Doença aguda
A que porta bater em caso de doença aguda?
«Novas realidades, novas exigências» foi o tema escolhido para as Jornadas do Hospital de Santo André. Resumindo José Manuel Silva que «as pessoas acabam por ir onde pensam ser mais bem atendidas».
Os trabalhos das Jornadas do Hospital de Santo André (HSA), em Leiria, iniciaram-se no passado dia 8 com uma mesa-redonda sobre o tema «Doença aguda — A que porta bater?», de que foram moderadores Carlos Ferreira, do Centro de Saúde de Leiria Dr. Gorjão Henriques e Helena do Vale, assistente de Medicina Interna do HSA.
«Novas realidades, novas exigências» foi o tema escolhido para as Jornadas do Hospital de Santo André. Resumindo José Manuel Silva que «as pessoas acabam por ir onde pensam ser mais bem atendidas».
Os trabalhos das Jornadas do Hospital de Santo André (HSA), em Leiria, iniciaram-se no passado dia 8 com uma mesa-redonda sobre o tema «Doença aguda — A que porta bater?», de que foram moderadores Carlos Ferreira, do Centro de Saúde de Leiria Dr. Gorjão Henriques e Helena do Vale, assistente de Medicina Interna do HSA.
Sustentando a oportunidade do tema, Carlos Ferreira referiu que se entrou num período de «suavização do debate, mas as respostas continuam por dar», enquanto pela desorganização se culpam ora cuidados de saúde primários, ora hospitais, ora mesmo os utentes.
Apresentando uma perspectiva do centro de saúde, António Rodrigues, recém-saído da Missão para os Cuidados de Saúde Primários, esclareceu que «não há uma só resposta e nem há, seguramente, soluções mágicas». Numa matéria de «discussão conturbada em todos os sistemas de Saúde», o que tem de existir é «soluções que, no essencial, façam uma boa leitura do contexto e das necessidades, e uma adequação de serviços».
Este médico não tem dúvidas de que «a esmagadora maioria dos casos de doença aguda deve ser dos cuidados primários», mas em vez da «sapização» — «uma bizarria do sistema português que data de 1983», um «ponto de socorro ou uma loja de conveniência», uma «replicação de Urgência», chamar-lhe-ia — entende que a eficácia desta resposta está no «verdadeiro acesso ao médico de família».
Para além do conceito de intersubstituição — com cada médico a garantir o seu ficheiro de utentes, mas com uma escala interna para suprir eventuais ausências —, António Rodrigues defendeu a formação do médico de família para a aquisição de competências em suporte básico e avançado de vida e em trauma, para assim melhor encaminhar eventuais casos. Então, a quem recorrer em doença aguda? «Em primeira instância, ao médico de família, salvo se for um enfarte do miocárdio, uma tromboembolia pulmonar ou um grande politraumatizado, pois nesse caso é melhor que o médico não atrapalhe o processo», respondeu.
Importância da triagem
«No essencial, estamos de acordo, mas durante este tempo todo o diálogo nunca aconteceu», responderia, na perspectiva hospitalar, Luís Lopes, responsável pela área «laranja» na Urgência do Hospital de S. João (Porto). Distinguindo as emergências e as urgências, que devem ser encaminhadas para os serviços hospitalares, das doenças agudas não urgentes, o médico constatou que muitas destas últimas estão erradamente a ser atendidas na Urgência, «empatando tempo e meios que deviam ser aplicados nos doentes urgentes». Daí a importância dos sistemas de triagem, frisou. «Não vamos fechar as portas, pelo menos sem criar soluções alternativas», disse.
A Urgência do Hospital de S. João faz, segundo Luís Lopes, uma média de 430/440 atendimentos diários e, dos cerca de 40 mil doentes atendidos no primeiro trimestre, a grande maioria não eram urgentes. «Que doentes queremos à nossa porta? Urgentes, claramente emergentes e doentes referenciados. Tendo a certeza, porém, de que a porta estará aberta 365 dias por ano e 24 horas por dia, e ninguém sai sem ser atendido, a menos que queira», sublinhou.
