domingo, maio 23, 2010

Vasco Maria

Na próxima semana, e depois do anúncio polémico da sua saída, Vasco Maria deixa o lugar que ocupou à frente da Autoridade Nacional do Medicamento durante cinco anos. O senhor que se segue é Jorge Torgal e ganha de herança um instituto com falta de pessoal e cada vez mais dependente do Ministério da Saúde. O maior desafio que deixa ao seu sucessor é o de manter a posição conquistada pelo Infarmed na Europa. “Se perdermos isso, dificilmente reconquistamos”.

Foi chamado a dar opinião sobre o novo pacote do medicamento?
Sim. Mas as medidas políticas são da responsabilidade do Governo. O Infarmed dá o apoio técnico, calculando impactos, chamando a atenção para dificuldades e ajudando na sua implementação.

As novas regras trarão poupança para o Estado e para os doentes?
Acredito que sim. As medidas de política na área do medicamento nem sempre têm sido as mais adequadas e nem sempre têm tido a preocupação de uma visão integrada dos problemas. São mais conjunturais e pontuais, tomadas Por pressão imediata, o que é uma das causas da dificuldade em controlar o crescimento da despesa com medicamentos. Mas tenho que reconhecer que, se estas medidas não tivessem sido tomadas, estaríamos muito pior.

Como se trava o crescimento da despesa com medicamentos?
A despesa vai continuar a aumentar, porque a população tende a envelhecer e o avanço tecnológico da medicina tende a aumentar o tempo de vida das pessoas. Vamos ter de disponibilizar mais medicamentos durante mais tempo a mais pessoas, e isso implica aumento da despesa. Tem é de ser controlada. A questão está entre ter um crescimento previsível e controlado ou ter um crescimento totalmente imprevisível e descontrolado. Há muita coisa que se pode fazer, como reduzir o desperdício ou fazer utilização mais racional dos medicamentos.

Como se combate o desperdício?
Combatendo a utilização desnecessária de medicamentos, o uso de medicamentos que têm uma relação custo-benefício não aceitável ou uma utilização excessiva.

Sempre duvidou das poupanças da unidose. A unidose só avança se for imposta?
Há uma portaria publicada e uma decisão política de avançar com a unidose. A obrigação do Infarmed é chamar a atenção para as dificuldades técnicas e para a dúvida que existe quanto ao seu resultado, bem como criar condições para que possa ser implementada. Volto a dizer, quem decide as medidas políticas não é o Infarmed.

Mas nenhuma farmácia aderiu…
Não fico espantado. É inviável que cada farmácia adquira os equipamentos
necessários para fazer o fraccionamento das embalagens e reembalamento. Só haverá farmácias interessadas se lhes garantirem que os custos são suportados por alguém. Ou pelo utente ou pelo Estado. Se o objectivo é reduzir o desperdício, será que compensa o investimento necessário para o fazer? Estou convencido que não vamos conseguir reduzir o desperdício ao ponto de justificar o investimento.

O orçamento do Infarmed é insuficiente para fazer face às suas competências?
O problema não é a inexistência de recursos. Nos últimos cinco anos, a despesa do Infarmed cresceu, em média, 5% ao ano, enquanto a receita cresceu 24%. Não é a falta de meios financeiros mas a impossibilidade de os utilizar. Esse é o grande problema. Basta dizer que os recursos humanos do Infarmed reduziram-se significativamente desde 2006 e que cerca de 120 pessoas têm um vínculo precário. Isto é importantíssimo porque se trata de um regulador que lida com parceiros poderosíssimos como a indústria farmacêutica e distribuidores.

Porque é que não podem utilizar os recursos gerados?
Parte do problema reside no facto do Infarmed ser simultaneamente uma autoridade reguladora e um instituto público que tem de se conformar com uma legislação que espartilha a sua actividade. A autonomia administrativa e financeira do Infarmed está no papel mas, na prática, dependemos em tudo dos ministérios das Finanças e da Saúde.

O Infarmed tem perdido autonomia face ao Ministério da Saúde?
Sim, o Infarmed perdeu de facto autonomia. Perdeu completamente mecanismos de gestão que eram importantes. Por exemplo, a capacidade de poder recompensar quem mais e melhor trabalha. A indústria farmacêutica vem buscar os melhores quadros do Infarmed. Não podemos retê-los e não temos capacidade de os substituir. Passámos por momentos de uma verdadeira sangria, sem podermos abrir concurso ou ir ao mercado contratar .

Isso piora coma regra “2 por 1”?
Sem dúvida. Ao fim destes anos foi possível abrir concursos para as 120 pessoas em situação precária. Mas isso não resolverá todos os problemas, pois não nos permite dotar demais recursos.

Sai do Infarmed de costas voltadas com o Ministério da Saúde?
Não saio de costas voltadas. Foi uma opção pessoal, reflectida, onde ponderei os interesses do país, do Infarmed e dos cidadãos.

Como vê congelamentos na contratação de médicos?
Tenho a noção que a situação do país é grave mas não podemos tratar tudo da mesma forma. O princípio de um por cada dois aplicado cegamente à saúde trará consequências muito graves.

Catarina Duarte, DE 22.05.10

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