CMI, carta aberta ao ministro da saúde
Excelentíssimos Senhores
- Ministro da Saúde
- Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde
- Secretário de Estado da Saúde
- Conselho Diretivo da ARS Norte
- Presidente da Câmara Municipal do Porto
- Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia
C/C a Prof Correia de Campos e Dra. Ana Jorge
Assunto: Construção do “Centro Materno-Infantil” e do
“Centro de Reabilitação do Norte” versus “Falta de planeamento” e “Total
descoordenação”
Senhor Ministro da Saúde
Vossa Excelência, no passado dia 20 de Fevereiro, em sessão
pública nas instalações conjuntas da Faculdade de Medicina do Porto/Hospital S.
João, declarou que a construção do “Centro Materno Infantil do Norte”,
integrado no Centro Hospitalar do Porto, e do “Centro de Reabilitação do Norte”
denotam “falta de planeamento” e uma “total descoordenação”, como foi
sobejamente divulgado nos media.
Com esta afirmação pública, Vossa Excelência pode ter
conseguido um sonoro “soundbyte” tão útil na trica politiqueira, mas demonstrou
desconhecer por completo todo o processo que foi percorrido até ser aprovada a
proposta de construção dos dois equipamentos, a isenção técnica (e até politico
partidária) colocada no estudo e caracterização das necessidades em saúde da
população da Região Norte, no brio metodológico utilizado para especificar e
quantificar as razões técnicas, financeiras e de ganhos em saúde que
justificaram tais projetos e respetivos investimentos.
Com aquelas afirmações conseguiu Vossa Excelência, também e
de forma algo gratuita (embora estamos convictos que sem essa intenção), pôr em
causa o bom nome de dezenas de profissionais de saúde, quer na perspetiva
cívica, de cidadania desinteressada, da prática de valores como a “causa
pública” em como se empenharam na análise e estudo dos temas e na produção e
aprovação dos seus relatórios (sem qualquer retribuição pecuniária), quer ainda
na sua competência técnico científica específica, que, na maior parte dos
casos, resulta de um longo percurso profissional reconhecido como de excelência
pelo seus pares e pelos seus doentes.
Conscientes de que possuímos um profundo conhecimento dos
dois equipamentos de saúde, decorrente dos vários anos em que assumimos
responsabilidades públicas pelos serviços de saúde da região Norte, de que
conhecemos os detalhes do processo, do percurso até à sua aprovação e início de
construção, de que conhecemos as pessoas e instituições que foram ouvidas e que
emitiram opinião ou pareceres, vimos informar Vossa Excelência que,
naturalmente, estamos ao seu dispor para lhe facultar todas as informações,
contribuindo, assim, para que se evitem afirmações como aquelas que Vossa
Excelência proferiu no Porto, que, por nada terem a ver com a verdade dos
factos, não são úteis a rigorosas e necessárias “Políticas de Saúde”, a uma
sadia, custo-eficiente e custo-efectiva “Administração Pública” e à promoção do
indispensável envolvimento dos profissionais de saúde e dos cidadãos na vida e
no desenvolvimento sustentado do SNS e da sociedade.
Desde já podemos afirmar que a metodologia de trabalho
adotado teve como preocupação:
1. Primeiro que tudo, identificar corretamente as
necessidades em saúde da população não satisfeitas, à altura, com o rigor que o
método científico e o conhecimento em “Planeamento em saúde” permitem. Na
consecução deste objetivo foi solicitada a colaboração direta de diversos
profissionais de saúde, escolhidos entre os mais experientes, como foram
convidadas a emitir parecer entidades tais como: as Direções dos Colégios das
especialidades médicas envolvidas, as respetivas Sociedades Científicas, as
Ordens Profissionais dos médicos e dos enfermeiros e as Comissões Nacionais
formais do Ministério da Saúde, como a da “Saúde da Mulher e Neonatal e a da
Criança e do Adolescente” ou os Serviços do Planeamento da própria
Direcção-Geral da Saúde, que mais tarde foram incorporados na ACSS.
