domingo, fevereiro 17, 2013

Isabel Vaz, entrevista expresso 16.02.13


“Acabar com a ADSE seria ceder ao lóbi dos prestadores públicos”
Isabel Vaz, Presidente da Espírito Santo Saúde

O Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, comemora hoje um ano de actividade numa cerimónia em que será homenageado o presidente cessante da Câmara de Loures, Carlos Teixeira, pela dedicação ao projecto  Isabel Vaz, presidente da Espírito Santo Saúde (ESS), diz que esta parceria público-privada (PPP) prova que é possível reformar o Estado.
O Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, faz um ano. Qual o balanço?
A ESS está muito orgulhosa do Hospital Beatriz Ângelo (HBA) porque todos os prazos foram cumpridos — em dois anos construímos e abrimos ao público o hospital — e, durante o primeiro ano, conseguimos reunir um corpo clínico fantástico, graças aos hospitais de Lisboa que formaram os médicos e enfermeiros. Do ponto de vista financeiro crescemos menos do que estávamos à espera porque não houve a reorganização hospitalar prevista. Abriram 470 camas novas em Loures e não aconteceu nada em Lisboa. Quanto ficaram abaixo dos objectivos  Cerca de 20%. Enquanto operadores de longo prazo — somos corredores de maratona e não dos cem metros — achamos que foi bom ter sido assim porque deu tempo ao corpo clínico, formado por médicos e enfermeiros e mais de 15 hospitais, para consolidar o novo modelo de governação clínica que é diferente dos outros hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS), e que já tínhamos em prática no Hospital da Luz. O único serviço que não teve esta sorte foi a urgência, abrimos em pleno pico da gripe... Hoje é já um hospital com uma vivência clínica intensa, com protocolos com as duas faculdades de medicina de Lisboa (acolhe mais de 500 estudantes). E a actividade  Fizemos cerca de 129 mil consultas, 5800 cirurgias, 1580 partos, 135.500 urgências e demos 14.100 altas de internamento. A partir de setembro o hospital começou a aumentar a produção e, neste momento, face a períodos homólogos está a crescer em consultas a 60%, em cirurgias 38%, os partos 15% e as urgências 20%. Mais, temos um EBITDA (resultados antes de juros, impostos, amortizações e depreciações) positivo em janeiro. A procura está lá, ou seja, o drama da ausência de reestruturação hospitalar não é para mim mas para os grandes hospitais de Lisboa, nomeadamente o Santa Maria, que já está a perder doentes.
Em julho de 2011 dizia que queria que Loures fosse uma PPP exemplar. Foi o que aconteceu?
Num momento em que se discute a sustentabilidade do SNS e a reforma hospitalar, podemos ser o benchmarking para outros. O nosso lema é “medicina de equipa” e conseguimos um microcosmos de pessoas que mudaram a maneira de pensar, de trabalhar e que testaram um novo modelo de gestão. Essa é a grande inovação e é o que o país precisa: fazer diferente. Não podemos repetir a receita do passado e esperar, com uma grande fé, que agora resulte. Surpreendeu-a? Esse é o ADN da ESS. Podem dizer que funciona porque é o sector privado, mas resultou com pessoas do funcionalismo público, com uma boa liderança e motivação. O Hospital Beatriz Ângelo é a prova de que é possível reformar o Estado.
A falta de dinheiro é uma forte condicionante. Ainda é possível ganhar eficiência e poupar no SNS?
Há, pelo menos, sete ministros que ouço dizer que é possível tornar o sistema mais eficiente. Não é verdade com o atual modelo. Já se provou, nos últimos 30 anos, que não é possível gerir com o dinheiro que se tem.
O que pensa do trabalho do Ministério da Saúde?
Na actuação externa, de lidar com os grandes interesses privados, farmacêuticas, farmácias, prestadores privados, o ministro da Saúde, Paulo Macedo, tem sido exemplar. Teve capacidade de exigir ao sector privado que reformule o seu funcionamento e isso está a acontecer. Tenho pena que esta mesma pressão não esteja a acontecer internamente. O Ministério poupou porque cortou dois ordenados à função pública e fê-lo de forma transversal, com um corte cego. Isto resolve um problema orçamental no curto prazo.
O Ministério da Saúde foi obrigado a cumprir as directrizes do Governo.
Claro, mas esta é uma medida para o curto prazo. O ministro das Finanças está a gerir um programa de ajustamento e não está à frente dos outros ministérios. Enquanto estes não lhe disserem como se irão reestruturar e trabalhar de forma diferente, fazer mais com menos, a única hipótese que ele tem é fazer cortes cegos.
O ministro das Finanças tem poder a mais na reestruturação do Estado?
Não, o poder do ministro das Finanças só é a mais se os ministérios não fizerem o seu trabalho.
Porquê a incapacidade do Ministério da Saúde de actuar a nível interno?
O Estado não tem capacidade de fazer isso a si próprio por isso devia privatizar. A única coisa que não pode privatizar é a função soberana de garantir o acesso de todos à saúde e isso faz-se através do financiamento, via impostos.
Está desiludida com Paulo Macedo?
Não. Passaram apenas dois anos e acho que tem tido posições de bastante coragem face a interesses complicados, não só a indústria farmacêutica. Pela primeira vez avançou a prescrição por DCI (substância activa  que também tinha a resistência de médicos. Mas a sensação que dá é que só estão a discutir a reforma do Estado por imposição da troika! Parece que mal se desaperte a tarraxa vamos logo sair dos eixos. Se antecipássemos as reformas fazíamo-las à luz da nossa cultura. Assim, sujeitamo-nos a que qualquer pateta mande bocas sobre Portugal! E isso acontece porque nos demitimos de traçar o nosso destino.
É essa a sua grande desilusão?
Entristece-me. Temos de assumir que esta reforma tem de ser feita, que temos de viver com o que produzimos e isto é transversal a todos os partidos políticos. Temos de ser nós a tomar a dianteira e a assumir o nosso futuro.
Os €4 mil milhões de corte na despesa que irão também reflectir-se na saúde podem vir a comprometer o SNS?
Se se continuar numa lógica de cortes cegos, nos salários, por exemplo, sim. Com uma estratégia profunda de reorganização dos serviços ao nível da sua concentração e também com a criação de centros de excelência. Por enquanto, o SNS não está a ser afectado.
Como comenta a possibilidade de extinção da ADSE (a protecção na saúde dos funcionários públicos)?
A ESS tem interesses brutais nesse tema, como todos sabem. No curto prazo seria um desastre orçamental porque, em 2011, a ADSE representou na rede privada €490 milhões dos quais 65% financiados pelos beneficiários, e este valor teria de ser gasto pelo Estado na mesma. No longo prazo, é também um grande disparate, é ceder a mais um interesse do lóbi prestador público, que está aflito de doentes. Neste momento a ADSE dá liberdade de escolha entre público e privado. Porque é que os portugueses em geral não exigem isso aos políticos e permitem nivelar por baixo, numa guerra intestina contra os funcionários públicos?

