terça-feira, julho 15, 2008

Luís Portela

Pensou ser monge, mas escolheu seguir o caminho do avô e do pai. Assumiu a presidência da empresa com 29 anos e transformou a Bial na mais sólida e prestigiada farmacêutica nacional, a operar também no estrangeiro. Luís Portela alia o espírito humanista a um pragmatismo racional e defende uma reforma na Saúde que garanta a sustentabilidade do sistema, sem comprometer o futuro da investigação.
Gestão Hospitalar (GH) – Que análise faz do rumo das políticas de saúde em Portugal?
Luís Portela (LP) – A Saúde precisa de uma grande reforma, portanto concordo, na generalidade, com os caminhos recentes da Saúde em Portugal. De facto, não temos recursos para ter uma maternidade em cada cidade, nem para ter serviços de urgência abertos 24 horas por dia em todas as localidades. Portanto, há que racionalizar; há que procurar soluções que sejam expeditas e que sirvam as populações apropriadamente, cientes de que para uma unidade de saúde para funcionar apropriadamente tem de ter equipamentos, profissionais e movimento que justifique os investimentos que ali são feitos.
Nos últimos anos, na minha opinião, tem falhado a forma de comunicar. E quando as pessoas não percebem, quando não lhes é explicado convenientemente o que estão a fazer, é difícil implementar. Fica, pois, difícil ajustar ou reajustar de acordo com os interesses globais da população ou com os interesses dos sectores.
Mas as reformas são necessárias e têm de continuar. Os sistemas de Saúde europeus estão desactualizados. Hoje não há recursos para cumprir o que foi prometido aos europeus de uma forma geral: saúde de graça. Não é realista que a Saúde seja oferecida.
Hoje pede-se, exige-se, e espera-se qualidade. Felizmente, a Saúde conseguiu níveis de qualidade notáveis ao longo das últimas décadas. A esperança média de vida foi drasticamente aumentada. Mas os últimos anos de vida correspondem a períodos de grande consumo de medicamentos, de camas hospitalares, de serviços de Saúde em geral e esses mesmos serviços de Saúde não foram montados para responder a tudo isso. É preciso reformar e actualizar o sistema.

GHNum cenário de reformas, partindo das actuais e para as que, como defende, têm de ser tomados no futuro, como analisa a relação entre o Estado e a Indústria?
LP – O Estado, quando paga bastante, tem o direito de exigir – de exigir qualidade e, no caso dos novos medicamentos, de exigir diferenciação e a justificação de que se trata de mais-valias.
Agora, penso que esse diálogo deve ser racional e construtivo. Essa abordagem não pode ser usada para evitar a entrada de novas soluções terapêuticas. A comunidade precisa de novos medicamentos e é a Indústria Farmacêutica que tem capacidade para investir e criar novas respostas.
Nas últimas décadas, na Europa, a Indústria viuse confrontada com situações de obrigatoriedade de preços baixos. A má rentabilidade da Indústria europeia tem consequências no investimento em inovação. Hoje, a Indústria norte-americana é líder do sector farmacêutico. Há vinte anos, a Indústria norte-americana tinha, apenas, 27-28 por cento do mercado mundial e hoje tem 50 por cento. A indústria dos Estados Unidos tomou conta do mercado porque tem regimes muito mais liberais. Com margens claramente superiores pode apostar em investigação e desenvolvimento. Hoje, têm mais novas moléculas e mais novos medicamentos para oferecer ao mundo. Nos Estados Unidos gerou-se, sobretudo a partir da década de 90, um círculo virtuoso de novas soluções na área do medicamento, por oposição à Europa. Há duas décadas, eram as empresas europeias que tinham mais novos medicamentos mas neste momento são claramente as norte-americanas.
É necessário que as autoridades europeias sejam cuidadosas e racionais nas soluções. Por um lado é necessário controlar o orçamento mas, por outro, é necessário deixar espaço às empresas farmacêuticas para que possam continuar a investir.