2. Conhecer e caracterizar a realidade e os problemas dos
serviços de saúde envolvidos (recursos humanos, materiais e financeiros
existentes, capacidade instalada, produção, evolução da procura e da oferta,
eficiência, qualidade e diferenciação dos cuidados que asseguravam, etc.), daí
que, no caso do CMIN – Centro Materno Infantil do Norte, foram, desde o
primeiro momento, envolvidos e comprometidos os elementos dos CA das três
instituições: Hospital Maria Pia, Hospital Santo António e Maternidade Júlio
Diniz, cujas reuniões foram lideradas por elementos do próprio CA/CD da ARS do
Norte. Não é por acaso que aquelas três instituições foram integradas no
“Centro Hospitalar do Porto” (CHP) e o CMIN passará a integrar, num único
equipamento, os serviços de consulta externa, internamento e cuidados
intensivos de obstetrícia, ginecologia, pediatria e neonatologia que se
encontravam duplicados pelos três hospitais. Lembramos que o CMIN faz parte de
uma vasta estratégia de reforma hospitalar da Região Norte, levada a cabo nos
últimos anos, que permite a prestação de melhores cuidados de saúde, com melhor
acesso e com redução da despesa operacional. Comunicamos, ainda, que o Hospital
Maria Pia já encerrou as suas instalações, o que, em conjunto com a resolução da
duplicação e triplicação de serviços e recursos atrás descrita, através da
unificação e redimensionamento daqueles serviços já operada pelo CHP, permitiu
à Região Norte poupar imensas verbas ao erário público e contribuir para a
sustentabilidade do SNS.
3. Identificar, caracterizar e quantificar os cuidados de
saúde que fazia falta prestar, o modo de os prestar de acordo com o “estado da
arte”, à altura, a estrutura, os circuitos, os espaços, os equipamentos e os
recursos humanos mínimos mas necessários para garantir a prestação de cuidados
e os ganhos em saúde que faziam falta à população da região Norte. Enfim, a
preocupação em recolher a informação indispensável para a elaboração do
respetivo “Programa Funcional”, ao cálculo do “Impacto financeiro” e da
sustentabilidade do investimento e à elaboração do “Caderno de encargos” para a
abertura dos concursos para a execução do projeto e para a construção. Até
aqui, e passe a imodéstia, se demonstra como a ARSN desenvolveu todos os passos
dos processos com manifesto rigor de gestão (tirando partido de serviços que
adquiriu ao Instituto Superior Técnico), em como a ARSN conseguiu realizar
todos os concursos sem uma única impugnação e com total respeito dos prazos e
dos custos de adjudicação em coerência com os previstos.
4. Conhecer a expectativa da população, através da audição
das opiniões de personalidades que estavam ou haviam estado envolvidos na
discussão de um dado equipamento, ou que haviam manifestado a sua opinião nos
media, ou, até, colocando em discussão pública a proposta final, antes da sua
remessa à tutela para aprovação, prática que não era nada habitual nos
processos do Ministério da Saúde.
No que concerne especificamente ao CMIN, de salientar que
foram estudadas de forma cuidada, as necessidades em saúde em
Ginecologia/Obstetrícia e Pediatria atuais e para o futuro (integrando a
perspetiva da evolução demográfica, com a redução da natalidade e a inversão da
imigração), bem como a oferta hospitalar existente e a que estava já prevista
ser construída, tendo sido dada uma atenção especial à discussão alargada e à
transparência dos processos. Vale a pena sublinhar a audição de cerca de 100
especialistas na matéria, ao longo de dezenas de reuniões, o envio para parecer
a mais de vinte entidades, a abertura à discussão pública através da sua
colocação na Internet (pela primeira vez em Portugal, num processo deste tipo)
e a incorporação dos contributos recebidos. Pensámos que se tratou de um
processo de planeamento sério, exigente e rigoroso, mas acima de tudo, avaliado
externamente de forma muito pormenorizada.
De notar que o processo do CMIN e em função de todo o
histórico de mais de 30 anos de discussão, deverá ter sido o processo da
construção de uma unidade hospitalar mais auditado em Portugal, nomeadamente
pelas sucessivas avaliações do Tribunal de Contas, Ordem dos Médicos, Ordem dos
Enfermeiros, Colégios de Especialidade da OM, Sociedades Cientificas,
Administração Central dos Serviços de Saúde, Direcção-Geral da Saúde, Comissão
Nacional da Saúde Materna e Neonatal, Comissão Nacional da Criança e do
Adolescente, Comissão Regional da Saúde Materna, Neonatal, da Criança e do
Adolescente, Administração Regional de Saúde do Norte, Comissão de Coordenação
e Desenvolvimento da Região Norte, Junta Metropolitana do Porto, Câmara
Municipal do Porto, Conselhos de Administração e Serviços Clínicos dos
Hospitais de S. João, Santo António, Maternidade Júlio Dinis, Hospital Maria
Pia, Vila Nova de Gaia e Matosinhos, Escolas Médicas da Universidade do Porto e
do Minho (Faculdade de Medicina do Porto, Escola de Ciências Biomédicas Abel
Salazar e Escola de Ciências de Saúde da Universidade do Minho), Grupos
Parlamentares, e até, pela Comissão Parlamentar da Saúde da Assembleia da
República, tendo existido reuniões com todas estas entidades, submissão de
documentos e obtenção de pareceres, sugestões e aprovações. Sem esquecer a
divulgação pública de todos os documentos, o que trouxe pela primeira vez
nestes processos o contributo muito válido da sociedade civil, permitindo
melhorar o projeto, bem como pelo escrutínio de uma atenta comunicação social
que acompanhou todo o processo.
Estranha-se que, aparentemente, toda esta avaliação positiva
das entidades e especialistas seja colocada em causa, baseada numa análise que
não é pública, mas que acontece num período em que se vislumbra uma grave crise
no sector da saúde privada no Porto, estando muitos blocos de parto e áreas de
atendimento infantil encerradas, apesar de terem sido construídas recentemente,
apostando numa degradação real do SNS para poderem ter resultados positivos do
seu investimento.
Desculpe-nos uma sugestão, acompanhado de uma boa dose de
provocação, porque é que Vossa Excelência não cancela a construção do mega
projeto do “Joãozinho” que, à revelia de qualquer exercício de planeamento do
Ministério da Saúde, mesmo depois de ser pública a decisão ministerial
(anterior à entrada em funções dos subscritores deste oficio) de que o CMIN não
iria ser construído no Hospital S. João, se tem mantido na agenda dos media
para a obtenção de financiadores, aliás, projeto cuja construção ainda não
começou?
No que diz respeito ao Centro de Reabilitação do Norte
(CRN), de notar que o mesmo integra a Rede de Referenciação Hospitalar (RRH) de
Medicina Física e Reabilitação, elaborada pela Direcção-Geral da Saúde e
aprovada pela Secretária de Estado Adjunta e da Saúde em 2002 (e nunca revogada
ou alterada, pelo que presumimos se mantenha em vigor), que estabelecia a
necessidade de existirem 4 centros de reabilitação do país (Norte, Centro,
Lisboa e Algarve), sendo que 3 avançaram e apenas o do norte (que deveria servir
37% da população do país) teve ‘dificuldades’ em ser criado, só sendo possível
em 2006, através do Despacho do Sr. Ministro da Saúde.
Nesse documento, estão expressas de forma clara as razões da
sua justificação, sugerindo-se ao Senhor Ministro uma leitura atenta: “A
criação de um centro de reabilitação na região Norte visa colmatar uma
importante lacuna na rede nacional de cuidados de reabilitação, prevista na
rede de referenciação hospitalar de medicina física e de reabilitação, por
todos considerado indispensável, mas nunca implementado. As estruturas
existentes de medicina física e de reabilitação na região Norte do País são
manifestamente insuficientes para responder às necessidades, nomeadamente no
que concerne aos meios e instalações, e particularmente no que respeita à
escassez do número de camas de internamento/ reabilitação.“
Acrescentamos nós, agora, e para um cabal esclarecimento,
que os tratamentos prestados num “Centro Regional de Reabilitação” não são, nem
devem ser, iguais aos que são assegurados pelos Serviços de Medicina e
Reabilitação dos hospitais, muito menos aos que são prestados nas clínicas
convencionadas com privados ou com o sector social. Na área da Medicina Física
e Reabilitação o SNS entrega aos convencionados grande parte da prestação
destes cuidados aos doentes. O Ministério da Saúde, que tanto apregoa, e bem, o
aproveitamento da capacidade instalada no SNS, não terá problemas com a
supletividade do CRN e a rentabilização dos serviços existentes no Norte, se
proceder à avaliação das convenções nesta área e cessar as mesmas com as
clínicas cuja prestação não satisfaça critérios de qualidade.