O doente que pressente uma patologia aguda, seja urgente ou não urgente, onde é que se deve dirigir? Para José Manuel Silva, colocando-nos no papel do doente, a resposta é óbvia: «O doente vai onde considera ser mais bem atendido e vai ser sempre assim, independentemente das regras que se introduzirem no sistema, a menos que as coisas sejam feitas a chicote e com proibições.»
No entender do presidente do Conselho Regional do Centro (CRC) da Ordem do Médicos, «o doente deve, de alguma forma, poder escolher onde se dirige». Ainda assim, e para que tudo funcione como em outros países da Europa, é necessário que o nível cultural médio da população permita escolhas acertadas em função das necessidades, e também que haja «uma total acessibilidade do cidadão ao seu médico», como acontece na Alemanha.
jornalista, ALICE OLIVEIRA
«Esquizofrenia da redução de custos»
José Manuel Silva falou da importância de uma rede de referenciação do doente urgente, que crie alguma ordem no sistema e oriente os doentes para as portas correctas. Em todas as reformas, porém, «a esquizofrenia da redução de custos levará inexoravelmente ao aumento» destes, «porque não se aposta na qualidade e isso em Saúde tem consequências. Se as pessoas não têm uma resposta adequada hoje, vão precisar de uma maior resposta amanhã», sublinhou.
«A grande aposta, a primeira e a central, deve ser a dos cuidados de saúde primários, a porta onde os cidadãos devem bater, e é para aí que devemos canalizar a maioria dos recursos. Mas, como sabemos, a reforma dos cuidados de saúde primários tem decorrido com avanços e recuos», afirmou.
Mais doentes na Urgência e cada vez mais graves
«Ao contrário do que dizem muitos responsáveis da Saúde, o fluxo de doentes à Urgência é cada vez maior e com patologias mais graves», disse José Manuel Silva, frisando que os recursos humanos são insuficientes e que as próprias organizações hospitalares não estão preparadas para dar resposta.
O médico do Serviço de Urgência dos HUC relacionou este problema não só com os cuidados de saúde primários, mas também com a reforma ao nível dos cuidados continuados que, disse, «está a ser feita, mais uma vez, sem fazer prevalecer a qualidade». Muitas das camas destes cuidados foram «roubadas» a cuidados de agudos, disse, lembrando que «em 1991 existiam, a nível nacional, 3231 camas nos centros de saúde que fecharam» e alguns hospitais concelhios também deixaram de responder a cuidados de agudos para passar a prestar cuidados continuados. «Tudo isto tem consequências na Urgência hospitalar», referiu, exemplificando que «não podem ser internados doentes agudos em Cantanhede» e que «a rede de cuidados continuados está absolutamente saturada, com meses de espera».
«Há cada vez menos resposta nos cuidados agudos de proximidade e nós temos de ter solução para os doentes nos hospitais centrais. Como os hospitais não estão dimensionado na sua organização interna e na distribuição de camas — e falo dos HUC, que conheço —, para dar resposta a esta procura é nos serviços de Urgência que acaba por recair o problema», explicou, concluindo que «a desorganização total do sistema contribui para a desorganização dos serviços de Urgência».
O problema começa nas faculdades
A internista Helena do Vale lembrou aos presentes a importância da formação, a preparação dos médicos para lidarem com doença aguda. Afinal, «no Serviço de Urgência toda a gente tem de saber ver electrocardiogramas». Por isso José Manuel Silva sustentou que «os problemas começam, de facto, nas faculdades de Medicina, que não sabem qual é a sua missão e nunca discutiram que tipo de licenciados querem formar».
No entender do presidente do CRC da Ordem dos Médicos, antes de se preocuparem em formar especialistas em 50 áreas, as faculdades deviam orientar-se para, «primeiro, formar clínicos gerais, segundo emergencistas». Confrontados com uma situação de emergência, «muitos médicos não sabem o que hão-de fazer e nessa altura não há tempo para estudar». Dando como exemplo a sua experiência de médico com formação no INEM, José Manuel Silva considerou que se anda a «duplicar formação porque as faculdades de Medicina não nos formam convenientemente como clínicos gerais e não sabemos nada de emergência. Há coisas que têm de começar a mudar desde a licenciatura».
