Seis meses e três erros
A percepção que existe, hoje, é de que a contestação faz o Governo recuar
Não resisto à vaidadezinha da autocitação do que escrevi há quinze dias: "Os resultados [das directas] no PSD vão ser (basicamente) irrelevantes para a vitória (ou derrota) do PS nas eleições de 2009. O que importa é a taxa de crescimento da economia no final do ano".
Em finais de Fevereiro, a SEDES (mais uma citação, desta vez com tristeza e sem vaidade) alertava para "um mal-estar difuso, que alastra e mina a confiança". E que "o mal-estar e a degradação da confiança, a espiral em que o regime parece mergulhado", a não ser atalhada, fará emergir, "mais cedo ou mais tarde, uma crise social de contornos difíceis de prever". Infelizmente, acabámos de experimentar uma amostra do que pode ser essa crise.
Até há seis meses, a vitória e mesmo a maioria absoluta do PS de Sócrates estavam garantidas. Hoje ninguém sabe, e até há quem aposte na contrária.
Até há meses atrás, Sócrates teria uma vitória fácil contra Ferreira Leite. Esta, como responsável no Ministério das Finanças, primeiro como secretária de Estado e depois como ministra, nunca deixou de preferir disfarçar os problemas a resolvê-los. O PS tem, nesta área, argumentos e resultados arrasadores. Como ministro da Educação também não tem currículo que se assemelhe aos resultados deste Governo. Num frente-a-frente com Ferreira Leite, Sócrates teria uma vitória esmagadora, há seis meses.
Hoje, tudo parece ter mudado. Em boa verdade, a actual subida dos combustíveis e dos bens alimentares, a estagnação em que o país parece voltar a mergulhar... têm origem, antes de mais, nos mercados internacionais. Mesmo a contestação nas estradas é, em boa medida, um fenómeno importado. O Governo pouco ou nada pode fazer sobre isso. Nem, basicamente, deve. O que fizer é tarefa impossível e será, em último caso, apenas mais uma factura a prazo para os consumidores pagarem. Poderá minimizar alguns dos seus efeitos mais nefastos, mas também aqui se deveria cingir a pessoas e estratos socialmente mais débeis. Nada de subsidiar empresas, directa ou indirectamente.
Como as pessoas não são ignorantes, porquê a barafunda desta semana? Exactamente porque não ignoram aqueles factos, nem ignoram três outros factos (inter-relacionados) em que o Governo perdeu a mão à situação desde há uns seis meses.
Primeiro, face aos problemas que iam surgindo, adoptou a estratégia de negar a evidência. O PS respondeu à SEDES apelidando a sua tomada de posição de "tremendista" (e o PSD não fez muito melhor, diga-se). E, já anteriormente, em finais de Dezembro, o Governo chegou a declarar o fim da crise, nomeadamente orçamental, apesar dos indícios claros de que a situação se estava a deteriorar tanto dentro de portas como internacionalmente. Errou e perdeu credibilidade.
Segundo, lá por Janeiro, o Governo entrou em pré-campanha eleitoral. E, claro, começou a cortar as arestas às reformas. Já tinha cedido em várias áreas, mas tudo fica mais claro com a saída de Correia de Campos e o volte-face na educação. A percepção que existe, hoje, é de que a contestação faz o Governo recuar, mesmo quando as reformas estão, genericamente, correctas. Esta percepção é fatal e dá ânimo a novas manifestações quando não à violência e à arruaça. Ganha quem barafustar mais. Nos protestos de rua, a concorrência é selvagem e desenfreada. Errou ao pensar que, cedendo nas reformas, acalmava os protestos quando apenas incita outros noutras áreas.
Por último, o Governo desperdiçou na baixa de impostos a ínfima margem de manobra que poderia ter. Esperar que o nevoeiro passasse era a mais elementar regra de prudência face aos fortes indícios de deterioração da situação económica. Baixar impostos foi sinalizar que há dinheiro para gastar. Errou ficando sem margem de manobra e perdendo o argumento de que não há recursos.
Três erros que podem custar caro a todos nós. E ao PS podem vir a custar as eleições. Mas, para argumentar que o PS de Sócrates pode perder as eleições, nem nos referimos ao PSD de Ferreira Leite. É apenas um acidente de percurso. A crise internacional e os erros de estratégia fazem o resultado. No entanto, não se pense que o PSD é totalmente irrelevante, a vitória do PSD poderá não cair, necessariamente, do céu. Ferreira Leite ainda vai ter que dar entrevistas sobre assuntos sérios. Será que daqui a seis meses tudo está, novamente, ao contrário? Professor universitário
Luís Campos e Cunha, JP 13.06.08
Não resisto à vaidadezinha da autocitação do que escrevi há quinze dias: "Os resultados [das directas] no PSD vão ser (basicamente) irrelevantes para a vitória (ou derrota) do PS nas eleições de 2009. O que importa é a taxa de crescimento da economia no final do ano".
