos funcionários públicos)?
A ESS tem interesses
brutais nesse tema, como todos sabem. No curto prazo seria um desastre
orçamental porque, em 2011, a ADSE representou na rede privada €490 milhões dos
quais 65% financiados pelos beneficiários, e este valor teria de ser gasto pelo
Estado na mesma. No longo prazo, é também um grande disparate, é ceder a mais
um interesse do lóbi prestador público, que está aflito de doentes. Neste
momento a ADSE dá liberdade de escolha entre público e privado. Porque é que os
portugueses em geral não exigem isso aos políticos e permitem nivelar por
baixo, numa guerra intestina contra os funcionários públicos?
“Políticos
com elevação não incitam ao ódio entre público e privado”
Isabel Vaz lamenta que
se demonize a gestão privada no sector da saúde.
Persiste o preconceito face ao privado?
Há muito ódio dos
funcionários do privado em relação aos do sector público e vice-versa. E os
políticos de verdadeira elevação não utilizam isso como arma política,
reconstroem galvanizando um povo inteiro. Há um grande mito na saúde de que não
pode ser um negócio. O lucro na saúde não é mais do que a remuneração de um
determinado capital que foi investido, ou a remuneração pela gestão. Se as
pernas da gestão forem sempre cortadas, isso significa que outros vão receber
rendas excessivas. Há um interesse por parte de quem tem as rendas excessivas,
sejam médicos, enfermeiros, indústria farmacêutica ou fabricantes de
dispositivos em manter a má gestão.
Não há reconhecimento do Estado pela iniciativa
privada?
Ao fim de dez anos como
gestora estou cansada, mas vamos continuar a lutar mesmo com ferramentas
gastas. Por muito que façamos bem, nunca é suficiente. A verdade é que também
deste Ministério não há qualquer reconhecimento em relação às parcerias, no
sentido de equacionarem fazer mais ou utilizarem-nas como exemplo. No fundo, se
perdemos dinheiro somos uns atrasados mentais que gerem pior do que o Estado,
se ganharmos não fazemos mais do que a nossa obrigação. Assusta-me imenso
quando o Ministério da Saúde utiliza frases como “as parcerias são muito boas
para o Estado, os privados é que estão muito atrapalhados”. As parcerias para
resultarem têm de ser boas para todas as partes.
Foi o ministro Paulo Macedo que o disse.
Foi um dia em que ele
me deixou bastante triste, não estava à espera. Foi uma frase infeliz, até
porque acho que o Paulo Macedo não é assim, uma pessoa que vem do privado e um
bom gestor sabe que as coisas não funcionam assim. É a tal pressão política em
que cai bem dizer mal dos privados e fomentar este ódio. O sucesso de uma boa
gestão depende de todos os stakeholders estarem bem. Isso é que é elevação na
gestão e nos políticos, e algo que eu não vejo.
Como vê a venda pela CGD dos Hospitais Privados de
Portugal (HPP) à Amil, empresa agora de capital americano?
A HPP já era um
concorrente forte e passámos a ter um concorrente internacional com o qual
provavelmente irei aprender e me irá retirar da minha zona de conforto, o que é
bom.
Também estiveram no concurso, perderam por uma
questão de preço?
Tínhamos uma proposta
financeiramente pior e condições diferentes para ficar com algumas unidades do
grupo, nomeadamente o Hospital de Cascais. O Estado decidiu bem, pela melhor
proposta.
Quais são os próximos investimentos?
O grupo faturou €341
milhões em 2012, mais 25% face ao ano anterior. Se isolarmos o sector privado
(€290 milhões) da PPP (Beatriz Ângelo) o crescimento é de 6%, e o Hospital da
Luz (em Lisboa) subiu 7%, com um volume de negócios de €126,5 milhões. Temos um
grande plano de expansão da Luz, que também é um hospital de ensino e está a
precisar de ser ampliado em 35%, a que se somará a criação de um grande centro
de formação. Precisamos de aumentar a vertente assistencial e consolidar também
a atividade de investigação e ensino — nesse âmbito temos várias parcerias
internacionais. E temos muitos pedidos de economias emergentes (Brasil,
Colômbia, Venezuela, Norte de África, China) para exportar o nosso modelo de
gestão. Estamos com muitos projetos de investigação ao nível de novos sistemas
de informação clínicos. Isto vai muito além do turismo de saúde. Os portugueses
têm capacidade inventiva para dar.
Entrevista de Ana Sofia Santos e Pedro Lima, fotos de Jorge Simão,
caderno económico Semanário Expresso de 16.02.13
Privatizar a Saúde
Nunca defenderia a
privatização de todos os hospitais. Os grandes devem continuar do Estado e nos
restantes passava-se o risco operacional para os outros.
Reforma Hospitalar
Só vejo grupos de
estudo. Dois anos e não há plano para a reestruturação. O Santa Maria está numa
situação castastrófica, é o maior do país, além das responsabilidades de
ensino.
Taxas moderadoras
Estamos no limite tendo
em conta os salários e a subida dos impostos. Convém não esquecer que 50% das
pessoas estão isentas.
Dívidas a fornecedores
No Hospital Beatriz
Angelo somo obrigados a pagar as dívidas
até 90 dias senão temos multa. E se fosse assim em todos os outros
hospitais do SNS?
Etiquetas: Entrevistas
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