terça-feira, agosto 10, 2010

Privados, os maiores (quase)

Privados já asseguram 40% dos cuidados de saúde

O sector privado assegura actualmente 40% dos cuidados de saúde dos portugueses. Metade das consultas, um quarto dos internamentos e 5% das urgências são hoje realizados em unidades de saúde privadas, segundo dados da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP), a que o Diário Económico teve acesso.
O crescimento dos privados nos últimos anos está a transformar “a rede privada numa verdadeira alternativa ao Serviço Nacional de Saúde”, defende fonte oficial da APHP.
Os números não surpreendem o economista Miguel Gouveia, que esperava mesmo que a taxa de cobertura dos privados fosse maior.
“Parece-me que atribuir 40% da prestação ao sector privado pode ser um valor calculado por baixo. Até porque, é preciso não esquecer que muita produção privada é financiada pelo sector público”, como as convenções com os subsistemas de saúde, por exemplo a ADSE, diz o economista.
Do lado da oferta, o número de unidades de saúde privadas multiplicou-se nos últimos anos e hoje existem no país 115 hospitais privados. Já do lado da procura, os seguros de saúde têm sido os maiores impulsionadores, com mais de 20%da população portuguesa coberta por um destes produtos.
O volume de negócios dos grupos privados de saúde deverá assim ultrapassar os mil milhões de euros este ano, ainda segundo as contas da APHP. Para isso, contribuirá o aparecimento de novas unidades de saúde ou a ampliação de outras. De acordo com a mesma fonte, estavam previstas 20 novas unidades entre 2006 e 2010, “num investimento global estimado de 500 milhões de euros e que deverão criar 4.000 empregos”.
“Na velocidade de cruzeiro, o volume anual de negócios destas novas unidades deverá atingir os 525 milhões de euros”, calcula a APHP. Em 2009, os privados facturaram 900 milhões de euros. O seu crescente peso tem motivado a discussão sobre a forma como o Estado deve encarar este sector, em especial numa altura em que aumenta a pressão sobre a sustentabilidade do sistema público de saúde. Miguel Gouveia não tem dúvidas que o Estado não pode negligenciar os privados, ainda que só faça sentido uma prestação complementar se “for para aliviar o sistema público de saúde”. Até porque o Serviço Nacional de Saúde “não teria capacidade de resposta para atender todas as pessoas que hoje recorrem aos privados”, alerta o economista, acrescentando que “o SNS está concebido para que grandes grupos, em certos tipos de cuidados, recorram ao privado”. E dá como exemplo as consultas de especialidade, evitando-se assim “o aumento das listas de espera para consultas externas nos hospitais”.
Pedro Lopes, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) concorda que o melhor processo é a “complementaridade e não a concorrência dos dois sectores”. Mas esse é um caminho que deve ser feito pelos privados, defende. “A preocupação do Estado é como seu agente principal que são os hospitais públicos. O privados devem vingar no mercado com os seus capitais próprios, ainda que o Estado não deva dificultar-lhes o caminho”, afirma o presidente da APAH .Quanto ao crescente peso dos privados na prestação dos cuidados de saúde, Pedro Lopes pede cautela na leitura dos números: “Estamos a falar de doentes saídos, de urgências?”, interroga-se. “É um facto que o privado tem vindo a crescer e a melhorar a qualidade dos cuidados que presta, mas não acredito que 40% seja um valor realista. Além disso, é preciso ver que os privados estão localizados nas maiores cidades do país, em zonas com maior poder de compra”, lembra. ■

Catarina Duarte, DE 09.08.10

Teófilo Leite diz que é urgente discutir novos modelos de financiamento da saúde.

A APHP estima que em 2010 o volume de negócios dos privados atinja os mil milhões de euros.
“É hoje impossível ao Estado financiar todos os cuidados de saúde. E esse é um problema que tem de ser encarado de frente”, diz Teófilo Leite. O presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada defende que Portugal deve olhar para os novos modelos europeus e destaca o caso holandês, que evoluiu para um sistema de saúde baseado em “pilares de sucesso”.

Qual é a importância do sector privado para a sustentabilidade do SNS?
O sector privado é um parceiro essencial no sistema de saúde e indutor da melhoria da qualidade e eficiência dos sistema a médio prazo. Aliás, a Lei de Bases da Saúde estabelece que o sistema de saúde seja garantido pelo Estado, pelo sector privado e pelo sector social.

Se todos os portugueses recorressem em exclusivo ao SNS, o Estado teria capacidade de resposta?
É evidente que não. Cerca de 40% dos portugueses já são clientes dos privados. E já não é só em áreas marginais. Porque se há uns anos os privados eram procurados essencialmente para consultas ou meios complementares de diagnóstico, hoje já cobrem uma percentagem importante da área hospitalar, com equipamento de ponta e reconhecimento internacional. Os hospitais privados demonstraram ser parceiros importantes nos cuidados de saúde integrados. Já não faz sentido que o doente tenha de percorrer um longo caminho entre a consulta e o tratamento. A hospitalização privada tem hoje capacidade para oferecer assistência médica integrada, desde o diagnóstico, à proposta de tratamento e à sua execução. Daí o peso que o sector tem vindo a conquistar.

As políticas seguidas pelo Governo têm negligenciado os privados?
De facto, é o público quem melhor reconhece a importância dos privados, pela preferência crescente pelo sector. Acredito que a curto prazo, com um sistema de saúde cada vez mais europeu, o Ministério da Saúde seja obrigado a olhar para o que se passa na Europa e começar discutir novos modelos de financiamento. Por exemplo, o modelo holandês evoluiu e é hoje baseado em pilares de sucesso: separação entre a prestação e o financiamento, concorrência dos prestadores assente na liberdade de escolha dos cidadãos e modelos de financiamento baseados em seguros de saúde regulados pelo Estado que são determinantes para a melhoria da eficiência económica.

Há margem para os privados continuarem a crescer?
Sim, desde que Portugal queira olhar para o essencial que é o financiamento do sistema de saúde. Em França, mais de 50% dos cuidados em oncologia são prestados pelos privados. Na Alemanha, calcula-se que os privados possam vir a assegurar 50% dos cuidados de saúde, o sector social 30% e o sector público apenas 20%.

Isso não aumenta o risco de um sistema a duas velocidades, onde quem pode pagar tem melhores cuidados?
O maior risco é continuar a negar novos modelos de financiamento. Aí sim, teremos um SNS para os desfavorecidos e um sistema privado para os mais ricos. ■

entrevista de Catarina Duarte, DE 09.08.10

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