GHOs Estados Unidos podem ser mais liberais porque o sistema exclui milhões de pessoas. Acha que os europeus ao lutarem para manter um serviço de saúde universal e equitativo, vão asfixiar a indústria europeia obrigando-a a enveredar pelo negócio dos genéricos?
LP
– Seria muito mau para a Europa e para o mundo se a Indústria europeia tivesse de abdicar da investigação de novas soluções terapêuticas. A humanidade precisa de encontrar a cura para o cancro, para a hipertensão e para muitas doenças do sistema nervoso central, entre outras. A indústria precisa investir e seria muito mau se, na Europa, tivéssemos de abdicar da investigação para produzir cópias.
Admiro muito a forma como os europeus se organizaram, com mais humanismo - e isso não deve ficar para trás. Agora temos que assumir algum pragmatismo e rever os critérios de Justiça. Quando não há recursos para todos, porque razão é que os mais ricos têm de ser atendidos de graça e ter medicamentos grátis? Não há dinheiro para tanto. Se não mudarmos o critério de Justiça, sufocamos o sistema. Vamos perder qualidade, quer nas soluções tradicionais quer sobretudo nas novas soluções. Simplesmente não vamos tê-las.

GH Qual é para si a solução?
LP – A lógica de sistemas de Saúde com alta comparticipação do Estado é algo que só existe na Europa. Não tenho uma solução no bolso. Gostaria que fosse feito o caminho do meio – que se conseguisse encontrar uma solução humanamente rica, como a europeia, mas dotada de algum pragmatismo, isto é que trouxesse alguma diferenciação: quem tem mais tem de pagar mais. Definitivamente acabaria com a Saúde de graça, acabaria com esse mito. O que é de graça não é valorizado. Na área do medicamento, para que este seja valorizado, para que as pessoas parem de deixar os medicamentos a apodrecer, para ser valorizado e utilizado de forma racional o medicamento deve ser pago, nem que seja só 5 por cento. Mas deve ser pago.

GHPara todos os doentes e para todas as doenças?
LP – Sim para todos. A alimentação é gratuita? Porque é que o pão não é de graça e o medicamento tem de ser? As pessoas precisam mais de medicamentos do que de pão?
O pão poderá ter algum preço político, mas a tendência da União Europeia é a de libertar-se do preço político dos bens alimentares. Porque é que no medicamento há-de ser diferente?

GHE a protecção social?
LP – Deve ser encontrada uma solução equilibrada, que ofereça segurança através dos serviços garantidos pelo sistema, mas pagando-se sempre alguma coisa – pagando mais que pode mais e menos quem pode menos.
Na minha opinião, a Europa deve desenvolver um sistema em que os mais ricos se asseguram através de um seguro apropriado. Assim, quando tiverem de recorrer aos serviços, a factura não é demasiado alta. O que eu vejo é uma solução mista, que reúna características do que é feito nos Estados Unidos e no Canadá e na Europa. Acredito na solução do meio. Penso que não só a América do Norte, mas também a Europa e o resto do mundo vão tender para um sistema destes – que não seja demasiado benévolo para com o utente, chamando-o a assumir a sua responsabilidade, de forma pragmática que permita a aposta na qualidade.
Em meio século, a esperança média de vida dos europeus saltou de 42 para 79 anos. É fantástico, mas se queremos continuar a dar às populações mais e melhor vida…

GH Esses anos de vida ganhos são hoje um peso brutal para o sistema, porque são anos de grande consumo. Temos mais doentes crónicos do que nunca e o desafio hoje é oferecer qualidade de vida …
LP – Existem situações terapêuticas que estão mal resolvidas. Se houver uma terapêutica curativa, em vez de uma paliativa ou até preventiva, essas situações são revolvidas. As vantagens económicas dessas soluções terapêuticas são muito superiores àquilo que se paga hoje. Enquanto não houve anti-ulcerosos, as pessoas sofriam anos a fio, faltavam ao trabalho - semanas, meses, anos. Hoje, estes medicamentos são vulgares e ninguém se lembra disso.