Em finais de Fevereiro, a SEDES (mais uma citação, desta vez com tristeza e sem vaidade) alertava para "um mal-estar difuso, que alastra e mina a confiança". E que "o mal-estar e a degradação da confiança, a espiral em que o regime parece mergulhado", a não ser atalhada, fará emergir, "mais cedo ou mais tarde, uma crise social de contornos difíceis de prever". Infelizmente, acabámos de experimentar uma amostra do que pode ser essa crise.
Até há seis meses, a vitória e mesmo a maioria absoluta do PS de Sócrates estavam garantidas. Hoje ninguém sabe, e até há quem aposte na contrária.
Até há meses atrás, Sócrates teria uma vitória fácil contra Ferreira Leite. Esta, como responsável no Ministério das Finanças, primeiro como secretária de Estado e depois como ministra, nunca deixou de preferir disfarçar os problemas a resolvê-los. O PS tem, nesta área, argumentos e resultados arrasadores. Como ministro da Educação também não tem currículo que se assemelhe aos resultados deste Governo. Num frente-a-frente com Ferreira Leite, Sócrates teria uma vitória esmagadora, há seis meses.
Hoje, tudo parece ter mudado. Em boa verdade, a actual subida dos combustíveis e dos bens alimentares, a estagnação em que o país parece voltar a mergulhar... têm origem, antes de mais, nos mercados internacionais. Mesmo a contestação nas estradas é, em boa medida, um fenómeno importado. O Governo pouco ou nada pode fazer sobre isso. Nem, basicamente, deve. O que fizer é tarefa impossível e será, em último caso, apenas mais uma factura a prazo para os consumidores pagarem. Poderá minimizar alguns dos seus efeitos mais nefastos, mas também aqui se deveria cingir a pessoas e estratos socialmente mais débeis. Nada de subsidiar empresas, directa ou indirectamente.
Como as pessoas não são ignorantes, porquê a barafunda desta semana? Exactamente porque não ignoram aqueles factos, nem ignoram três outros factos (inter-relacionados) em que o Governo perdeu a mão à situação desde há uns seis meses.
Primeiro, face aos problemas que iam surgindo, adoptou a estratégia de negar a evidência. O PS respondeu à SEDES apelidando a sua tomada de posição de "tremendista" (e o PSD não fez muito melhor, diga-se). E, já anteriormente, em finais de Dezembro, o Governo chegou a declarar o fim da crise, nomeadamente orçamental, apesar dos indícios claros de que a situação se estava a deteriorar tanto dentro de portas como internacionalmente. Errou e perdeu credibilidade.
Segundo, lá por Janeiro, o Governo entrou em pré-campanha eleitoral. E, claro, começou a cortar as arestas às reformas. Já tinha cedido em várias áreas, mas tudo fica mais claro com a saída de Correia de Campos e o volte-face na educação. A percepção que existe, hoje, é de que a contestação faz o Governo recuar, mesmo quando as reformas estão, genericamente, correctas. Esta percepção é fatal e dá ânimo a novas manifestações quando não à violência e à arruaça. Ganha quem barafustar mais. Nos protestos de rua, a concorrência é selvagem e desenfreada. Errou ao pensar que, cedendo nas reformas, acalmava os protestos quando apenas incita outros noutras áreas.
Por último, o Governo desperdiçou na baixa de impostos a ínfima margem de manobra que poderia ter. Esperar que o nevoeiro passasse era a mais elementar regra de prudência face aos fortes indícios de deterioração da situação económica. Baixar impostos foi sinalizar que há dinheiro para gastar. Errou ficando sem margem de manobra e perdendo o argumento de que não há recursos.
Três erros que podem custar caro a todos nós. E ao PS podem vir a custar as eleições. Mas, para argumentar que o PS de Sócrates pode perder as eleições, nem nos referimos ao PSD de Ferreira Leite. É apenas um acidente de percurso. A crise internacional e os erros de estratégia fazem o resultado. No entanto, não se pense que o PSD é totalmente irrelevante, a vitória do PSD poderá não cair, necessariamente, do céu. Ferreira Leite ainda vai ter que dar entrevistas sobre assuntos sérios. Será que daqui a seis meses tudo está, novamente, ao contrário? Professor universitário
Luís Campos e Cunha, JP 13.06.08
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