terça-feira, julho 15, 2008

LP, presidente da Bial

“Se as empresas investirem 5% em I&D, o PIB crescerá a 3%”

O presidente da Bial afirma que se as grandes empresas portuguesas investissem 5% da sua facturação em investigação e desenvolvimento (I&D), o PIB cresceria a 3%. Luís Portela defende que, em vez do cimento, se deve apostar no conhecimento. Por isso, questiona os projectos de novas auto-estradas e do TGV, mas, até agora, faz um balanço positivo do actual Governo.
04-07-2008, Francisco Ferreira da silva
O anti-epiléptico criado pela Bial vai ser posto no mercado no próximo ano?
Depois de 15/16 anos de investimento estamos às portas de lançar o primeiro medicamento de raiz portuguesa no mercado mundial.
É altura de começar a ter retorno.
Já começámos a ter retorno. Em Dezembro de 2007 assinámos com a Sepracor um contrato de licença exclusiva para a comercialização nos Estados Unidos e Canadá. Pagaram 75 milhões de dólares só para entrar no negócio e ao longo dos próximos dois anos vão pagar mais 100 milhões.
Em termos financeiros já vale a pena?
Ainda não. Estamos a demonstrar que em Portugal é possível desenvolver um projecto tecnologicamente inovador à escala global. Além deste, temos mais cinco produtos patenteados em todo o mundo. Sob o ponto de vista económico investimos, desde 1992, só no anti-epiléptico, cerca de 300 milhões de euros e realizámos, até agora, um terço do investimento global.
Investigar e desenvolver um medicamento custa 300 milhões de euros?
Os referenciais apontam para valores entre 800 milhões e mil milhões de dólares (500 e 635 milhões de euros), que é, praticamente, o dobro do que investimos. Os nossos investigadores procuraram ser muito eficazes sob o ponto de vista da investigação e muito rigorosos sob o ponto de vista dos recursos. Só assim foi possível encontrar novas soluções terapêuticas com recursos mais baixos. É preciso dizer que a área de investigação dos anti-epilépticos não é das mais caras.
O anti-parkinsoniano vai custar mais?
O anti-parkinsoniano vai, com certeza, ser mais caro e o anti-hipertensor será dos mais caros.
Têm seis moléculas patenteadas, mas só se fala destas três?
Temos outro anti-parkinsoniano, um produto para a dor em geral e outro para a insuficiência cardíaca. Estão todos em fases mais atrasadas de desenvolvimento.
Quantas moléculas investigaram?
Quase 11 mil. O que também é um rácio muito bom. Os livros dizem que se investigam cerca de 7.000 moléculas para cada uma que chega ao mercado. Nós, com 11 mil, devíamos ter duas, mas temos seis. É um rácio muito bom.
Os ensaios clínicos de um medicamento podem pôr em causa uma empresa?
Esta é uma actividade de tudo ou nada. Ou um medicamento atinge os objectivos clínicos, não tem efeitos indesejáveis e tudo corre pelo melhor ou aparece um efeito secundário indesejável ou uma toxicidade e tudo vai por água abaixo. Há cerca de 80 empresas no mundo com capacidade para criar medicamentos. A maioria são multinacionais, mas também há empresas mais pequenas. Então, o desafio foi: se empresas de países da dimensão de Portugal conseguem, por que razão não havemos de conseguir?
Conseguiram.
No caso do anti-epiléptico está demonstrada a eficácia sem terem surgido efeitos secundários maléficos. Portanto, o produto será lançado no mercado em 2009, depois de aprovado pelas autoridades sanitárias europeias e norte-americanas.