GHMas a Indústria está a ser acusada de apostar em nichos terapêuticos. A investigação não investe em salvar ou tratar mas em acrescentar apenas alguns meses de vida, com ganhos difíceis de quantificar e a um preço altíssimo. Como presidente da Bial, como vê estas escolhas da Indústria?
LP – Com muita tranquilidade até porque nós, Bial, não temos nenhuma linha de investigação nessas áreas. Mas olho para elas com muito respeito. Ao longo da história da Medicina e da Farmacologia houve soluções que surgiram de repente. Mas, por detrás desse ‘de repente’ esteve muito trabalho, muitos anos, muitas vezes procurando soluções que não tinham nada que ver com aquilo que veio a ser produzido, mas que conduziu a uma descoberta importantíssima. Outras vezes, o trabalho é feito de forma progressiva – começa por algo que é paliativo, depois, por aproximações consecutivas, encontra- se uma solução definitiva: a cura.
Ganhar seis meses ou um ano, ou dois, de vida é muito importante, sobretudo quando é connosco ou com os nossos. Quando é com o doente X é fácil cortar verbas, porque é só mais um. Mas se for a nossa mãe, o nosso pai, um filho ou nós próprios, aí esses seis meses têm muito valor. Depois, a questão do tempo de sobrevida é relativo. Existem pessoas à partida que não teriam mais do que seis meses de vida e estão aí há anos. Portanto, todo o esforço que tem sido feito no sentido de encontrar melhores soluções, ainda que pouco melhores, são louváveis. Normalmente prepararam o caminho para chegarmos a soluções definitivas.

GH Mas, para já, essas soluções são tão caras que podem levar à ruptura do sistema. E quando hoje é o próprio doente a pressionar o sistema, porque está mais informado e é mais exigente…
LP – Feitas as contas, se o Estado acha que para dar mais meio ano de vida ao doente não deve comparticipar na totalidade então que comparticipe a 80, 60, a 40 por cento... Reveja o sistema para que as pessoas continuem a ter acesso, em situações diferenciadas.

GHConsidera que uma lógica de retorno económico é eticamente aceitável? A relação custo/benefício deve privilegiar os doentes que podem devolver o investimento, voltando à vida activa, o que não acontece com um doente com 70 anos…
LP – Se os teóricos do sistema se juntarem e discutirem, mais cedo ou mais tarde vão encontrar fórmulas razoáveis para a generalidade da população. O técnico, o economicista, que no seu gabinete corta verbas para alguém que tem 80 anos… acha que terá a mesma postura se for para a avó ou para a mãe dele? Mas também é verdade que não podemos dar tudo a todos. Há que encontrar soluções racionais e implementá-las com coragem política. Há quem a tenha.
O governo português teve uma enorme coragem para fazer uma reforma de fundo na Segurança Social. E conseguiu conquistar a população para aceitá-la. Aqueles que estão melhor remunerados - e que nos próximos anos entrarem na reforma - vão ter condições claramente inferiores. Os portugueses aceitaram porque a mensagem passou.
Na Saúde vai ter de acontecer o mesmo. Em Portugal e no resto da Europa, alguém tem de ter a coragem política de anunciar: “Não podemos continuar. Este sistema leva-nos por um caminho que compromete o nível de qualidade a que nos habituamos. Temos de reformular o sistema e temos todos de pagar mais”.

GHMas o governo afirma que os cortes que têm sido feitos visam entre outras coisas, garantir a sustentabilidade do sistema. Que não se trata de racionar…
LP – Mas na área do medicamento foi o que acabou por acontecer. Há cerca de 10 anos que não há um tostão de aumento nos medicamentos e temos tido cortes sucessivos dos preços. Eu não acredito em milagres. As empresas que têm cortes sucessivos perdem margens e lá se vai a capacidade de investir em novas soluções.

