ACF, entrevista ao SOL
foto portal da saúde
Este acontecimento precipitou a sua decisão de sair?
Não.
Como termina 2009, em termos de resultados financeiros?
«Não se deve desistir das reformas na Saúde»
Descrito como o gestor-modelo do Serviço Nacional de Saúde (SNS), conseguiu pôr na ordem o maior e mais problemático hospital do país – com 1300 camas, seis mil funcionários e um orçamento de 400 milhões de euros
A fama catapultou-o para a ribalta política, onde foi várias vezes dado como certo no lugar de ministro da Saúde. Adalberto Campos Fernandes, 51 anos, presidente do Centro Hospital Lisboa Norte (que integra o Santa Maria), acaba de se demitir ao fim de cinco anos no cargo. Na entrevista de despedida, assume, porém, a sua disponibilidade para voltar. Seja qual for o cargo «para que possa ser útil».
Cinco anos é muito tempo?
É, mas passou de uma forma tão intensa e tão vivida que me parece que começou ainda ontem.
Então, se começou ainda ontem por que é que se vai embora?
Não sou um profissional do sistema público, estou requisitado a um grupo privado, e quando fui convidado pelo prof. Correia de Campos, no meu espírito estava cumprir um mandato completo de três anos. Até porque tinha uma expectativa, relativamente ao governo da instituição, que comportava alguma incerteza. Vim, portanto, com uma espécie de atracção pelo risco. Era uma aposta de vida. Por isso, a expectativa era só fazer um mandato. Mas as coisas foram correndo bem, o envolvimento foi crescendo, a relação com a faculdade de medicina foi sendo construída num clima extraordinário. Devo, aliás dizer que, no balanço de tudo isto, um dos activos que mais me deixa feliz é a coesão institucional e a boa relação com a Faculdade de Medicina de Lisboa que conseguimos.
Mas não cumpriu só um mandato…
Isto é quase aditivo: vamos ficando muito dependentes do stress positivo, da tensão permanente, da vontade de fazer mais.
Pelos vistos, é bom estar neste lugar. Não percebo, então, a sua decisão.
Os ciclos de gestão têm tempos adequados e a renovação é útil, acrescenta valor. Ora, eu não concordo que as pessoas não cumpram os seus mandatos: não me revejo nos gestores-cometa, naqueles que acham que passam pelos sítios para acrescentar linhas ao curriculum e não se envolvem nem se atrevem a correr riscos pelas instituições. Mas também não sou nada favorável à eternização das pessoas nos lugares. Acho que deve haver rotatividade, deve haver mudança. E, neste caso, até é uma mudança tranquila, porque na minha equipa, eu sou o único a sair. Todos os outros elementos continuam. O director clínico, dr. Correia da Cunha, passará a assumir as funções de presidente do hospital, e toda a estrutura directiva intermédia mantém-se. Há, pois, aqui um quadro de segurança e de estabilidade que é garantido.
Ainda não explicou por que se vai embora, afinal. E porquê neste momento.
Fiz uma reflexão pessoal e comuniquei-a à sra Ministra da Saúde há algum tempo. Houve, da parte dela, uma grande vontade que eu continuasse. Mas entendi que cinco anos era o momento certo – em que a relação entre aquilo que eu fiz pelo hospital, aquilo que eu dei ao serviço público está largamente compensado com aquilo que o serviço publico me deu a mim. Aliás, eu tinha muitos preconceitos relativamente à Administração Pública. E esta experiência permitiu-me ultrapassar tudo isso. Temos, no sector público, pessoas absolutamente extraordinárias do ponto de vista da dedicação, do empenho, da seriedade e da decência.
Esta sua saída vai ter leituras políticas. Dir-se-à que sabe que os bons resultados do hospital não vão continuar, que se cansou de esperar para ser ministro ou que não concorda com a actual gestão do Ministério.
Imagino que sim. Mas não me envolvo nesse tipo de leituras. A equipa de gestão que liderei aqui, aliás, nunca teve uma visão politico-partidária deste trabalho. A organização institucional e os bons resultados que obtivemos estiveram sempre ligados a uma coisa simples: fixamos metas, contratualizamos objectivos e não quisemos saber o que é que, do ponto de vista ideológico ou politico, cada um pensa desses objectivos. Ou seja, nestes cinco anos não senti nunca na instituição nenhum tipo de arrumação ideológica. Trabalhamos entusiasticamente com pessoas que sabemos que estão em áreas politico-partidárias muito diversas, como o prof. João Lobo Antunes e a prof. Isabel do Carmo. A política numa empresa é a politica dos resultados, é a politica que envolve a realização dos objectivos. Quanto a outro tipo de leituras políticas, não as faço nem farei. Admito que outros o façam mas não vejo nenhuma razão substantiva para que se possa perder muito tempo com essa matéria.
Não há, então, razões para se entender esta sua saída como um afastamento da politica que está a ser seguida pelo actual Ministério?
