sábado, junho 28, 2008

Combate ao desperdício

A Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n.º 102/2005, de 2/06/2005, aprovou um conjunto de medidas para a consolidação das contas públicas e o crescimento económico. Tais medidas incluem diversas directrizes, tendo em vista a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Entre elas são de referir iniciativas para a «(...) promoção de um novo sistema de conferência de facturas de fornecedores externos ao SNS, que permita combater eficazmente desperdícios e fraudes (...)» e também a «(...) extinção progressiva, até ao final de 2006, das SRS com a reformulação de funções das ARS e centros de saúde, bem como a criação de unidades locais de saúde onde existam condições para a imediata integração dos cuidados de saúde primários com os cuidados hospitalares (...)».
Notícia recente do Semanário Económico, segundo a qual «(...) o concurso público para a criação e gestão do centro de conferência de facturas (...)» está sob forte contestação, fez-me recordar a citada RCM e também o facto de que a abertura desse concurso foi autorizada pelo Ministério das Finanças à Administração Central dos Serviços de Saúde através de portaria publicada em 11/06/2007.
Ou seja, um ano depois da publicação dessa portaria e três anos decorridos sobre a RCM, o problema das graves insuficiências nos sistemas de controlo interno das SRS (teoricamente extintas), aparentemente mantém-se.
A necessidade de mobilização para o combate ao desperdício é uma ilação óbvia que decorre do reconhecimento da escassez de recursos para a Saúde, sendo diversas as suas causas.
Relativamente a alguns dos actores do SNS -- nos quais se incluem os próprios utentes e profissionais de saúde (nomeadamente prescritores) --, o combate ao desperdício tem vindo a ser assumido, constatando-se uma evolução positiva.
No entanto, pela sua natureza, esta evolução nunca poderá ser muito rápida: implica alterações de comportamentos individuais em que a consciencialização e autodisciplina (nomeadamente quanto à importância da permanente análise de custo-benefício das decisões), exigem um apreciável esforço. Porém, a «componente organizacional» de combate ao desperdício (sistema de controlo interno) pode determinar rapidamente importantes resultados.
Por isso, embora lamentando que não tenha sido concretizada há alguns anos e a actual demora na respectiva finalização, devemos aplaudir a iniciativa do Governo a que fiz referência.
A ineficácia do controlo interno nas diversas instituições da saúde é reconhecida desde há muito, sendo que também estão disponíveis desde há muito meios para o tornar mais eficaz.

Um caso concreto
Não tenho conhecimento factual da evolução verificada na generalidade destas organizações. Mas numa delas conheço bem a variação dos resultados que dão resposta às directrizes emanadas da RCM de 2005.
De facto, a passagem da responsabilidade de procedimentos relacionados com a conferência da facturação de meios complementares de diagnóstico e terapêutica (MCDT) de uma sub-região de Saúde para uma instituição EPE -- verificada nos primeiros meses de 2007 -- permitiu em nove meses desse ano reduzir custos em aproximadamente 17% (comparativamente a período homólogo do ano anterior).
Não parece que os procedimentos de facturação das entidades prestadoras tivessem sofrido subitamente qualquer alteração, se exceptuarmos a entidade à qual a mesma passou a ser remetida. Porém, o sistema de controlo interno da instituição EPE era, muito provavelmente, diferente. Daí resultou a identificação e correcção de erros em 37% das facturas recebidas.
Essas correcções impediram pagamentos indevidos em valor correspondente a 50% dos valores de facturação remetidos à instituição.
Outras informações relevantes se obtiveram, que foram remetidas às entidades competentes para conveniente análise e tratamento.
Para melhor apreensão da importância do que acabo de referir, valerá a pena dizer que a dimensão económica da subcontratação de MCDT a nível nacional é superior a 1000 milhões de euros.
O exposto é suficiente para evidenciar a importância de um sistema de controlo interno mais eficaz.
Sem prejuízo de iniciativas de maior amplitude, que eventualmente podem acarretar mais-valias importantes, é indispensável o reconhecimento das que já foram implementadas em algumas organizações de forma simples e consistente, com os recursos existentes e com os resultados evidenciados. Como também a sua divulgação e estímulo à respectiva replicação.
Em minha opinião, esse reconhecimento e divulgação revestem-se de especial importância por contribuírem para uma cultura de rigor e qualidade, de transparência e de vontade de decisão que urge estimular.
Nuno Morujão, Tempo de Medicina 26.06.08