GH Como é que Bial tem continuado a investir numa conjuntura tão adversa?
LP – Com muita dificuldade. Estamos neste momento a vender a nossa unidade fabril e centro de investigação de Bilbau, em Espanha. Não temos condições para manter uma unidade na qual apostamos há dez anos e que tem hoje patentes a nível mundial na área da alergologia. Gostaríamos muito de continuar. Temos um trabalho notável, com investigadores notáveis, mas as medidas têm sido castrantes; têm sido cegas e não deveriam ser. Quem está a investir, quem está a procurar novas soluções deveria ser mais apoiado. Se o país aposta num plano tecnológico, e é louvável que o faça, como é que depois um membro do Governo vem dizer que, na área do medicamento, venham as cópias, venham os genéricos e cortem-se os preços aos produtos de marca. Há aqui um contra-senso muito grande.

GH - Os genéricos não são uma solução para aliviar o peso económico do sistema?
LP – Os genéricos são cópias. Começaram na Índia, na China e hoje já são produzidas por algumas companhias europeias e até algumas portuguesas, mas são cópias! São os produtos de quem não investiu um tostão em investigação e se limita a copiar o que o parceiro faz. Pergunto: porque é que em relação ao vestuário e ao calçado a Europa se procurou defender das cópias e na área do medicamento, em vez de se defender, incentivou e diz que o bom é usarmos cópias?

GHNeste caso, a Europa não olhou para as cópias não como uma ameaça mas uma vantagem económica?
LP – Há aqui um contra-senso muito grande. E porquê? O medicamento é altamente comparticipado pelo Estado. Este, por sua vez, como não tem dinheiro suficiente começa a cortar e quer produtos mais baratos. Incentivou a produção de genéricos, primeiro no Oriente, para introduzir cópias, e depois na própria Europa. Isto não é uma aposta na qualidade. Isto não é uma aposta num plano tecnológico nem na inovação. A Europa arrisca-se a perder o comboio da qualidade e da inovação. Isto é uma aposta terceiro-mundista.

GHMas a mensagem que passa, nomeadamente em campanhas recentes, é que os países desenvolvidos, como os do Norte da Europa, apostam nas cópias e que esta é uma opção racional e de qualidade…
LP – Deixe-me separar as coisas: eu não estou contra os genéricos. Sempre existiram cópias - agora chamam-se genéricos. Sempre houve espaço para eles e vai continuar a haver.
Mas há uma pergunta a ser feita: porque é que o Estado português há-de gastar o dinheiro dos seus cidadãos a promover um produto, na televisão e meios de comunicação social, porque é mais barato? Está a gastar o dinheiro dos cidadãos. Qual é a lógica? Temos um Governo que aposta num plano tecnológico e na inovação mas que, depois, aparece com um Ministério a apelar ao consumo de cópias.

GHO que falta para o Estado olhar para a investigação não como uma despesa mas como um investimento que gera riqueza?
LP – Quando não há pão todos ralham e ninguém tem razão. É esta a situação.
Na Saúde não há dinheiro. As pessoas vivem mais e os anos que vivem, a mais, são anos de grande consumo. Superou-se tudo o que tinha sido previsto pelos teóricos que montaram os sistemas de saúde. Hoje não há dinheiro e, portanto, ou se aumentam os impostos ou diz-se à população que têm de pagar mais ou, então, corta-se o preço dos produtos dos fornecedores. O caminho mais fácil, na Europa em geral e em Portugal em particular, foi baixar os preços aos fornecedores, ou seja, fazer uma política social à custa do fornecedor. Isto pode ter custos enormes para o desenvolvimento económico e tecnológico do sector da Saúde. As empresas americanas já lideram o mercado mundial. A Europa tem menos de 30 por cento.

GH Foi por tudo isto que se viu obrigado a vender o centro de Bilbau?
LP – Tivemos que vender mas vendemos muito bem, felizmente. Temos ali soluções tecnológicas para o futuro e é uma pena que não sejamos nós a explorá-las. É uma pena, mas não temos recursos para o fazer. Quando temos uma empresa nacional que investe em inovação, e de repente, por cortes no preço, se vê obrigada a vender um centro de tecnologia, renunciando a uma década de trabalho, é uma pena.

GH Como lidou com essa decisão… foi dolorosa?
LP
– Quando fui a Bilbau, chamei as 170 pessoas e expliquei-lhe porque razão tinha de abdicar daquela unidade. Durante a explicação as lágrimas escorriam-me pelo rosto… é o que posso dizer.

GH Acredita numa solução em que o Estado e a Indústria se associem, como parceiros na investigação, partilhando recursos?
LP
– Existe essa possibilidade, mas eu nunca apostaria nela. Eu aposto na iniciativa privada.
O risco no desenvolvimento do negócio, a aposta em soluções inovadoras é algo que faz parte da cultura do privado. No público há a necessidade de cumprir com rigor o orçamento e a preocupação em justificar as contas. No privado, por vezes, tem que haver espaço para uma certa dose de loucura, de risco, para conseguirmos coisas bonitas, para darmos passos em frente. Isto não faz parte da filosofia e da forma de estar do público e não me parece que deva fazer.
Esse arrojo, que tantas vezes leva empresas à falência e outras ao sucesso, não faz parte nem tem de fazer do sector público. E a prova disso é que a Saúde tem sido muito bem servida pelas empresas privadas, desde os velhos antibióticos até às mais recentes soluções na área do cancro.

GH Então o que cabe ao Estado fazer?
LP – O que faz sentido, quando existe uma aposta num plano tecnológico, é as empresas de maior dimensão serem apoiadas pelo Estado.
O que está a acontecer, agora, na Europa já aconteceu, nos finais da década de 80, nos Estados Unidos. Havia pouca inovação na área da Saúde, as companhias norte-americanas não apresentavam novas soluções e estavam a ser claramente ultrapassadas pelas europeias, que lideravam então o mercado mundial. Nessa altura, foram criados sistemas de incentivo fortíssimos. Nos primeiros anos da década de 90, o Estado norte-americano apoiou a fundo perdido 26 por cento do valor total investido em investigação e desenvolvimento. Resultado: dez anos depois, as empresas norteamericanas lideram o mundo, com novos medicamentos de grande sucesso e a conquista dos mercados. Foi um investimento semilouco que resultou bem.
Os incentivos fiscais que temos são bons mas não bastam. É necessário um conjunto de incentivos corajosos e uma política que aposte na mesma direcção. Não podemos apostar em tecnologia e ao mesmo tempo cortar nos preços. As empresas perdem a capacidade para investir.

GHMas a Bial tem conseguido fazer um percurso ímpar e distinguir-se no panorama nacional, alcançando vitórias também no mercado internacional. Qual é o segredo?
LP
– Muito trabalho, muito trabalho e muito trabalho.

GH E coragem e visão?
LP – E um pouco de loucura. Quando começámos, há 25 anos, as pessoas diziam que éramos loucos porque não fazia sentido nenhum, porque não estávamos num grande país, porque não havia tradição em investigação. Os meus colegas mais velhos, da geração do meu pai, chamavam-me e, com muito carinho, diziam-me “Oh Luís, veja lá no que se vai meter. Isso é uma loucura!”.

GHMas correu bem!
LP
– Sem dúvida. Tem dado um gozo imenso, tanto a mim, como à equipa. Tenho muita honra em ser o capitão deste grupo. Sabíamos, à partida, que estávamos a desafiar quase o impossível. Os mais pequenos ganhos já eram grandes vitórias. E foi assim, passo a passo, que fomos caminhando. Evitámos olhar muito para a frente, com grandes expectativas. Degrau a degrau, reunimos as condições suficientes para não falharmos.
Se na Finlândia, na Dinamarca, na Bélgica ou na Áustria existem empresas inovadoras, porque é que em Portugal não pode haver? Nós acreditamos nos portugueses.

GHMas a sua equipa é internacional…
LP – Hoje, a Ciência faz-se em rede. Contratámos gente de todo o mundo porque estávamos a fazer um percurso que nunca ninguém tinha feito, em Portugal. Fomos buscar os melhores para fazer o percurso da melhor maneira.