O anti-epiléptico vai custar 300 milhões. Os outros vão custar outro tanto, ou mais. Se houver um problema vai abanar a estrutura da empresa?
Vai, com certeza. Mas se uma das moléculas sair ao mercado com algum sucesso vai permitir a recuperação de investimento suficiente para aguentar alguns insucessos a seguir. À partida, os bons resultados perspectivados com este primeiro medicamento permitirão que a empresa possa esperar pelo seguinte.
Quantos investigadores têm?
Temos 93, de sete nacionalidades, 21 dos quais doutorados. No total somos 700 e poucas pessoas, 64% com formação universitária.
Esta é a primeira molécula portuguesa?
Houve muitas patentes de processo (cópias). Há 30 ou 40 anos terá havido uma ou duas patentes de produto de investigadores portugueses, mas que nunca foram comercializadas à escala global.
Se tivesse de demonstrar a empresários as vantagens de apostar na investigação e desenvolvimento, o que diria?
Diria que devemos procurar identificar mais-valias nos produtos ou serviços que prestamos e provavelmente necessitamos de fazer investimentos relativamente elevados. Por isso, vale a pena olhar para além do mercado português. Os exemplos estão aí e não são apenas de empresas norte-americanas, alemãs ou japonesas. A Zara é galega, está nos quatro cantos do mundo e é das maiores empresas do seu ramo.
A Zara investe muito em I&D?
Sobretudo em inovação. A Zara foi profundamente inovadora em termos de logística. Não faz stocks. Produz o que vende.
Vale sempre a pena investir em I&D?
A Nokia surgiu a partir de uma empresa falida, num país como a Finlândia, onde existiam muitos problemas, um dos quais era de comunicação. Depois começaram a olhar para o mundo. Hoje têm a maior empresa de equipamentos de telecomunicações móveis à escala global.
A Bial investe 20% da facturação em I&D. Se outras empresas portuguesas fizessem o mesmo, o País podia ir longe?
O sector farmacêutico necessita de mais I&D – a média internacional é da ordem dos 16%. A indústria aerospacial é capaz de investir 7% a 8% em I&D, a informática à volta de 10%. Em Portugal não há hábitos de investimento em I&D e penso que bastaria uma média de 5% de investimento em I&D nas 200 ou 300 maiores empresas para que Portugal desse um enorme salto competitivo à escala internacional e o PIB crescesse a 3%. Murteira Nabo disse um dia, na Cotec, que Portugal precisaria de uma Nokia. Não peço tanto. Bastariam duas ou três empresas competitivas à escala global, para arrastar outras.
A Bial pode ser a nossa Nokia?
Não digo que Bial possa ser a Nokia, porque estamos numa área onde existem grandes multinacionais há muitos anos instaladas no sector, mas penso que podemos ser um bom exemplo de internacionalização do negócio numa área difícil. Se conseguirmos, seremos um bom exemplo para as empresas portuguesas.
Não precisam de mais dimensão?
Sim. Estamos a crescer bastante e mais cedo ou mais tarde temos de pensar como continuar a crescer. Uma vezes os crescimentos fazem-se por associação com outras empresas, por partilha de alguns projectos, outras indo ao mercado de capitais, em Londres ou Nova Iorque, com projectos à escala global. São vias possíveis. Estamos concentrados, mas sabemos que, a prazo, seremos confrontados com a necessidade imperiosa de avançar para uma dessas soluções.