Não… Sabe, este é um sector muito difícil. Como vimos todos, o anterior ministro, o professor Correia de Campos, que é uma das pessoas que melhor o conhece, procurou imprimir um movimento de reformas e teve muitas dificuldades. E a actual ministra deu continuidade a esse caminho. Mas as transformações são demoradas e os equilíbrios difíceis de conseguir. O importante é garantir que a procura do dialogo e a concertação não tenham como preço a desistência das reformas.
Mas foi isso que aconteceu nos últimos dois anos. Ou não?
Descrito como o gestor-modelo do Serviço Nacional de Saúde (SNS), conseguiu pôr na ordem o maior e mais problemático hospital do país – com 1300 camas, seis mil funcionários e um orçamento de 400 milhões de euros
A fama catapultou-o para a ribalta política, onde foi várias vezes dado como certo no lugar de ministro da Saúde. Adalberto Campos Fernandes, 51 anos, presidente do Centro Hospital Lisboa Norte (que integra o Santa Maria), acaba de se demitir ao fim de cinco anos no cargo. Na entrevista de despedida, assume, porém, a sua disponibilidade para voltar. Seja qual for o cargo «para que possa ser útil».
Cinco anos é muito tempo?
É, mas passou de uma forma tão intensa e tão vivida que me parece que começou ainda ontem.
Então, se começou ainda ontem por que é que se vai embora?
Não sou um profissional do sistema público, estou requisitado a um grupo privado, e quando fui convidado pelo prof. Correia de Campos, no meu espírito estava cumprir um mandato completo de três anos. Até porque tinha uma expectativa, relativamente ao governo da instituição, que comportava alguma incerteza. Vim, portanto, com uma espécie de atracção pelo risco. Era uma aposta de vida. Por isso, a expectativa era só fazer um mandato. Mas as coisas foram correndo bem, o envolvimento foi crescendo, a relação com a faculdade de medicina foi sendo construída num clima extraordinário. Devo, aliás dizer que, no balanço de tudo isto, um dos activos que mais me deixa feliz é a coesão institucional e a boa relação com a Faculdade de Medicina de Lisboa que conseguimos.
Mas não cumpriu só um mandato…
Isto é quase aditivo: vamos ficando muito dependentes do stress positivo, da tensão permanente, da vontade de fazer mais.
Pelos vistos, é bom estar neste lugar. Não percebo, então, a sua decisão.
Os ciclos de gestão têm tempos adequados e a renovação é útil, acrescenta valor. Ora, eu não concordo que as pessoas não cumpram os seus mandatos: não me revejo nos gestores-cometa, naqueles que acham que passam pelos sítios para acrescentar linhas ao curriculum e não se envolvem nem se atrevem a correr riscos pelas instituições. Mas também não sou nada favorável à eternização das pessoas nos lugares. Acho que deve haver rotatividade, deve haver mudança. E, neste caso, até é uma mudança tranquila, porque na minha equipa, eu sou o único a sair. Todos os outros elementos continuam. O director clínico, dr. Correia da Cunha, passará a assumir as funções de presidente do hospital, e toda a estrutura directiva intermédia mantém-se. Há, pois, aqui um quadro de segurança e de estabilidade que é garantido.
Ainda não explicou por que se vai embora, afinal. E porquê neste momento.
Fiz uma reflexão pessoal e comuniquei-a à sra Ministra da Saúde há algum tempo. Houve, da parte dela, uma grande vontade que eu continuasse. Mas entendi que cinco anos era o momento certo – em que a relação entre aquilo que eu fiz pelo hospital, aquilo que eu dei ao serviço público está largamente compensado com aquilo que o serviço publico me deu a mim. Aliás, eu tinha muitos preconceitos relativamente à Administração Pública. E esta experiência permitiu-me ultrapassar tudo isso. Temos, no sector público, pessoas absolutamente extraordinárias do ponto de vista da dedicação, do empenho, da seriedade e da decência.
Esta sua saída vai ter leituras políticas. Dir-se-à que sabe que os bons resultados do hospital não vão continuar, que se cansou de esperar para ser ministro ou que não concorda com a actual gestão do Ministério.
Imagino que sim. Mas não me envolvo nesse tipo de leituras. A equipa de gestão que liderei aqui, aliás, nunca teve uma visão politico-partidária deste trabalho. A organização institucional e os bons resultados que obtivemos estiveram sempre ligados a uma coisa simples: fixamos metas, contratualizamos objectivos e não quisemos saber o que é que, do ponto de vista ideológico ou politico, cada um pensa desses objectivos. Ou seja, nestes cinco anos não senti nunca na instituição nenhum tipo de arrumação ideológica. Trabalhamos entusiasticamente com pessoas que sabemos que estão em áreas politico-partidárias muito diversas, como o prof. João Lobo Antunes e a prof. Isabel do Carmo. A política numa empresa é a politica dos resultados, é a politica que envolve a realização dos objectivos. Quanto a outro tipo de leituras políticas, não as faço nem farei. Admito que outros o façam mas não vejo nenhuma razão substantiva para que se possa perder muito tempo com essa matéria.
Não há, então, razões para se entender esta sua saída como um afastamento da politica que está a ser seguida pelo actual Ministério?
