Thomas Herndon
Responsável pela crítica ao trabalho de Rogoff e Reinhart sobre
o impacto da dívida no crescimento económico, Thomas Herndon é o novo herói dos
keynesianos. Leia a entrevista com Thomas Herndon.
O Negócios apanhou Thomas
Herndon na viagem de regresso a Massachusetts, depois de um salto a Nova Iorque
para gravar um episódio do Colbert Report, programa satírico, da mesma equipa
que faz o Daily Show, de Jon Stewart. Nada mau para um estudante de economia de
28 anos e de quem, até há 15 dias, nunca ninguém tinha ouvido falar. A sua
crítica ao estudo de Rogoff e Reinhart lançou-o para o estrelato académico.
Hoje, uma pesquisa pelo seu nome dá origem a mais de oito milhões de
resultados. O dobro do Nobel da Economia Joseph Stiglitz, por exemplo.
Em poucos dias a sua
vida mudou drasticamente.
Sim, foi exactamente isso. A resposta dos media tem sido fantástica. Um
furacão. Mas estou contente por as pessoas estarem a dar atenção a isto, porque
é um assunto muito importante, que afecta imensas pessoas em todo o mundo...
Quando escreveu o seu
artigo, esperava esta reacção?
Nunca. Não havia maneira de antecipar isto. Era um "paper" de
replicação de econometria, não pensei que o mundo inteiro ficasse tão fascinado
com ele. Sabia que era um tópico importante, principalmente entre os
economistas, que era uma descoberta importante e que haveria alguma resposta
dos media. Mas nada próximo disto.
Pode explicar o
processo?
Todos os semestres temos de fazer replicações para a cadeira de econometria.
Passei um semestre e meio a tentar replicar os resultados [do "paper"
de Rogoff e Reinhart] utilizando as fontes de informação publicamente
disponíveis. Não consegui. Inicialmente, quando não estava a conseguir chegar à
média deles, achei que tinha provavelmente cometido um erro. No entanto, à
medida que o tempo passou e eu revi, vi e revi novamente o meu trabalho,
cheguei à conclusão que não tinha sido eu a cometer o erro e que deveria haver
algo de muito errado com o estudo deles. Contudo, só quando recebi a folha de
Excel é que consegui identificar rapidamente os erros.
Qual foi a reacção de
Rogoff e Reinhart (R-R) quando lhes pediu a folha de Excel?
Os primeiros emails que enviei não obtiveram resposta. Só quando a data de
publicação do "paper" se começou a aproximar e eu lhes disse que
gostava de ver a folha de Excel para ter a certeza que não tinha cometido
nenhum erro é que eles me disseram ‘aqui está a folha de Excel, não tivemos
tempo de olhar para as tuas perguntas, mas está aí tudo de forma muito clara,
estás à vontade para publicar os resultados que tens’.
Qual foi a primeira
coisa que lhe passou pela cabeça quando viu o erro de Excel?
Não queria acreditar nos meus olhos. Achava que tinha de haver outra
explicação. ‘Devo estar a ler isto mal.’ Não havia maneira de eles terem
cometido um erro de cálculo tão básico. A primeira coisa que fiz foi pedir à
minha namorada para ver se eu estava a ler mal. Ela é investigadora de
sociologia, trabalha com muitos dados, é perspicaz e muito atenta a pormenores.
Ela disse-me ‘não Tom, não acho que estejas a ler mal, tens de mandar isto aos
teus professores imediatamente’.
Nessa altura
apercebeu-se que estava a destruir um dos pilares teóricos da estratégia de
austeridade?
Quer dizer... Eu já estava bastante céptico em relação aos argumentos de R-R e
havia outras críticas dentro do meio ao estudo deles. Mas nós conseguimos ter
provas conclusivas. Sabia que estávamos a documentar todos os erros do
"paper" e que não havia maneira de eles manterem as suas conclusões.
Tínhamos refutado completamente o argumento deles e sabíamos que, se as pessoas
ouvissem, teria impacto nas políticas.
As atenções centraram-se
no erro de Excel, mas os outros erros metodológicos não foram mais importantes?
Quantitativamente sim, eles tiveram mais impacto. O engraçado é que nenhum dos
erros, por eles próprios, teriam sido suficientes para criar aquela média
negativa, mas todos juntos já foi possível. A exclusão de dados e o sistema de
pesos, que tornou a média muito sensível a outliers [valores atípicos], tiveram
um impacto maior que o erro de Excel.
Apesar das fragilidades
do paper de R-R, admite que existe uma relação entre uma dívida elevada e um
crescimento mais lento? Acha que a relação funciona ao contrário?
Essa é precisamente a minha posição. Daí ter escolhido o paper de R-R: achava
que eles tinham identificado a causalidade ao contrário. Existe uma relação
entre dívida e crescimento, mas é um crescimento baixo que provoca uma dívida
mais elevada.
Leu a resposta de R-R?
