quarta-feira, maio 22, 2013

Manuel Teixeira, entrevista ao JN

Os hospitais do SNS terão de reduzir custos em pelo menos 268 milhões de euros em dois anos. As poupanças potenciais são da ordem dos 500 milhões.
O relatório de ‘benchmarking’ aponta para a existência de poupanças potenciais da ordem dos 500 milhões de euros no conjunto dos hospitais do SNS. O secretário de Estado da Saúde afirma, em entrevista, que nem todas essas poupanças são capturáveis. Mas o objectivo é equilibrar os resultados operacionais em dois anos. 

Jornal de Negócios: O que é que o Governo vai fazer com o relatório sobre os indicadores de referência dos hospitais do SNS? 
Manuel Teixeira: Esse trabalho insere-se numa estratégia de reforço dos modelos de governação dos hospitais EPE [Entidades Públicas Empresariais], aquilo que designamos como reforma hospitalar. É um instrumento de gestão para cada hospital e para o universo hospitalar. Serve ainda para aumentar a transparência para os cidadãos. À medida que este instrumento for evoluindo, em particular com mais indicadores de qualidade, os cidadãos podem saber qual o tipo de instituição que frequentam.

Qual é a vantagem se não há liberdade de escolha?  Mas uma das estratégias do Governo é fazer a síntese entre a liberdade de escolha e a referenciação. Aliás, na consulta a tempo e horas, uma das alterações que o Governo fez recentemente foi obrigar os centros de saúde a informar o tempo de espera, para consulta, em cada um dos hospitais, para que o cidadão possa fazer uma escolha informada. Paulatinamente e de maneira que seja compatível com a organização do nosso SNS, esse princípio de liberdade de escolha pode ser utilizável no sistema.

O relatório é um retrato dos hospitais do SNS. É uma fotografia positiva?  Como acontece com um retrato, dá-nos boas notícias. As nossas instituições aparecem bem em vários indicadores, menos bem noutros. As boas notícias são, por exemplo, na qualidade. A taxa de reinternamento em 30 dias, que quando é muito elevada revela que as pessoas tiveram altas precoces, está nos 10%, em média. O que compara muito bem em termos internacionais. Nos EUA essa taxa é de 20%. Também comparamos bem nas taxas de cirurgia em ambulatória, que é bastante elevada em Portugal. 

E quais são os que comparamos mal? Comparamos menos bem na demora média. Há aqui progressos que podem ser feitos. Em relação ao acesso é possível fazer progressos nas consultas, assim como na cirurgia. Mas mesmo nestes casos há uma boa notícia: podemos melhorar, quer no acesso quer na qualidade, e mesmo assim aumentar a eficiência dos hospitais, fazer isto com menos custos. Este relatório prova isso de forma cristalina. 

Comparamos bem a nível internacional nos indicadores económico-financeiros? Os nossos custos por doente-padrão são bons indicadores, ainda que esta metodologia não permita comparações simples. E quando nós comparamos as nossas instituições entre si, por grupos homogéneos, verificamos que há espaço para os hospitais diminuírem custos. Claro que não é possível capturar, na totalidade, essa poupança potencial.

A poupança potencial identificada é de 508 milhões de euros. Quanto é que é possível capturar?  Não é possível atingir essa poupança na totalidade, desde logo porque acontece em todas as áreas. É impossível colocar a fraude fiscal em zero. Por outro lado, por questões conceptuais: parte dessas poupanças potenciais derivam da metodologia. Isto acontece nos hospitais que estão na fronteira dos grupos homogéneos, que têm obviamente custos unitários mais altos que os do seu grupo porque estão mais próximo dos mais complexos. Mas pelo facto de se pertencer ao grupo mais complexo, o "E", isso não significa que aumente a dificuldade de poupança. Quando comparamos o hospital de São João com os do seu grupo, a informação que retiramos é que existe ali um potencial de poupança capturável. É impossível não haver. É uma indicação boa para a gestão interna dos hospitais e macro.

Destes 500 milhões de euros, quanto é capturável?  Confesso que não consigo dizer, tendo em conta o conjunto de razões que tentei transmitir. O plano estratégico tem de garantir que o conjunto dos hospitais EPE equilibra as contas no final de 2015. Neste momento, de acordo com dados provisórios, porque os hospitais ainda não fecharam contas na totalidade, aparece aí um resultado operacional negativo de 268 milhões de euros. Pelo menos é necessário capturar poupanças de custos que permitam reequilibrar [as contas]. 

O hospital que apresenta uma poupança potencial mais significativa é o Centro Hospitalar de Lisboa Norte. Vai merecer uma atenção especial?  Todos merecem uma atenção especial, em particular aqueles onde parece haver indícios muito claros de que existem poupanças potenciais a serem capturadas. O Centro Hospitalar de Lisboa Norte é um dos casos. No âmbito do planeamento estratégico, estamos a fazer esse exercício, bem como no âmbito do contrato de gestão, que faz o vínculo entre a gestão e o Estado. E estamos a ver, de forma muito pormenorizada, o que é possível fazer. 

Esta é a fase de identificar quais são as poupanças capturáveis?  Exacto. Quando estamos a fazer planeamento estratégico e definição do contrato de gestão, aquilo que procuramos é tentar encontrar valores realistas que a gestão possa atingir.

Já fecharam alguns desses contratos de gestão?  Fechámos poucos. O planeamento estratégico tem datas. E este estará apenas fechado e validado pelas ARS e pela ACSS em Junho.

Qual é a consequência do incumprimento deste contrato?  Pode levar a que a tutela considere que a gestão não é capaz de cumprir aqueles objectivos, pelo que tem de ser destituída.

Pode identificar três medidas para reforçar ou melhorar em termos gerais a eficiência, a qualidade, o acesso nos hospitais?  Por exemplo, em relação à qualidade. Uma questão muitíssimo importante é a da infecção hospitalar. Um hospital que tenha elevado índice de infecção hospitalar acaba por ter internamentos com demoras muito elevadas, o que também aumenta os custos. Cada hospital tem nesta altura uma comissão nomeada relativa à infecção hospitalar. Outra medida importante é a dos registos clínicos, a plataforma de dados em saúde, que permite aumentar a eficiência. Depois, obviamente, a própria reestruturação da oferta hospitalar, que está a ser estudada e implementada.

A reestruturação está relacionada com o encerramento de algumas entidades?  Não a vemos tanto assim. Não quer dizer que não possa acontecer. Veja no caso de Coimbra onde agora só há uma urgência aberta. Há também evoluções em relação à própria urgência metropolitana. É reorganização no sentido de oferecer melhores cuidados à população, mas sendo eficiente, utilizando menos recursos. Não temos nenhuma paixão por encerrar hospitais. Encerra-se apenas se for inútil e se prejudicar de facto a população, se não introduzir nenhum valor em relação à rede de cuidados.
Manuel Teixeira, Jornal de Negócios 16.05.13

Etiquetas: