domingo, junho 29, 2008

Saúde da visão

E a cegueira da direcção da OM

Após as últimas eleições, infelizmente, nada mudou na direcção da Ordem dos Médicos. A prática preconceituosa autocrática de opinar, sem estudar ou reflectir ou sequer ouvir os médicos sobre os graves problemas de saúde e de doença das populações portuguesas, é uma péssima rotina a que o actual bastonário nos habituou.
A intervenção do dr. Pedro Nunes e do seu acólito para a Oftalmologia, colega Esperancinha, a propósito do escândalo público da ruptura de cuidados oftalmológicos no nosso país, revelada pela procura externa de cirurgias e pela intervenção de colegas estrangeiros em Portugal, é uma vergonha para a classe médica e denota falta de seriedade, carácter e sentido ético.
A OM tinha e tem a obrigação de intervir na definição da política nacional de Saúde e nas políticas sectoriais como é o caso da saúde da visão e, consequentemente, tem a obrigatoriedade ética de participar de forma pró-activa no diagnóstico de situação das necessidades de cuidados de saúde e de apresentar atempadamente propostas a todos os níveis técnico-científicos e, em particular, sobre os recursos médicos, sua formação e actualização.
Na perspectiva neoliberal de desmantelamento, em proveito de alguns, do SNS, a leitura é feita de uma forma prosaica. O mercado nacional da doença oftalmológica instalada sofreu um grave acidente ou perturbação com a intromissão de novos produtores de cuidados externos e vindos de fora, o que levou ao abaixamento dos preços e quebrou a estrutura instalada, abrindo a porta do negócio a outras entidades como as misericórdias, que se propõem fazer nova rebaixa nos preços. É concorrência, dizem estes senhores.
E o bem público da saúde da visão dos portugueses não merecia outra postura ética?
A política de saúde da visão não existe em Portugal e a responsabilidade primeira vai para os governos e seus gabinetes ministeriais da Saúde. Trata-se de uma problema magno da nossa sociedade que se estende desde a saúde infantil e escolar até à saúde dos idosos, passando pela saúde da visão dos diabéticos e dos trabalhadores. Como problema abrangente ao longo da vida não é necessariamente exclusivo dos oftalmologistas, ainda que a estes caiba o papel principal. A OM deveria dar um contributo essencial à definição e aplicação de uma política nacional da visão ao juntar diversas especialidades que, conjuntamente, poderiam concorrer para estudar, propor e acompanhar as saídas necessárias para o problema. Desde a Pediatria à Saúde Pública, passando pela Medica Interna e Medicina do Trabalho, todos podem e devem apresentar os seus contributos conjuntamente com os oftalmologistas. De notar que neste campo existem outros profissionais, como enfermeiros e técnicos especialistas, que em equipa organizada, não paternalista, podem dar um contributo indesperdiçável.

Que fizeram os dirigentes da OM?
Que fizeram os dirigentes da OM neste campo como noutros? Nada. Desde há muito tempo que esta especialidade é insuficiente nos serviços públicos, não só no atendimento em consulta como nas intervenções técnicas mais diferenciadas, sem alguma vez ter sido feito algum estudo ou proposta de alteração. Desde há muito tempo que é do conhecimento geral a baixa produção da actividade corrente de muitos serviços de Oftalmologia sem qualquer denúncia ou contestação por parte dos colegas. Desde há muito que é conhecida a leitura política de que a escassez de profissionais associada ao fraco desempenho institucional era favorável ao exercício privado complementar por parte de diversos oftalmologistas.
Perante algumas denúncias públicas intempestivas de baixo desempenho institucional dos oftalmologistas nos últimos anos, os actuais dirigentes da OM com alguns colegas do colégio de especialidade intentaram, já cilhas passadas, e em jeito de desculpa de mau pagador, apontar as múltiplas dificuldades e deficiências reais existentes nos serviços públicos.
É escandaloso que o programa de vigilância da saúde da visão dos mais de 300 000 mil diabéticos, definido há anos, esteja por executar em grande parte do País. É escandaloso que apesar do valioso contributo dos serviços privados que prestam mais de 60% dos cuidados oftalmológicos, os serviços públicos não respondam às necessidades, neste caso as restantes, dos doentes com maiores dificuldades de acesso.
O problema da visão na escola e no trabalho, na sua fase de abordagem primária, muito dificilmente tem saída para um encaminhamento especializado no sistema público.

Números
Nos cuidados primários de saúde o número de especialistas variou de 24 para 21 entre 2000 e 2006. Nos hospitais do continente o número de oftalmologistas tem baixado continuamente neste milénio. Dos 461 existentes em 2000, descemos para 416 em 2006, menos cerca de 10% (-45), no entanto a produção de consultas externas progrediu em mais de 25%, passando de 484 446 em 2000 para 607 151 em 2006 (+122 705), o que temos de reconhecer é um progresso relativo notável. Desconhecemos se estas duas tendências se mantiveram no ano de 2007.
Vendo mais em pormenor, verificamos que em 2000, nos hospitais centrais, nos distritais e nos especializados, o número de consultas ano por médico rondava as mil, 989, 1152 e 1063 respectivamente. Cerca de 5 consultas/dia, 25 por semana, para 200 dias de trabalho/ano.
Já em 2006 o número de consultas por ano e por médico subiu, mas de forma desigual, nos hospitais centrais, distritais e de especialidade, com 1362, 1758 e 1066, respectivamente. De notar que os hospitais distritais são os que mais perdem oftalmologistas (-32) e onde mais aumenta a produção, 9 consultas/dia, 45/semana, por especialista, enquanto os hospitais da especialidade ganham mais 12 profissionais nestes sete anos em estudo e não alteram o ritmo da produção em relação ao ano 2000.

Soluções
Como sair da presente situação sem obrigatoriamente premiar os responsáveis directos pelo estado actual de coisas e com uma visão estratégica, pertinente e adequada?
Primeiro há que criar as condições organizativas e técnicas para aumentar radicalmente a produção em oftalmologia. Soluções mais ou menos taylorisadas, de produção em cadeia com economias de escala, e o reforço tecnológico podem e devem ser analisadas.
Como se vê os nossos serviços públicos podem e devem aumentar a produção com melhorias internas de efectividade. As tentativas de atacar as listas de espera com incentivos à produção extraordinária nos serviços, premiando os responsáveis pelos atrasos, mostra o passado recente, nem sempre deram o resultado esperado e só desorganizaram a produção regular.
Neste momento o SNS chegou a um ponto de estar aprisionado também no campo da saúde da visão pelos prestadores privados e a OM parece capturada pelos interesses de alguns médicos e dirigentes seus.
Como Movimento Alternativo, tudo faremos para denunciar a presente situação e contribuir para a defesa da Medicina, da ética profissional e da qualidade e pertinência dos cuidados necessários, também no campo da saúde da visão.
Carlos Silva Santos, TM 30.06.08

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