Fiquei muito insatisfeito com a resposta. Existem imensas razões plausíveis
para omitir dados num estudo ou encontrar métodos alternativos para construir a
média. O problema é que eles não justificaram ou descreveram o que fizeram.
Qualquer investigador externo que tentasse replicar o estudo não conseguia
chegar às mesmas conclusões. Não defendemos que houve intenções malévolas, mas
as decisões metodológicas devem ser justificadas por escrito. É assim que a
ciência funciona.
Mas se for utilizada a
mediana os resultados deles não são consistentes com os vossos?
Não achamos que essa interpretação seja correcta. Paul Krugman teve a melhor
resposta a isso: são maçãs e laranjas, certo? Não podes varrer os teus maus
resultados para debaixo de um tapete, apontando para os resultados onde não
cometeste um erro grosseiro. Além disso, eles não dizem nada sobre a segunda
parte do nosso "paper", onde nós rejeitamos claramente o limite dos
90%. Mostramos que as diferenças de crescimento não são estatisticamente
significativas e que a correlação negativa que eles observam vai enfraquecendo
à medida que nos aproximamos do presente. Aliás, no período mais recente, entre
2009 e 2010, a média de crescimento para países com mais de 90% de dívida foi
mais elevada do que para os que tinham dívidas entre 60% e 90%.
Agora que a poeira já
assentou um pouco, acha que os erros de R-R foram intencionais?
Nós optámos por não falar sobre isso. Na resposta de R-R, eles dizem que nós os
acusamos de serem desonestos, mas não foi isso que fizemos. Simplesmente
documentámos todos os erros que observámos. É muito difícil falar sobre as
intenções de alguém, mas eu gostava realmente de saber. Como se pode explicar
tudo isto? Adorava saber. É algo acerca do qual me tenho questionado. Deixou-me perplexo.
Qual foi o verdadeiro impacto do estudo de Rogoff e Reinhart (R-R)?
É difícil dizer. Como economista, claro que gostamos de pensar que o nosso
"paper" afecta políticas e muda a opinião das pessoas. A verdade é
que aquele número – 90% – era o mais citado por responsáveis políticos em todo
o mundo e pelos media. Nesse aspecto teve um papel importante para justificar
políticas.
Ter uma dívida pública
de 90% do PIB não é excessivo para um país?
Ninguém quer ter uma dívida elevada e ninguém defende isso. Mas tem de se olhar
para as circunstâncias concretas de um país. O endividamento público tem um
papel importante a desempenhar nas políticas. Quando se olha para as
circunstâncias actuais que envolvem os EUA e outras economias avançadas –
recessão, taxas de juro baixas e desemprego elevado – estão reunidas
precisamente as condições em que se esperaria que o endividamento público
pudesse ter efeitos muito positivos. São essas as políticas de que precisamos.
Na Europa, e em
específico em Portugal, estão a decorrer duros programas de austeridade. Que
opinião tem sobre essa estratégia?
As políticas de austeridade têm neste momento um grande impacto negativo, quase
sem obterem resultados positivos. É muito contraprodutivo e causa dor e
sofrimento desnecessário a muitas pessoas em todo o mundo.
Não existe mérito na
tentativa de equilibrar das contas públicas?
Nas actuais circunstâncias, acho que a austeridade é contra produtiva e, como
faz a economia contrair, torna o problema da dívida ainda pior. É exactamente a
coisa errada a fazer.
O vosso estudo vai mudar
alguma coisa?
É difícil para mim prever o futuro. Nunca pensei que o "paper" se
tornasse tão popular. Ainda assim, parece haver já indicações de algum impacto.
Por exemplo, o economista conservador John Taylor escreveu que não gostou das
[nossas] conclusões, mas apontava que no G20 eles omitiram metas de dívida,
citando o nosso estudo. Fico contente por ter contribuído para isso e espero
continuar a desempenhar algum tipo de papel.
Tornou-se uma espécie de
herói para os keynesianos.
Recebi muitas palavras simpáticas de outros membros da profissão e isso faz-me
sentir bem. Essa parte do herói já não sei... tento apenas trabalhar e ajudar a
minha comunidade. Custa-me ver as pessoas a sofrerem com políticas de
austeridade. Se eu puder mudar isso, é o que quero fazer.
Imagino que agora esteja
muito ocupado com entrevistas, mas o que espera fazer depois?
O meu próximo objectivo é terminar todos os trabalhos deste semestre. Ainda
estou em aulas, tenho um exame de microeconomia muito difícil para fazer e um
problema terrível de séries históricas para resolver. Durante o Verão acho que
vou regressar ao paper de R-R. O objectivo inicial era replicar os resultados e
depois aplicar técnicas estatísticas mais avançadas para explorar a questão da
causalidade. Nunca o chegámos a fazer.
Vê-se a trabalhar em
política?
Se puder trabalhar em políticas no futuro, acho que gostaria disso. Mas se
significar ser conselheiro de um político, não sei se quero isso... Em geral,
ensinar, investigar e políticas públicas é o que gosto mais.
Jornal de Negócios 02.05.13
Etiquetas: Entrevistas
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