“Políticos com elevação não incitam ao ódio entre público e privado”
Isabel Vaz lamenta que se demonize a gestão privada no sector da saúde.
Persiste o preconceito face ao privado?
Há muito ódio dos funcionários do privado em relação aos do sector público e vice-versa. E os políticos de verdadeira elevação não utilizam isso como arma política, reconstroem galvanizando um povo inteiro. Há um grande mito na saúde de que não pode ser um negócio. O lucro na saúde não é mais do que a remuneração de um determinado capital que foi investido, ou a remuneração pela gestão. Se as pernas da gestão forem sempre cortadas, isso significa que outros vão receber rendas excessivas. Há um interesse por parte de quem tem as rendas excessivas, sejam médicos, enfermeiros, indústria farmacêutica ou fabricantes de dispositivos em manter a má gestão.
Não há reconhecimento do Estado pela iniciativa privada?
Ao fim de dez anos como gestora estou cansada, mas vamos continuar a lutar mesmo com ferramentas gastas. Por muito que façamos bem, nunca é suficiente. A verdade é que também deste Ministério não há qualquer reconhecimento em relação às parcerias, no sentido de equacionarem fazer mais ou utilizarem-nas como exemplo. No fundo, se perdemos dinheiro somos uns atrasados mentais que gerem pior do que o Estado, se ganharmos não fazemos mais do que a nossa obrigação. Assusta-me imenso quando o Ministério da Saúde utiliza frases como “as parcerias são muito boas para o Estado, os privados é que estão muito atrapalhados”. As parcerias para resultarem têm de ser boas para todas as partes.
Foi o ministro Paulo Macedo que o disse.
Foi um dia em que ele me deixou bastante triste, não estava à espera. Foi uma frase infeliz, até porque acho que o Paulo Macedo não é assim, uma pessoa que vem do privado e um bom gestor sabe que as coisas não funcionam assim. É a tal pressão política em que cai bem dizer mal dos privados e fomentar este ódio. O sucesso de uma boa gestão depende de todos os stakeholders estarem bem. Isso é que é elevação na gestão e nos políticos, e algo que eu não vejo.
Como vê a venda pela CGD dos Hospitais Privados de Portugal (HPP) à Amil, empresa agora de capital americano?
A HPP já era um concorrente forte e passámos a ter um concorrente internacional com o qual provavelmente irei aprender e me irá retirar da minha zona de conforto, o que é bom.
Também estiveram no concurso, perderam por uma questão de preço?
Tínhamos uma proposta financeiramente pior e condições diferentes para ficar com algumas unidades do grupo, nomeadamente o Hospital de Cascais. O Estado decidiu bem, pela melhor proposta.
Quais são os próximos investimentos?
O grupo faturou €341 milhões em 2012, mais 25% face ao ano anterior. Se isolarmos o sector privado (€290 milhões) da PPP (Beatriz Ângelo) o crescimento é de 6%, e o Hospital da Luz (em Lisboa) subiu 7%, com um volume de negócios de €126,5 milhões. Temos um grande plano de expansão da Luz, que também é um hospital de ensino e está a precisar de ser ampliado em 35%, a que se somará a criação de um grande centro de formação. Precisamos de aumentar a vertente assistencial e consolidar também a atividade de investigação e ensino — nesse âmbito temos várias parcerias internacionais. E temos muitos pedidos de economias emergentes (Brasil, Colômbia, Venezuela, Norte de África, China) para exportar o nosso modelo de gestão. Estamos com muitos projetos de investigação ao nível de novos sistemas de informação clínicos. Isto vai muito além do turismo de saúde. Os portugueses têm capacidade inventiva para dar.
Entrevista de Ana Sofia Santos e Pedro Lima, fotos de Jorge Simão, caderno económico Semanário Expresso de  16.02.13

Privatizar a Saúde
Nunca defenderia a privatização de todos os hospitais. Os grandes devem continuar do Estado e nos restantes passava-se o risco operacional para os outros.
Reforma Hospitalar
Só vejo grupos de estudo. Dois anos e não há plano para a reestruturação. O Santa Maria está numa situação castastrófica, é o maior do país, além das responsabilidades de ensino.
Taxas moderadoras
Estamos no limite tendo em conta os salários e a subida dos impostos. Convém não esquecer que 50% das pessoas estão isentas.
Dívidas a fornecedores
No Hospital Beatriz Angelo somo obrigados a pagar as dívidas  até 90 dias senão temos multa. E se fosse assim em todos os outros hospitais do SNS?

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