Não… Sabe, este é um sector muito difícil. Como vimos todos, o anterior ministro, o professor Correia de Campos, que é uma das pessoas que melhor o conhece, procurou imprimir um movimento de reformas e teve muitas dificuldades. E a actual ministra deu continuidade a esse caminho. Mas as transformações são demoradas e os equilíbrios difíceis de conseguir. O importante é garantir que a procura do dialogo e a concertação não tenham como preço a desistência das reformas.
Mas foi isso que aconteceu nos últimos dois anos. Ou não?
Apenas procuro ser justo nesta apreciação: acho que se fez um esforço para trazer para o processo de decisão uma componente de dialogo e concertação – porque antes perderam boas medidas, porque não es explicou o que se queria fazer, nem se conseguiu captar para a mudança os actores nela envolvidos.
Durante o último ano, o Ministério da Saúde concentrou-se, quase exclusivamente, no tema ‘gripe A’ – o que começou por ser muito elogiado mas acabou por passar a sensação de que não se fazia mais nada. Concorda com esta análise
Durante o último ano, o Ministério da Saúde concentrou-se, quase exclusivamente, no tema ‘gripe A’ – o que começou por ser muito elogiado mas acabou por passar a sensação de que não se fazia mais nada. Concorda com esta análise
Estou particularmente à vontade para comentar a questão da gripe A porque tive ocasião de dizer, publicamente, que achava excessiva, como médico e especialista em saúde pública, a abordagem comunicacional que foi feita nos primeiros meses. Mas faço-lhe também uma pergunta: as autoridades de saúde poderiam ter agido de outra forma? Ou seja, quando, a nível internacional, são desencadeados, ao mais alto nível, mecanismos de alerta que exigem uma resposta rápida e apropriada, nos diferentes países o que se fez foi elevar o patamar de defesa das populações e tomar medidas preventivas que minimizassem o risco de uma coisa que não se conhecia. Hoje, todos nós sabemos que terá havido algum excesso. Mas não sei se alguém poderia, em Maio ou Junho, ter antecipado que estávamos perante um problema de baixo risco.
«A modernização absolutamente necessária do SNS requer visão, liderança e coragem políticas». Sabe quem escreveu isto, não sabe?
Não.
Esta frase faz parte do Manifesto que subscreveu antes das eleições de Setembro passado.
Já não me lembrava. Normalmente, as pessoas têm tendência para fazer da defesa do SNS uma discussão puramente ideológica. Eu entendo que a questão não está em dizer se privatizamos mais ou menos, se os hospitais são melhor geridos por gestores públicos ou privados. Essa é uma questão lateral. O aspecto fundamental que quisemos transmitir nesse Manifesto foi sublinhar a importância do SNS para a coesão nacional do nosso país – que é um país pobre, que vive com problemas graves de pobreza, onde há muitas pessoas que têm uma dependência médica, clínica mas também social do serviço de saúde. O SNS é mais do que uma questão ideológica, é um elemento de agregação social, que tem de ser bem gerido. Podemos discutir o formato da sua organização, se temos mais ou menos parcerias com o sector privado. Mas era importante, no momento de discussão política pré-eleitoral e porque nem todos os partidos tinham clarificado a sua posição sobre o SNS, dar um contributo cívico para que os partidos se definissem.
Repare: estão a arrancar vários hospitais que vão ser geridos por privados. Estamos todos muito atentos ao que vai acontecer. Se cumprirem bem a sua missão, se forem um instrumento de reforço do impulso de integração do sistema, é um caminho que temos de olhar com atenção.
Mas acha que não deviam ser eles a fazê-lo?
Não vejo nenhuma razão para que não se faça a experiência. E que ela seja avaliada com justiça e independência. Como já disse, a questão não se põe na dicotomia publico-privado. Isto é quase doentio. Porque há boa gestão pública e boa gestão privada. E depois há condições de exercício da gestão. No sector público, temos muito maior rigidez, na gestão dos recursos humanos, das carreiras profissionais, dos processos de avaliação, etc. Como é que é possível motivar um conjunto de profissionais altamente diferenciados, como há neste hospital, se eu não tenho nada para lhes oferecer? Se estiver num ambiente privado, posso estabelecer contratos de vida, projectos profissionais, metas, objectivos, posso premiar e avaliar. Ou seja, é preciso ver o contexto.
Agora que se anuncia, finalmente, o início do processo de avaliação das administrações hospitalares, porque não esperou mais um pouco para ser avaliado? Afinal, andou tanto tempo a reivindicar isso.
Esperei bastante, como imagina. Estou à espera desde 2007.
O ano que agora começou promete ser muito complicado para o Governo na Saúde. Está em curso uma das maiores greves que os enfermeiros já realizaram, por exemplo. Não está a abandonar o barco na altura em que mais devia fazer valer os seus dotes de bom gestor?
Estive aqui cinco anos. E cinco anos, para quem não é da função pública mas esteve com todo o gosto a servi-la, é muito tempo!
O serviço público acabou para si? Ou está só a fazer um intervalo?
De modo nenhum. Estes cinco anos foram um privilégio. E eu estou completamente disponível e motivado para que, daqui a algum tempo, se se entender que a minha contribuição pode ser útil, voltar a servir o sistema público.
Como director de hospital ou mais do que isso?
Aquilo que for julgado útil.
Teve mesmo expectativas de ser ministro ou secretário de Estado?
Não. Sabe… Eu sou ainda jovem. Não sou politico. Tenho é que me concentrar na minha vida profissional e académica.
Mas este lugar abriu-lhe muitas portas. Foram cinco anos de intensos contactos políticos, não foram?
Acha que a política, tal como a conhecemos, é assim tão estimulante? Pergunto isto, mas tenho muito respeito por quem faz da política a sua vida .
Quando assumiu esta função, e dada a dimensão do que tinha pela frente, alguma vez teve tentação de desistir? Chegou a receber ameaças de morte…
Esses foram momentos pessoalmente muito difíceis. E tenho um enorme reconhecimento pela forma determinada e firme com que o prof. Correia de Campos, então ministro, nos apoiou.
Qual foi o melhor momento que aqui viveu?
Foram tantos… Mas há dois que eu queria destacar. A inauguração Unidade de Cardiologia Pediátrica. E o reequipamento do Serviço de Imagiologia, que não era renovado há mais de 30 anos.
E o que deixou por fazer?
Muita coisa. Uma equipa de gestão que estivesse cá 20 anos nunca teria o trabalho concluído. Estamos a falar de 1300 camas, 6300 funcionários, do terceiro maior edifício do país. Quando cá chegamos, em 2005, havia um trabalho de uma consultora que dizia que 70% do hospital estava degradado e 30% estava razoável ou bem. Hoje, estamos na situação inversa: temos 70% do hospital renovado e apenas 30% precisa de renovação.
Agora, o grande projecto que falta iniciar é a construção de um edifício de três pisos na parte sul do hospital, onde vamos concentrar blocos operatórios, esterilização, cuidados intensivos e intermédios, hospitais de dia e gabinetes de consultas em ambulatório.Tenho pena de não o ter feito. Tinha a convicção de que ia conseguir sair com a construção iniciada.
Também não conseguiu juntar o hospital Curry Cabral ao Centro Hospitalar Lisboa Norte.
Nunca tive essa intenção. Limitei-me a acompanhar os estudos dos peritos e a compreender que os argumentos invocados nesses estudos são razoáveis e sensatos. Neles, diz-se que a concentração dos hospitais é inevitável e que o Centro Hospitalar Lisboa Norte deveria ter com o Curry Cabral afiliações funcionais – ao nível, nomeadamente, dos transplantes e da urgência.
E porque é que isso não aconteceu?
Provavelmente, porque não houve condições ou capacidade politica para isso. Não quero especular. Manifestamos essa vontade muitas vezes junto da tutela. Não se tratava de uma ‘opa hostil’, mas de estabelecer pontes de cooperação funcional, desejadas, aliás, por muitos profissionais. É conhecida a posição, nessa matéria, do dr. Eduardo Barroso (director do serviço de transplantes do Curry).
O pior momento destes cinco anos é fácil de adivinhar: a crise dos cegos.
Foi um momento muito difícil, que uniu muito a instituição. A nossa preocupação imediata foi salvaguardar e minorar o sofrimento dos doentes e também partilhar com a tutela e com o público esses acontecimentos. E creio que fizemos tudo aquilo que era nossa obrigação.
«A modernização absolutamente necessária do SNS requer visão, liderança e coragem políticas». Sabe quem escreveu isto, não sabe?
Não.
Esta frase faz parte do Manifesto que subscreveu antes das eleições de Setembro passado.
Já não me lembrava. Normalmente, as pessoas têm tendência para fazer da defesa do SNS uma discussão puramente ideológica. Eu entendo que a questão não está em dizer se privatizamos mais ou menos, se os hospitais são melhor geridos por gestores públicos ou privados. Essa é uma questão lateral. O aspecto fundamental que quisemos transmitir nesse Manifesto foi sublinhar a importância do SNS para a coesão nacional do nosso país – que é um país pobre, que vive com problemas graves de pobreza, onde há muitas pessoas que têm uma dependência médica, clínica mas também social do serviço de saúde. O SNS é mais do que uma questão ideológica, é um elemento de agregação social, que tem de ser bem gerido. Podemos discutir o formato da sua organização, se temos mais ou menos parcerias com o sector privado. Mas era importante, no momento de discussão política pré-eleitoral e porque nem todos os partidos tinham clarificado a sua posição sobre o SNS, dar um contributo cívico para que os partidos se definissem.
Repare: estão a arrancar vários hospitais que vão ser geridos por privados. Estamos todos muito atentos ao que vai acontecer. Se cumprirem bem a sua missão, se forem um instrumento de reforço do impulso de integração do sistema, é um caminho que temos de olhar com atenção.
Mas acha que não deviam ser eles a fazê-lo?
Não vejo nenhuma razão para que não se faça a experiência. E que ela seja avaliada com justiça e independência. Como já disse, a questão não se põe na dicotomia publico-privado. Isto é quase doentio. Porque há boa gestão pública e boa gestão privada. E depois há condições de exercício da gestão. No sector público, temos muito maior rigidez, na gestão dos recursos humanos, das carreiras profissionais, dos processos de avaliação, etc. Como é que é possível motivar um conjunto de profissionais altamente diferenciados, como há neste hospital, se eu não tenho nada para lhes oferecer? Se estiver num ambiente privado, posso estabelecer contratos de vida, projectos profissionais, metas, objectivos, posso premiar e avaliar. Ou seja, é preciso ver o contexto.
Agora que se anuncia, finalmente, o início do processo de avaliação das administrações hospitalares, porque não esperou mais um pouco para ser avaliado? Afinal, andou tanto tempo a reivindicar isso.
Esperei bastante, como imagina. Estou à espera desde 2007.
O ano que agora começou promete ser muito complicado para o Governo na Saúde. Está em curso uma das maiores greves que os enfermeiros já realizaram, por exemplo. Não está a abandonar o barco na altura em que mais devia fazer valer os seus dotes de bom gestor?
Estive aqui cinco anos. E cinco anos, para quem não é da função pública mas esteve com todo o gosto a servi-la, é muito tempo!
O serviço público acabou para si? Ou está só a fazer um intervalo?
De modo nenhum. Estes cinco anos foram um privilégio. E eu estou completamente disponível e motivado para que, daqui a algum tempo, se se entender que a minha contribuição pode ser útil, voltar a servir o sistema público.
Como director de hospital ou mais do que isso?
Aquilo que for julgado útil.
Teve mesmo expectativas de ser ministro ou secretário de Estado?
Não. Sabe… Eu sou ainda jovem. Não sou politico. Tenho é que me concentrar na minha vida profissional e académica.
Mas este lugar abriu-lhe muitas portas. Foram cinco anos de intensos contactos políticos, não foram?
Acha que a política, tal como a conhecemos, é assim tão estimulante? Pergunto isto, mas tenho muito respeito por quem faz da política a sua vida .
Quando assumiu esta função, e dada a dimensão do que tinha pela frente, alguma vez teve tentação de desistir? Chegou a receber ameaças de morte…
Esses foram momentos pessoalmente muito difíceis. E tenho um enorme reconhecimento pela forma determinada e firme com que o prof. Correia de Campos, então ministro, nos apoiou.
Qual foi o melhor momento que aqui viveu?
Foram tantos… Mas há dois que eu queria destacar. A inauguração Unidade de Cardiologia Pediátrica. E o reequipamento do Serviço de Imagiologia, que não era renovado há mais de 30 anos.
E o que deixou por fazer?
Muita coisa. Uma equipa de gestão que estivesse cá 20 anos nunca teria o trabalho concluído. Estamos a falar de 1300 camas, 6300 funcionários, do terceiro maior edifício do país. Quando cá chegamos, em 2005, havia um trabalho de uma consultora que dizia que 70% do hospital estava degradado e 30% estava razoável ou bem. Hoje, estamos na situação inversa: temos 70% do hospital renovado e apenas 30% precisa de renovação.
Agora, o grande projecto que falta iniciar é a construção de um edifício de três pisos na parte sul do hospital, onde vamos concentrar blocos operatórios, esterilização, cuidados intensivos e intermédios, hospitais de dia e gabinetes de consultas em ambulatório.Tenho pena de não o ter feito. Tinha a convicção de que ia conseguir sair com a construção iniciada.
Também não conseguiu juntar o hospital Curry Cabral ao Centro Hospitalar Lisboa Norte.
Nunca tive essa intenção. Limitei-me a acompanhar os estudos dos peritos e a compreender que os argumentos invocados nesses estudos são razoáveis e sensatos. Neles, diz-se que a concentração dos hospitais é inevitável e que o Centro Hospitalar Lisboa Norte deveria ter com o Curry Cabral afiliações funcionais – ao nível, nomeadamente, dos transplantes e da urgência.
E porque é que isso não aconteceu?
Provavelmente, porque não houve condições ou capacidade politica para isso. Não quero especular. Manifestamos essa vontade muitas vezes junto da tutela. Não se tratava de uma ‘opa hostil’, mas de estabelecer pontes de cooperação funcional, desejadas, aliás, por muitos profissionais. É conhecida a posição, nessa matéria, do dr. Eduardo Barroso (director do serviço de transplantes do Curry).
O pior momento destes cinco anos é fácil de adivinhar: a crise dos cegos.
Foi um momento muito difícil, que uniu muito a instituição. A nossa preocupação imediata foi salvaguardar e minorar o sofrimento dos doentes e também partilhar com a tutela e com o público esses acontecimentos. E creio que fizemos tudo aquilo que era nossa obrigação.
Este acontecimento precipitou a sua decisão de sair?
Não.
Como termina 2009, em termos de resultados financeiros?
Bem. Tivemos o quinto ano consecutivo de resultados positivos - o que é inédito na historia deste hospital e dos hospitais-empresa. Isto apesar de 2009 ter sido um ano difícil.
A despesa com medicamentos cresceu acima do que estava previsto?
Sim, entre seis a oito por cento, relativamente ao ano anterior. Para além da gripe A, entraram mais fármacos inovadores e tivemos mais doentes.
