sábado, julho 12, 2008

Novo Coordenador

Rui Ferreira diz que há países com menos recursos mas com melhor organização
O novo coordenador Nacional para as Doenças Cardiovasculares, Rui Ferreira, não esconde que há carência de médicos. Contudo, é a falta de organização que elege como o maior problema. Em entrevista ao «Tempo Medicina», o cardiologista que iniciou funções neste cargo em Junho, «apontou baterias» à rede inter-hospitalar que, na sua opinião, tem de ser «encarada de frente».
Tempo Medicina (TM)Neste momento, quais são as regiões em que a via verde coronária está a funcionar melhor e as que estão com mais dificuldades?
Rui Ferreira (RF) — A região que tem o processo mais avançado é o Algarve. Foi a primeira [onde o sistema foi colocado no terreno], além de ter havido uma mudança significativa no funcionamento do Hospital Central de Faro. E isso, juntamente com a articulação com o INEM, proporcionou um desenvolvimento mais rápido. No Alentejo também se começaram a dar passos significativos em termos de funcionamento. Nos grandes centros — Lisboa e Porto — diria que o problema já está noutra fase. Há que optimizar os esquemas de referência, mas estamos num ponto de partida muito mais avançado do que existe no Interior do País. Na região Norte houve um esforço muito significativo, embora dirigido essencialmente à área do acidente vascular cerebral (AVC). Houve várias unidades de AVC que iniciaram o funcionamento, além de uma nova sala [de hemodinâmica] no Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, equipamento que trouxe uma panorâmica completamente diferente em relação ao que pode ser a abordagem do problema em toda a região Norte.
«TM»Quando afirmou, há umas semanas, que o principal problema das vias verdes era de logística e de organização, estava a falar em áreas específicas do País?
RF — Estava a falar de uma maneira geral. Há uma grande problemática que vai ter de ser encarada de frente e que, neste momento, é um dos grandes problemas: o transporte inter-hospitalar. O INEM tem a sua actividade sobretudo dirigida para a assistência pré-hospitalar, que funciona bastante bem, sobretudo devido a uma modificação e progressão muito significativa nos últimos anos. Actualmente, o que há a fazer é verificar como é que esse esquema de emergência pré-hospitalar pode ser transposto ou avançar no sentido de se criar uma rede de referenciação inter-hospitalar de Urgência que funcione em moldes adequados, principalmente em termos de rapidez.
Há situações que necessitam de organização neste sentido. Por exemplo, estou num serviço onde há recursos subutilizados, com capacidade para fazer um maior número de intervenções em fase aguda e que, também a título de exemplo, poderia ter mais doentes que fossem submetidos a angioplastia primária. Tenho possibilidades técnicas e tenho recursos humanos para o fazer, simplesmente os doentes não nos chegam no número a que podemos dar resposta. Isso é claramente um problema de organização, porque acredito que em outras zonas do País, onde haja possibilidade em termos de distância e tempo, os doentes possam ser canalizados para centros que tenham maior folga na capacidade de resposta.
«TM»Que tipo de investimento é, então, necessário fazer?
RF
— Tem de haver investimento a vários níveis. O primeiro, e mais simples, é nos centros que constituem os nós da rede, os quais têm de estar devidamente equipados. Além disso, tem de haver uma malha nacional, nomeadamente com unidades de AVC, que em alguns casos estão a arrancar, mas que é um processo que não está ainda no ponto óptimo de desenvolvimento. Por outro lado, há centros de urgência cardiológica com problemas de recursos humanos. Um centro com angioplastia primária precisa de funcionar 24 horas por dia, sete dias por semana. Se num centro há apenas duas ou três pessoas a assegurar, única e exclusivamente, uma sala de hemodinâmica, então não há pessoal suficiente para garantir este tipo de funcionamento, pelo que é preciso intervir em termos de fornecimento dos recursos humanos adequados.
Além do investimento ao nível dos nós da rede, tem de ser garantido o transporte inter-hospitalar. Um doente chega a uma Urgência básica e tem de ser transportado para um centro de angioplastia primária. Quem faz o transporte inter-hospitalar neste momento? Os serviços de Urgência básica têm problemas de recursos humanos e transporte que não podem resolver caso a caso, por isso tem de haver regras de funcionamento e alguém que lhe garanta o transporte. E isto é também um problema logístico. Basicamente, são estes pontos que estarão na ordem do dia nos próximos tempos.
«TM»O financiamento é o grande constrangimento desta reforma?
RF
— Não tenho a certeza se esse é o principal constrangimento. Não temos um sistema ideal e há diferentes constrangimentos que se vão pôr, mas diria que não é essa a grande questão neste momento. Conheço vários países europeus que têm recursos equivalentes aos nossos, que dispõem de meios tecnológicos, em alguns casos, inferiores aos nossos e que conseguiram esquemas organizativos muito mais avançados. Portanto, não é exclusivamente o investimento financeiro que está em jogo no meio de tudo isto, até porque, como disse, temos já equipamento avançado e estamos melhor em muitas situações do que alguns países da Europa.
Susana Ribeiro Rodrigues

«Não há necessidade de inventar a roda»
«TM»Na entrevista que o presidente do INEM, Abílio Gomes, deu esta semana à Antena1 mostrou-se favorável à criação de uma nova carreira profissional na área da emergência. Isso poderia ser uma mais-valia?
RF
— Acho que isso tem de ser muito bem pensado porque cada solução tem prós e contras, e tem de haver um estudo muito detalhado e bem fundamentado para cada uma das opções possíveis. Diria que há formação básica que tem de ser feita para todos os intervenientes no sistema. Depois, dependendo da instituição que garanta o transporte dos doentes, têm de ser definidos aspectos fundamentais, tais como saber o que os doentes necessitam para ser transportados e quem vai garantir esse funcionamento. Neste âmbito, há várias opções possíveis. Citando o espectro inteiro: o médico acompanhar o doente, o que me parece algo irrealista face às carências no momento actual, acompanhamento obrigatório pela enfermagem ou acompanhamento por uma nova classe profissional a criar que será o paramédico, amplamente difundido nos Estados Unidos da América. Tudo isto são opções diferentes e cada uma tem os seus prós e contras. Diria que primeiro tem de ser definida a instituição que garante esse transporte. Após essa definição estar feita, então avaliam-se as diferentes opções. Não quero com isto dizer que não haja necessidade de criar novas classes profissionais. Mas no momento actual tem de ser alvo de reflexão um pouco mais intensa.
«TM»E essa reflexão pode passar por quê?
RF — Há um ponto crucial nisto tudo. Temos exemplos muito perto de nós, na Galiza, que organizou uma rede altamente eficaz e que lidou pelo menos com uma parte dos problemas com que nós estamos neste momento confrontados. Uma questão crucial é aproveitarmos a experiência desses países europeus, nomeadamente de Espanha, analisar as diferentes condições em que as redes se desenvolveram e adoptar muitas das soluções que foram encontradas e que seguramente não vão ser muito diferentes do nosso País. Acho que esta é uma via que ainda não foi completamente explorada e intensificada. Um dos projectos em agenda é a organização, em Setembro, de uma iniciativa, tipo fórum, que tenha a participação de representantes de várias experiências europeias, no sentido de ouvir essas experiências e os problemas que se levantaram, e aprender. Depois, provavelmente, devemos ir a esses sítios e ver como é a logística, como estão montados os sistemas e utilizar algumas das soluções. Não há necessidade de inventar a roda. Em muitos casos, há soluções encontradas em outros países europeus.

Tempo de Medicina, 14.07.08

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