Relativamente à conceção do projeto do CRN, várias dezenas
de profissionais, entre médicos de várias especialidades, nomeadamente: fisiatria,
ortopedia e traumatologia, neurologia, neurocirurgia, reumatologia, medicina
interna, radiologia e pediatria, enfermeiros de reabilitação, os técnicos de
fisioterapia, de terapia ocupacional e da terapia da fala, docentes da
Faculdade de Medicina do Porto e da Escola Superior de Tecnologia da Saúde do
Porto, economistas e gestores, participaram na elaboração da estratégia que
garantisse a resposta em cuidados de Medicina Física e Reabilitação às
necessidades em saúde da população da região Norte, bem como participaram na
definição do respetivo “Plano Funcional” do CRN, projeto que foi amplamente
divulgado e aberto de forma transparente à discussão pública
De notar, que apesar da RRH de 2002 estabelecer que o CRN
deveria ter 190 camas, o grupo de trabalho entendeu, já na altura, face às
necessidades dos utentes e às condições económicas do país, que o mesmo deveria
ter apenas 100 camas, tendo os estudos de viabilidade económico-financeira
efetuados por entidades externas idóneas, claramente demonstrado o seu
equilíbrio económico-financeiro em termos gestionários.
No entanto, se nos permite uma sugestão, e se realmente
pensa o que afirmou, que as camas do CRN são aditivas, sendo semelhantes a
qualquer cama de internamento hospitalar, pensámos que o Senhor Ministro deve
ser coerente e de imediato mandar revogar o protocolo com o Centro de
Reabilitação de Alcoitão, pois existe um número exagerado de camas hospitalares
na região de Lisboa e Vale do Tejo, que podem facilmente acomodar estes
doentes. Ou será que um doente tetraplégico ou com uma doença neuro
degenerativa de Lisboa deve ter um centro de reabilitação para efetuar uma
recuperação adequada e no Norte o mesmo tipo de doente tem de ir para sua casa,
negando-se-lhe esse tipo de cuidados?
Esperemos, sinceramente, que esta tomada pública de decisão
do Senhor Ministro nada tenha a ver com os falados propósitos de ser cedida a
gestão do CRN a uma Misericórdia, eventualmente por ajuste direto, desvirtuando
todo o racional e o trabalho efetuado e nessa altura transformando realmente o
CRN em ‘normais camas hospitalares’, que serão cedidas sem nenhum custo de
investimento a uma entidade do sector social, mantendo-se a lacuna neste tipo
de cuidados na região norte.
De sublinhar que as obras estão a ser financiadas por fundos
europeus, tendo sido alvo de uma especial fiscalização por se tratar de
elevados investimentos, nomeadamente em termos de avaliação das necessidades em
saúde, da sua inserção na rede hospitalar da região norte, bem como dos planos
de negócios que visavam a sua autossustentabilidade, tendo em ambos os casos
merecida a aprovação das instâncias europeias.
Obviamente, que os processos, relativos a estes dois
equipamentos, detêm imensos detalhes, pormenores técnicos e de metodologia, que
ficaram devidamente arquivados na ARSN quando cessamos funções e que Vossa
Excelência deveria conhecer. Contudo, dado o seu volume e a previsível e
limitada disponibilidade de Vossa Excelência para ler todas aquelas páginas,
mais uma vez manifestamos a nossa disponibilidade para lhe darmos a conhecer os
procedimentos e razões de ser das referidas instituições, que sabemos serem
objeto de inúmeros interesses, que devem ter chegado ao conhecimento de Vossa
Excelência com manifesta deturpação e manipulação dos factos.
Por último, de notar que, após a fundamentação exigente e
bem fundamentada que foi construída pelos técnicos, a decisão foi,
naturalmente, politica, tendo sido tomada, em ambos os casos, pelo ex-Ministro
da Saúde, Prof. Dr. Correia de Campos. A forma como as afirmações foram
produzidas, parece demonstrar que a avaliação que o Senhor Ministro da Saúde
faz do seu antecessor, será de alguém impreparado, que não avaliava os
processos e que tomou decisões insensatas, o que não corresponde minimamente à
realidade.
Em conclusão, esperava-se do Senhor Ministro da Saúde, um
conhecimento profundo dos dossiers, uma insensibilidade aos interesses de
grupos privados ou do sector social, e uma ausência de populismo, numa área tão
critica e tão afetada pela austeridade em Portugal.
Infelizmente o imediatismo, a falta de avaliação dos
processos e a ausência de decisões na reforma hospitalar, por parte do atual
ministério da saúde, parecem ceder aos interesses privados e do sector social
nesta área, com nítido prejuízo dos doentes.
Com os nossos melhores cumprimentos,
Alcindo Maciel Barbosa
António Pimenta Marinho
Fernando Araujo
Filomena Cardoso
Isabel Oliveira e Silva
Luís Porto Gomes
Manuela Rodrigues Correia
Suzete Gonçalves
(Carta pública assinada por todos os ex-elementos dos CA/CD
da ARSN de 2005 a 2011) 2013-02-25
Etiquetas: HH, Paulo Macedo
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