Vindos de outros hospitais públicos, imagino, o que implicaria que esses hospitais não tivessem tanta despesa com medicamentos. Mas, não foi isso que aconteceu: os gastos com remédios foram enormes em todo o SNS. O que aconteceu?
O accionista (Estado) devia fazer um acompanhamento das suas empresas (os hospitais). Na primeira fase do mandato, havia reuniões regulares entre os hospitais e o próprio ministro Correia de Campos. Esse acompanhamento é bom, é pedagógico: o accionista deve estar próximo, para actuar quando é preciso.
Essas reuniões deixaram de acontecer?
Houve, de facto, um abrandamento gradual e nos últimos meses não existiram.
Qual foi o melhor ministro da Saúde, até agora?
(silêncio) É tão injusta essa pergunta! As condições do exercício dessas funções são tão diferentes e difíceis. Não quero ser injusto numa apreciação que é muito jornalística... A dr.ª Ana Jorge ainda está no princípio do mandato, pelo que vou excluí-la, à partida. Correia de Campos foi um excelente ministro (seria sempre, em qualquer circunstância), mas devo dizer que a História tem de fazer justiça a uma pessoa, que foi ministra em circunstâncias muito difíceis: a dr.ª Maria de Belém. Ela lançou as sementes de muitas das boas ideias que estão agora a ser executadas.
Para onde vai trabalhar?
Volto ao meu grupo de origem, o Millenium/BCP.
Graça Rosendo, semanário SOL, 29.01.2010 link
A despesa com medicamentos cresceu acima do que estava previsto?
Sim, entre seis a oito por cento, relativamente ao ano anterior. Para além da gripe A, entraram mais fármacos inovadores e tivemos mais doentes.
Vindos de outros hospitais públicos, imagino, o que implicaria que esses hospitais não tivessem tanta despesa com medicamentos. Mas, não foi isso que aconteceu: os gastos com remédios foram enormes em todo o SNS. O que aconteceu?
O accionista (Estado) devia fazer um acompanhamento das suas empresas (os hospitais). Na primeira fase do mandato, havia reuniões regulares entre os hospitais e o próprio ministro Correia de Campos. Esse acompanhamento é bom, é pedagógico: o accionista deve estar próximo, para actuar quando é preciso.
Essas reuniões deixaram de acontecer?
Houve, de facto, um abrandamento gradual e nos últimos meses não existiram.
Qual foi o melhor ministro da Saúde, até agora?
(silêncio) É tão injusta essa pergunta! As condições do exercício dessas funções são tão diferentes e difíceis. Não quero ser injusto numa apreciação que é muito jornalística... A dr.ª Ana Jorge ainda está no princípio do mandato, pelo que vou excluí-la, à partida. Correia de Campos foi um excelente ministro (seria sempre, em qualquer circunstância), mas devo dizer que a História tem de fazer justiça a uma pessoa, que foi ministra em circunstâncias muito difíceis: a dr.ª Maria de Belém. Ela lançou as sementes de muitas das boas ideias que estão agora a ser executadas.
Para onde vai trabalhar?
Volto ao meu grupo de origem, o Millenium/BCP.
Graça Rosendo, semanário SOL, 29.01.2010 link
DEPOIMENTOS:
1.º - Prof. João Lobo Antunes
Neurocirugião, presidente do Instituto de Medicina Molecular, conselheiro de Estado
«Nos últimos 50 anos, nunca se tinha conseguido fazer tanto pelo Hospital Santa Maria»
1.º - Prof. João Lobo Antunes
Neurocirugião, presidente do Instituto de Medicina Molecular, conselheiro de Estado
«Nos últimos 50 anos, nunca se tinha conseguido fazer tanto pelo Hospital Santa Maria»
O neurocirugião, presidente do Instituto de Medicina Molecular e conselheiro de Estado assinala a renovação que Adalberto Campos Fernandes conseguiu no Hospital de Santa Maria.
Agora que o Dr. Adalberto Campos Fernandes abandona o cargo de presidente do Centro Hospitalar Lisboa Norte, não posso deixar de assinalar o impacto extraordinário que a equipa que esteve à frente do maior hospital português nos últimos anos, teve aqui dentro. Atrever-me-ia mesmo a dizer que, nos últimos 50 anos de vida deste hospital, nunca foi conseguida uma renovação tão abrangente e profunda como aquela que foi promovida pelo Dr. Adalberto e a sua equipa.
Para isso contribuíram vários factores. A começar, as qualidades pessoais do presidente do hospital – inteligência, trabalho e sensibilidade à natureza da instituição. Repare: este Centro Hospitalar tem mais de seis mil funcionários, um orçamento de 400 milhões de euros. E, no entanto, quem olha hoje para esta instituição vê algo completamente diferente. Antigamente, posso dizê-lo, eu tinha vergonha de mostrar o meu serviço aos visitantes estrangeiros. Agora, embora haja ainda nichos que necessitam de grandes melhorias, o progresso é notável.
Depois, do ponto de vista conceptual, deve-se em grande parte à sua percepção da natureza particular de um hospital de ensino, o ter-se constituído um Centro Académico de Medicina Hospitalar, com a participação não só do hospital como da Faculdade de Medicina e do Instituto de Medicina Molecular (IMM), que eu tenho a honra de presidir.