Luís Lopes aproveitou para dizer que o facto de o seu serviço (no HSJ) se ter organizado como um serviço de Urgência dedicado, com quadro próprio, permitiu a apresentação de uma proposta de formação à Faculdade de Medicina do Porto. Actualmente, no âmbito da cadeira de Medicina, são muitos os alunos de 6.º ano profissionalizante que passam por aquele serviço para formação teórico-prática. A procura tem sido significativa, precisamente porque, referiu, «muitos notavam a lacuna, o saber tudo sobre as doenças e depois não saber como lidar perante situações agudas».
TEMPO MEDICINA 19.05.08
Apresentando uma perspectiva do centro de saúde, António Rodrigues, recém-saído da Missão para os Cuidados de Saúde Primários, esclareceu que «não há uma só resposta e nem há, seguramente, soluções mágicas». Numa matéria de «discussão conturbada em todos os sistemas de Saúde», o que tem de existir é «soluções que, no essencial, façam uma boa leitura do contexto e das necessidades, e uma adequação de serviços».
Este médico não tem dúvidas de que «a esmagadora maioria dos casos de doença aguda deve ser dos cuidados primários», mas em vez da «sapização» — «uma bizarria do sistema português que data de 1983», um «ponto de socorro ou uma loja de conveniência», uma «replicação de Urgência», chamar-lhe-ia — entende que a eficácia desta resposta está no «verdadeiro acesso ao médico de família».
Para além do conceito de intersubstituição — com cada médico a garantir o seu ficheiro de utentes, mas com uma escala interna para suprir eventuais ausências —, António Rodrigues defendeu a formação do médico de família para a aquisição de competências em suporte básico e avançado de vida e em trauma, para assim melhor encaminhar eventuais casos. Então, a quem recorrer em doença aguda? «Em primeira instância, ao médico de família, salvo se for um enfarte do miocárdio, uma tromboembolia pulmonar ou um grande politraumatizado, pois nesse caso é melhor que o médico não atrapalhe o processo», respondeu.
Importância da triagem
«No essencial, estamos de acordo, mas durante este tempo todo o diálogo nunca aconteceu», responderia, na perspectiva hospitalar, Luís Lopes, responsável pela área «laranja» na Urgência do Hospital de S. João (Porto). Distinguindo as emergências e as urgências, que devem ser encaminhadas para os serviços hospitalares, das doenças agudas não urgentes, o médico constatou que muitas destas últimas estão erradamente a ser atendidas na Urgência, «empatando tempo e meios que deviam ser aplicados nos doentes urgentes». Daí a importância dos sistemas de triagem, frisou. «Não vamos fechar as portas, pelo menos sem criar soluções alternativas», disse.
A Urgência do Hospital de S. João faz, segundo Luís Lopes, uma média de 430/440 atendimentos diários e, dos cerca de 40 mil doentes atendidos no primeiro trimestre, a grande maioria não eram urgentes. «Que doentes queremos à nossa porta? Urgentes, claramente emergentes e doentes referenciados. Tendo a certeza, porém, de que a porta estará aberta 365 dias por ano e 24 horas por dia, e ninguém sai sem ser atendido, a menos que queira», sublinhou.
O doente que pressente uma patologia aguda, seja urgente ou não urgente, onde é que se deve dirigir? Para José Manuel Silva, colocando-nos no papel do doente, a resposta é óbvia: «O doente vai onde considera ser mais bem atendido e vai ser sempre assim, independentemente das regras que se introduzirem no sistema, a menos que as coisas sejam feitas a chicote e com proibições.»