“Em vez do TGV Lisboa-Porto não deverá antes melhorar-se a linha para o comboio pendular?”

Concorda com a reforma da Saúde?
Estou de acordo com a generalidade das medidas que foram tomadas pelo Governo. Mais. Penso que a reforma tem de continuar e com alguma coragem política. Embora em relação ao medicamento me tenha custado ver o dinheiro dos portugueses utilizado para publicitar medicamentos-cópia – genéricos –, o que é a antítese do desenvolvimento que foi acarinhado no Plano Tecnológico. Isso é frustrante.
Fecharam algumas urgências sem abrir alternativas.
Era claro que se tinha de diminuir o número de maternidades e de serviços de urgência. Tenho pena que o ex-ministro Correia de Campos, que é muito bem formado e informado na área da Saúde, tenha desenhado um conjunto de medidas importantes e não as tenha sabido implementar como seria desejável, em diálogo com a oposição e as populações.
Gosta do Plano Tecnológico?
O Plano Tecnológico é uma aposta de visão arrojada, cujo dossier tem sido relativamente bem gerido. Mas outros dossiers difíceis foram geridos por este Governo com enorme eficácia. A reforma da Segurança Social foi feita com muita competência. Assim se tenha a visão de reformar a Saúde. Porque, se não se fizer, vai rebentar mais cedo ou mais tarde. Espero que o próximo Governo pegue nesse dossier e acabe o que foi começado por Correia de Campos.
Qual é a sua ideia para a Saúde?
Uma maior participação dos cidadãos nos custos da Saúde, nomeadamente por parte dos que têm mais posses, partilhando ou não o risco com seguradoras. Defendo um sistema de saúde intermédio entre os sistemas europeus e o norte-americano.
É preciso diminuir o número de funcionários públicos?
Imprescindível.
Mas não está a ser feito.
Terá de ser feito. É uma questão de tempo. Mas dentro dessa grande reforma também está a área do ensino. A ministra está a fazer aquilo que todos esperávamos há 20 ou 30 anos. Focar os professores no seu métier e fazê-los trabalhar mais, para que Portugal deixe de ser dos países europeus que, comparativamente, mais investe em educação e piores resultados tem.
O balanço que faz da actividade deste Governo é positivo?
Sem dúvida.
Então não vê uma degradação da classe política?
Quando olho para trás vejo que, no Portugal do pós-25 de Abril, Mário Soares foi um governante reconhecido internacionalmente. Sá Carneiro governou pouco tempo, mas fê-lo com grande arrojo e parecia vir a ser um grande primeiro-ministro. Cavaco Silva, cometeu alguns erros, mas fez coisas importantes. É mais difícil apreciar no imediato, mas não tenho dificuldade em dizer que José Sócrates está a esforçar-se para fazer o que é necessário pelo País e que está muito acima das minhas melhores expectativas. Também tenho apreciado a forma equilibrada como Cavaco Silva apareceu com as características necessárias para ser um bom Presidente.
Como empresário, o que acha do novo Código Laboral?
Gostaria que o Governo não tivesse cedido na possibilidade de despedimento por inadaptação. Não faz sentido existir legislação laboral que assegure direitos sem exigir deveres e penso que, numa perspectiva de-senvolvimentista, isso fará cada vez menos sentido. Em Espanha, o despedimento é legal em qualquer situação. Por isso, ou o empregado procura fazer o seu trabalho bem feito ou o empregador o despede. Em Portugal não há essa possibilidade, o que nos coloca em desvantagem face à generalidade dos países europeus.
Tem criticado a construção dos dez estádios do Euro-2004, mas na área da Saúde também houve excessos, como os hospitais de Santarém, Abrantes e Torres Novas. Concorda?
É verdade que a política do betão se reflectiu em muitos aspectos, inclusive no excesso de hospitais em algumas zonas. Mas, a situação mais caricata foi a de um país como o nosso construir dez estádios. Só que, agora, ainda me preocupa mais aquilo que me parecem ser os erros desenhados para o futuro.
Quais erros?
A Irlanda apostou no desenvolvimento do conhecimento e quase não fez auto-estradas. Nós apostámos numa rede fantástica de auto-estradas. Era importante, aceito. Mas, neste momento, quando se desenha um investimento significativo em novas auto-estradas, em áreas onde há poucos automóveis pergunto se não será um erro? Também temos um comboio pendular capaz de andar a mais de 200 km/hora, mas como está limitado pela linha, os 300 km que separam Lisboa do Porto fazem-se em mais de 2h30. Não seria mais racional beneficiar a linha para que pudesse fazer o trajecto em menos de duas horas? Ou fará mais sentido apostar na solução megalómana do TGV? Questiono-me se não se estará a apostar em soluções de grande espectáculo, esquecendo o que é básico: trabalhar à séria a favor do País, e em vez de apostar no cimento, apostar no conhecimento, na inovação, no desenvolvimento, na competitividade das instituições e dos portugueses.

“O fenómeno poltergeist deve ser estudado cientificamente”
O último livro de Luís Portela fala, entre outros temas, do fenómeno poltergeist e da necessidade de o olhar com espírito científico. O presidente da Bial justifica essa ideia pelo facto de “durante séculos a humanidade deixar de lado a investigação, com recurso ao método científico, de fenómenos descritos desde a Antiguidade, para assumir uma postura de fé ao classificar alguns desses fenómenos como milagres”. Luís Portela diz que sempre teve dificuldade em lidar com milagres, mistérios e ideias-tabus. Como cientista propõe que se investiguem, através do método científico fenómenos, dos quais teve conhecimento próprio e através da descrição de doentes. Como empresário fez com que a Fundação Bial apoiasse a investigação científica nas áreas da Psicofisiologia e da Parapsicologia. “Existem milhões de neurónios cuja função não é conhecida e o fenómeno poltergeist está descrito por inúmeros psiquiatras, médicos e políticos responsáveis. Vale a pena tentar perceber, sob o ponto de vista científico, o que acontece e por que acontece. Que força e energia estão por detrás desses fenómenos”, sublinha.
“ O Prazer de Ser”, editado pela ASA, é uma janela sobre o homem, que ali se expõe e dá a conhecer as suas ideias, mas também as suas crenças. Luís Portela acredita em Deus, mas num Deus do qual todos fazemos parte e não, como diz, “num Deus austero que nos castiga quando nos portamos mal ou nos premeia quando nos portamos bem”. Educado sob princípios católicos, o espírito científico de Luís Portela começou por questionar tudo, mas foi confrontado com uma realidade: “Se o Universo existe, alguém o criou. Portanto, existe uma Entidade criadora de todas as coisas”. Por isso, afirma: “Para mim, Deus é o todo universal e penso que a melhor forma de me identificar com Ele é pensar que cada uma das partículas O retrata. Ou seja, imagino que no Universo há de tudo e em cada um de nós também há de tudo. Por isso, penso que temos um potencial de de-senvolvimento muito grande. Por isso, me parece que há determinadas formas de energia que não são ainda conhecidas do homem e não estão devidamente aproveitadas”.
Quanto ao título do seu último livro, justifica: “Durante séculos, o homem explorou o prazer de ter. Nas últimas décadas, alguns pensadores dizem que o prazer de parecer superou, nalgumas situações, o prazer de ter. No século XXI, vejo sinais de que existem franjas da população europeia que vão repelindo os exageros do prazer de ter e os exageros do prazer de parecer. Poderíamos falar do prazer de estar, mas, pessoalmente, gostaria de ir mais além. Gostaria que cada um pudesse descobrir-se como partícula do todo e, em si próprio, reconhecer a capacidade de aperfeiçoamento, de evolução, de utilidade ao todo e também de autenticidade. Razão pela qual, para além do prazer de estar, será sobretudo o prazer de ser”. E conclui: “Não direi que é o que estou a fazer. Direi antes que é aquilo que gostaria para todos e, naturalmente, também para mim”.

Luís Portela nasceu no Porto, em 1951. Licenciou-se em Medicina, que exerceu durante três anos e foi docente, durante seis, da cadeira de Psicofisiologia na Universidade do Porto. Iniciou a actividade empresarial aos 21 anos e aos 27 assumiu a presidência do grupo Bial. Em 1992 deu início à investigação de novos fármacos, que agora começa a dar frutos. Em 1994 criou a Fundação Bial, que organiza o simpósio bianual “Aquém e Além do Cérebro” e atribui um dos maiores prémios europeus de Medicina.
Semanário 04.07.08

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