GHTem ido buscar talentos portugueses ao estrangeiro?
LP – Sim e com muita satisfação. Fomos buscar portugueses que estavam fora, em multinacionais, e que responderam aos nossos anúncios não só na área da investigação mas também noutras. Recentemente contratámos dois portugueses que estavam fora, no sector do marketing.
Gostava muito de ver as empresas nacionais a apostarem mais nos talentos nacionais e internacionais. Cerca de 64 por cento dos nossos colaboradores têm formação superior e quatro por cento tem o doutoramento. A aposta na qualidade é essencial para se obterem bons resultados. O primeiro factor de sucesso é a aposta na qualidade das pessoas.

GH Qual a maior alegria que viveu na Bial?
LP – Tenho tido momentos de grande satisfação, quer ao nível da investigação que ao nível comercial. Quando assinámos a cedência exclusiva para os Estados Unidos e Canadá do nosso antipilético, com um cheque imediato de 75 milhões de dólares e mais 100 à vista, foi um momento de grande satisfação. Depois de 15 anos a investir, vimos o retorno. Também tive momentos muito felizes sempre que fui premiado e condecorado. Não estava à espera! Mas o momento que mais me fez vibrar aconteceu ano e meio depois de assumir a presidência da companhia. Tinha 29 anos e a empresa tinha cerca de 180 pessoas. A administração foi convocada pela comissão de trabalhadores para um reunião extraordinária, o que me deixou preocupado. Havia ainda um ambiente social conturbado na sequência da revolução, ainda recente. Fiquei muito preocupado e mais fiquei quando o presidente da comissão de trabalhadores começou a ler um comunicado em que dizia que tinham estado no Ministério do Trabalho. A leitura do comunicado continuou e, às tantas, o senhor diz: “Dada a evolução da empresa nos anos mais recentes e a confiança que a actual administração nos merece, decidimos suspender a actividade da comissão de trabalhadores”. Fiquei siderado. Com a minha idade, e há tão pouco tempo na companhia, aquelas pessoas estavam a dizer-me que confiavam na administração que eu liderava de forma inequívoca.

GH Não esperava?
LP – Nada! Fizeram aquilo que forma totalmente discreta. Foi um momento de enorme vibração, inesquecível. É a minha melhor condecoração.

GH Essa coesão deve-se a quem? Como se cria esse espírito de pertença e de confiança?
LP – Tenho tido imensa sorte, porque a equipa é formada não só por excelentes técnicos, mas também por excelentes pessoas. Há mais de vinte anos a comandar a equipa, poder-se-á dizer que foi mérito meu ou da administração. Mas não, naquela altura nem isso. Estava à frente da empresa no máximo há dois anos.

GHSim, mas em muito menos poderia angariar a antipatia e desconfiança da equipa…
LP – Houve alguma sorte. Mas também é verdade que a empresa, muito antes de ser eu a liderar, sempre teve muito cuidado. Desde o tempo do meu avô e do meu pai que é assim. Na Bial acreditamos que a nossa maior riqueza são as pessoas. Os projectos, os medicamentos, as patentes são coisas fantásticas mas, de facto, a nossa grande riqueza são as pessoas.
Um ano após ter assumido a presidência da empresa, já estávamos a facturar o dobro. Isto só foi possível com uma dedicação e uma entrega muito grande das pessoas. Não tenho uma fórmula, mas penso que a vida é um “toma lá, dá cá”.
Na vida, quando de forma honesta e transparente oferecemos o melhor de nós aos outros e aos projectos, há retorno. É preciso dar para receber. As pessoas acham que só têm a obrigação de dar quando recebem a mais. Mas aí corremos o risco de achar que nunca recebemos o suficiente para começar a dar.
Na vida, as pessoas que tenho encontrado e que são mais desapegadas, que têm a paixão de oferecer o melhor de si são aquelas que realizam mais e se realizam mais. GH
GH n.º 36, entrevista de Marina Caldas

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