O hospital está também presente no Instituto – que é um grande centro de investigação biomédica, um dos maiores do país – e as alianças entre o IMM e o Santa Maria têm sido muito úteis para as duas instituições. Ou seja, porque o dr Adalberto Campos Fernandes é um académico – é alguém que pensa não só as suas tarefas de gestão da área assistencial, mas também das da investigação e educação -, o hospital adquiriu uma outra fisionomia em relação à sua missão.
Por outro lado, o estabelecimento de contratos-programa de gestão por objectivos com os serviços hospitalares - e o reconhecimento de que, quem trabalha mais e melhor, deve ser recompensado e deve ser dotado dos meios para cumprir esses objectivos - tornou, em minha opinião, a missão dos directores de serviço muito mais cristalina.
É evidente que tenho muita pena que ele saia. Ele deixa uma marca única na direcção deste hospital, que eu quero registar.
O Serviço Nacional de Saúde perde sempre que pessoas do calibre dele deixam de o integrar. É hábito dizer que não há pessoas insubstituíveis – e os sistemas biológicos acabam, de alguma forma, por regenerar-se. Isso, porém, não elimina a necessidade que o nosso país, que tem um tecido frágil como o nosso, tem de recorrer às elites. E com elites quero dizer pessoas que se distinguem nos campos em que trabalham. Nesse aspecto, o dr Adalberto, não sendo um administrador hospitalar de formação de raiz, veio demonstrar que há pessoas com outros recursos e outras formações académicas que podem desempenhar estes cargos com igual elevação».
2.º - José Fernandes e Fernandes
Director da Faculdade de Medicina de Lisboa
«Hospital e faculdade deixaram de estar de costas voltadas»
O director da Faculdade de Medicina de Lisboa salienta a aproximação entre o hospital e a faculdade conseguida por Adalberto Campos Fernandes
Em primeiro, lugar, quero dizer que foi uma experiência muito positiva trabalhar com o Dr. Adalberto Campos Fernandes. Entramos sensivelmente na mesma altura nos nossos cargos, e ainda por cima numa altura muito complicada, em que faculdade e hospital se encontravam de costas voltadas, com problemas até ridículos em tribunal.
Seja como for, foi possível um entendimento muito claro, objectivo e muito leal do que são as missões de cada uma das instituições, do que cada uma podia fazer para potenciar a sua actividade – para criarmos algo de comum que fizesse aproximar, numa iniciativa estruturada, com visão prospectiva e de futuro, as duas instituições, Hospital de Santa Maria e Faculdade de Medicina de Lisboa.
O dr Adalberto foi um excelente interlocutor. Estabelecemos um principio de orientação – de que esta é uma casa comum –, que alargamos ao Instituto de Medicinina Molecular e que nos permitiu caminhar no sentido da criação do Centro Académico de Medicina de Lisboa.
Este Centro é uma resposta de acordo com o sentido do tempo. Aqui, procuramos harmonizar objectivos e acção, e aproveitar da melhor maneira os recursos financeiros e humanos de ambas as instituições para potenciar a formação dos profissionais, o desenvolvimento da investigação e a qualificação da medicina clínica que aqui se pratica. É um tripé absolutamente essencial à missão da Faculdade e que, para ser desempenhada e desenvolvida, precisa do Hospital. Ele percebeu isto muito bem.
A Faculdade encontrou da parte do dr Adalberto uma disponibilidade, uma percepção e uma visão dos problemas muito semelhante. Conseguimos trabalhar em conjunto, enriquecemo-nos mutuamente. A acção dele à frente do hospital foi mesmo muito positiva.
Por outro lado, o Conselho de Administração dirigido por ele conseguiu dar a volta a este hospital, que se dizia ser um elefante branco. Ele mostrou que era possível mudar este estado de coisas. Criou-se a base estrutural para o desenvolvimento da qualificação profissional e para uma melhoria mais acentuada, mais firme e consistente dos serviços prestados à comunidade, com a introdução, por exemplo, de métodos de governação clínica dos serviços. Depois, fez desaparecer o ambiente frio que existia dentro deste hospital. Renovou enfermarias, acabou literalmente com as correntes de ar.
Os seus motivos para sair serão absolutamente respeitáveis. Mas estou certo que aceitará o nosso convite para continuar ligado aos projectos do Centro Académico de Medicina Hospitalar, como membro do grupo de curadores e como professor.
Agora que o Dr. Adalberto Campos Fernandes abandona o cargo de presidente do Centro Hospitalar Lisboa Norte, não posso deixar de assinalar o impacto extraordinário que a equipa que esteve à frente do maior hospital português nos últimos anos, teve aqui dentro. Atrever-me-ia mesmo a dizer que, nos últimos 50 anos de vida deste hospital, nunca foi conseguida uma renovação tão abrangente e profunda como aquela que foi promovida pelo Dr. Adalberto e a sua equipa.