No entender do presidente do Conselho Regional do Centro (CRC) da Ordem do Médicos, «o doente deve, de alguma forma, poder escolher onde se dirige». Ainda assim, e para que tudo funcione como em outros países da Europa, é necessário que o nível cultural médio da população permita escolhas acertadas em função das necessidades, e também que haja «uma total acessibilidade do cidadão ao seu médico», como acontece na Alemanha.
jornalista, ALICE OLIVEIRA
«Esquizofrenia da redução de custos»
José Manuel Silva falou da importância de uma rede de referenciação do doente urgente, que crie alguma ordem no sistema e oriente os doentes para as portas correctas. Em todas as reformas, porém, «a esquizofrenia da redução de custos levará inexoravelmente ao aumento» destes, «porque não se aposta na qualidade e isso em Saúde tem consequências. Se as pessoas não têm uma resposta adequada hoje, vão precisar de uma maior resposta amanhã», sublinhou.
«A grande aposta, a primeira e a central, deve ser a dos cuidados de saúde primários, a porta onde os cidadãos devem bater, e é para aí que devemos canalizar a maioria dos recursos. Mas, como sabemos, a reforma dos cuidados de saúde primários tem decorrido com avanços e recuos», afirmou.
Mais doentes na Urgência e cada vez mais graves
«Ao contrário do que dizem muitos responsáveis da Saúde, o fluxo de doentes à Urgência é cada vez maior e com patologias mais graves», disse José Manuel Silva, frisando que os recursos humanos são insuficientes e que as próprias organizações hospitalares não estão preparadas para dar resposta.
O médico do Serviço de Urgência dos HUC relacionou este problema não só com os cuidados de saúde primários, mas também com a reforma ao nível dos cuidados continuados que, disse, «está a ser feita, mais uma vez, sem fazer prevalecer a qualidade». Muitas das camas destes cuidados foram «roubadas» a cuidados de agudos, disse, lembrando que «em 1991 existiam, a nível nacional, 3231 camas nos centros de saúde que fecharam» e alguns hospitais concelhios também deixaram de responder a cuidados de agudos para passar a prestar cuidados continuados. «Tudo isto tem consequências na Urgência hospitalar», referiu, exemplificando que «não podem ser internados doentes agudos em Cantanhede» e que «a rede de cuidados continuados está absolutamente saturada, com meses de espera».
«Há cada vez menos resposta nos cuidados agudos de proximidade e nós temos de ter solução para os doentes nos hospitais centrais. Como os hospitais não estão dimensionado na sua organização interna e na distribuição de camas — e falo dos HUC, que conheço —, para dar resposta a esta procura é nos serviços de Urgência que acaba por recair o problema», explicou, concluindo que «a desorganização total do sistema contribui para a desorganização dos serviços de Urgência».
O problema começa nas faculdades
A internista Helena do Vale lembrou aos presentes a importância da formação, a preparação dos médicos para lidarem com doença aguda. Afinal, «no Serviço de Urgência toda a gente tem de saber ver electrocardiogramas». Por isso José Manuel Silva sustentou que «os problemas começam, de facto, nas faculdades de Medicina, que não sabem qual é a sua missão e nunca discutiram que tipo de licenciados querem formar».
No entender do presidente do CRC da Ordem dos Médicos, antes de se preocuparem em formar especialistas em 50 áreas, as faculdades deviam orientar-se para, «primeiro, formar clínicos gerais, segundo emergencistas». Confrontados com uma situação de emergência, «muitos médicos não sabem o que hão-de fazer e nessa altura não há tempo para estudar». Dando como exemplo a sua experiência de médico com formação no INEM, José Manuel Silva considerou que se anda a «duplicar formação porque as faculdades de Medicina não nos formam convenientemente como clínicos gerais e não sabemos nada de emergência. Há coisas que têm de começar a mudar desde a licenciatura».
Luís Lopes aproveitou para dizer que o facto de o seu serviço (no HSJ) se ter organizado como um serviço de Urgência dedicado, com quadro próprio, permitiu a apresentação de uma proposta de formação à Faculdade de Medicina do Porto. Actualmente, no âmbito da cadeira de Medicina, são muitos os alunos de 6.º ano profissionalizante que passam por aquele serviço para formação teórico-prática. A procura tem sido significativa, precisamente porque, referiu, «muitos notavam a lacuna, o saber tudo sobre as doenças e depois não saber como lidar perante situações agudas».
TEMPO MEDICINA 19.05.08
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