segunda-feira, janeiro 11, 2010

Novas prioridades

Foi publicado há dias pela OCDE o panorama da saúde nos países desta organização, utilizando informação até 2007. Alguns jornais portugueses sublinharam o bom desempenho das contas da saúde no nosso país na década de 1997-2007, quer em relação aos gastos per capita (2150 dólares, para uma média de 2984), quer ao crescimento dos gastos com a saúde no mesmo período (2,9 por cento de crescimento anual, para uma média de 4,1 por cento).
Sim, são boas notícias, porque os gastos com a saúde devem atender ao crescimento (positivo ou negativo) da riqueza do país e à sua situação financeira. Desengane-se quem pensar que a saúde é um sector autónomo, independente da capacidade que um país tem de angariar receitas para pagar as despesas da saúde. Esta afirmação ainda é mais incisiva para países com um serviço nacional de saúde, ou seja, onde o Estado assume um papel central no financiamento e na prestação dos cuidados de saúde, como é o caso de Portugal.
Portanto, são boas notícias para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), que pode ser defendido por muitas formas, mas uma das mais importantes é fazer com que o crescimento dos gastos não torne incomportável a manutenção do SNS como serviço universal, ou seja, para todos os cidadãos, e tendencialmente gratuito.

Mas as melhores notícias situam-se fora do âmbito financeiro. Na União Europeia, só três países apresentaram, em 2006, melhores resultados do que Portugal em relação à mortalidade infantil. E quando visitamos o nosso passado, podemos comparar o último valor conhecido (3,3 mortes por 1000 nados vivos, em 2006, para uma média comunitária de 4,0) com o valor de 1970 (55,5 mortes, em Portugal, para uma média comunitária de 24,3). Esta situação é também apontada pela Organização Mundial de Saúde como excepcional, sendo Portugal um dos poucos países do mundo onde as taxas de mortalidade em crianças com menos de cinco anos se situam agora em menos de um quinto do que estavam há trinta anos.
Mesmo em indicadores em que tradicionalmente estamos menos, bem como é o caso da esperança de vida à nascença, o valor de 2006 (78,9 anos) já é melhor do que a média comunitária (78,8); vivemos hoje, em média, mais 12 anos do que em 1970.

Mas os bons resultados na saúde não nos podem fazer esquecer a nossa principal debilidade: as desigualdades no acesso aos cuidados de saúde.
E as desigualdades em saúde podem-se agravar em consequência da crise económica sentida, em especial, desde o final de 2008; a situação económica e financeira do país não só pode limitar a afectação de verbas para a saúde, como exigir do sector mais e melhores respostas para uma população com uma maior taxa de desemprego, maior precariedade na relação laboral e menores rendimentos. As desigualdades sociais poder-se-ão acentuar e com elas trazer para o campo da saúde problemas acrescidos, nomeadamente maiores dificuldades sentidas pelos grupos sociais mais vulneráveis em ultrapassar barreiras financeiras de acesso aos cuidados de saúde.
Por isso novas prioridades devem ser colocadas na agenda política.
Em primeiro lugar, o combate às desigualdades deve reforçar-se como uma prioridade política fundamental; aliás, os países que conseguem melhores resultados em saúde são os que apresentam menores desigualdades na oferta de cuidados – com os recursos humanos na saúde a ocupar um lugar central – e na procura de cuidados, com enfoque no controlo das listas de espera e na contenção do peso das despesas com medicamentos nos orçamentos familiares.
Em segundo lugar, é necessária uma abordagem da Saúde em todas as políticas que permita o desenvolvimento de intervenções focadas na identificação dos factores que influenciam a saúde das populações, no pressuposto de que a saúde das populações não é apenas o resultado da actividade do sector da saúde, mas é também determinada por variados factores socioeconómicos.
Em terceiro lugar, os serviços devem caminhar no sentido da integração e da continuidade de cuidados, de forma a permitir respostas mais adequadas aos problemas das pessoas, mas também melhores níveis de eficiência, quer na relação entre cuidados primários e hospitalares, quer na relação da saúde com o apoio social.
Em quarto lugar, o sistema de saúde exige melhor governação na saúde, no que respeita ao desempenho do sistema, à prestação de cuidados, à afectação dos recursos e ao respeito pelos direitos e legítimas expectativas das pessoas.
A transparência e a prestação de contas devem ser uma rotina dos governos, bem como a avaliação dos seus sistemas de saúde, a gestão da qualidade e a definição de incentivos com vista à melhoria do desempenho dos prestadores de cuidados de saúde.
Em quinto lugar, a formação de profissionais de saúde é um vector no desenvolvimento das políticas de saúde, devido ao elevado grau de especialização dos profissionais e por se tratar de um sector de mão-de-obra intensivo. Deve colocar-se, por isso, a questão da formação de recursos humanos para a saúde, reforçando a qualidade que se espera da prestação de um profissional de saúde e o respeito na relação com os doentes, mas também com o objectivo de melhorar o desempenho do sistema através da optimização do skill-mix.
Em sexto lugar, importa apoiar, de forma consistente, a disseminação das tecnologias de informação e comunicação na saúde, com particular destaque para a integração da informação dos utentes. As tecnologias de informação e comunicação podem oferecer importantes contributos para a coordenação e integração nos vários níveis de cuidados, nomeadamente no que respeita à comunicação entre as partes e, mais concretamente, no que respeita à comunicação da informação ao utente.
O grande desafio do sistema de saúde, em Portugal, é, pois, o de encontrar a combinação virtuosa entre continuar o ritmo de melhoria dos níveis de saúde registados nos últimos anos, com as reformas necessárias para garantir a manutenção de um serviço nacional de saúde financeiramente sustentável.
Jorge Simões, JP 11.01.10

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