Para isso contribuíram vários factores. A começar, as qualidades pessoais do presidente do hospital – inteligência, trabalho e sensibilidade à natureza da instituição. Repare: este Centro Hospitalar tem mais de seis mil funcionários, um orçamento de 400 milhões de euros. E, no entanto, quem olha hoje para esta instituição vê algo completamente diferente. Antigamente, posso dizê-lo, eu tinha vergonha de mostrar o meu serviço aos visitantes estrangeiros. Agora, embora haja ainda nichos que necessitam de grandes melhorias, o progresso é notável.
Depois, do ponto de vista conceptual, deve-se em grande parte à sua percepção da natureza particular de um hospital de ensino, o ter-se constituído um Centro Académico de Medicina Hospitalar, com a participação não só do hospital como da Faculdade de Medicina e do Instituto de Medicina Molecular (IMM), que eu tenho a honra de presidir.
O hospital está também presente no Instituto – que é um grande centro de investigação biomédica, um dos maiores do país – e as alianças entre o IMM e o Santa Maria têm sido muito úteis para as duas instituições. Ou seja, porque o dr Adalberto Campos Fernandes é um académico – é alguém que pensa não só as suas tarefas de gestão da área assistencial, mas também das da investigação e educação -, o hospital adquiriu uma outra fisionomia em relação à sua missão.
Por outro lado, o estabelecimento de contratos-programa de gestão por objectivos com os serviços hospitalares - e o reconhecimento de que, quem trabalha mais e melhor, deve ser recompensado e deve ser dotado dos meios para cumprir esses objectivos - tornou, em minha opinião, a missão dos directores de serviço muito mais cristalina.
É evidente que tenho muita pena que ele saia. Ele deixa uma marca única na direcção deste hospital, que eu quero registar.
O Serviço Nacional de Saúde perde sempre que pessoas do calibre dele deixam de o integrar. É hábito dizer que não há pessoas insubstituíveis – e os sistemas biológicos acabam, de alguma forma, por regenerar-se. Isso, porém, não elimina a necessidade que o nosso país, que tem um tecido frágil como o nosso, tem de recorrer às elites. E com elites quero dizer pessoas que se distinguem nos campos em que trabalham. Nesse aspecto, o dr Adalberto, não sendo um administrador hospitalar de formação de raiz, veio demonstrar que há pessoas com outros recursos e outras formações académicas que podem desempenhar estes cargos com igual elevação».
2.º - José Fernandes e Fernandes
Director da Faculdade de Medicina de Lisboa
«Hospital e faculdade deixaram de estar de costas voltadas»
O director da Faculdade de Medicina de Lisboa salienta a aproximação entre o hospital e a faculdade conseguida por Adalberto Campos Fernandes
Em primeiro, lugar, quero dizer que foi uma experiência muito positiva trabalhar com o Dr. Adalberto Campos Fernandes. Entramos sensivelmente na mesma altura nos nossos cargos, e ainda por cima numa altura muito complicada, em que faculdade e hospital se encontravam de costas voltadas, com problemas até ridículos em tribunal.
Seja como for, foi possível um entendimento muito claro, objectivo e muito leal do que são as missões de cada uma das instituições, do que cada uma podia fazer para potenciar a sua actividade – para criarmos algo de comum que fizesse aproximar, numa iniciativa estruturada, com visão prospectiva e de futuro, as duas instituições, Hospital de Santa Maria e Faculdade de Medicina de Lisboa.
O dr Adalberto foi um excelente interlocutor. Estabelecemos um principio de orientação – de que esta é uma casa comum –, que alargamos ao Instituto de Medicinina Molecular e que nos permitiu caminhar no sentido da criação do Centro Académico de Medicina de Lisboa.
Este Centro é uma resposta de acordo com o sentido do tempo. Aqui, procuramos harmonizar objectivos e acção, e aproveitar da melhor maneira os recursos financeiros e humanos de ambas as instituições para potenciar a formação dos profissionais, o desenvolvimento da investigação e a qualificação da medicina clínica que aqui se pratica. É um tripé absolutamente essencial à missão da Faculdade e que, para ser desempenhada e desenvolvida, precisa do Hospital. Ele percebeu isto muito bem.
A Faculdade encontrou da parte do dr Adalberto uma disponibilidade, uma percepção e uma visão dos problemas muito semelhante. Conseguimos trabalhar em conjunto, enriquecemo-nos mutuamente. A acção dele à frente do hospital foi mesmo muito positiva.
Por outro lado, o Conselho de Administração dirigido por ele conseguiu dar a volta a este hospital, que se dizia ser um elefante branco. Ele mostrou que era possível mudar este estado de coisas. Criou-se a base estrutural para o desenvolvimento da qualificação profissional e para uma melhoria mais acentuada, mais firme e consistente dos serviços prestados à comunidade, com a introdução, por exemplo, de métodos de governação clínica dos serviços. Depois, fez desaparecer o ambiente frio que existia dentro deste hospital. Renovou enfermarias, acabou literalmente com as correntes de ar.
Os seus motivos para sair serão absolutamente respeitáveis. Mas estou certo que aceitará o nosso convite para continuar ligado aos projectos do Centro Académico de Medicina Hospitalar, como membro do grupo de curadores e como professor.
semanário SOL, 29.01.10
Etiquetas: ACF, Entrevistas
<< Home