segunda-feira, outubro 27, 2008

Crise poderá fortalecer a direita


Muitos consideram o que está a acontecer como um regresso do estadismo ou mesmo do socialismo. O senhor concorda?
Bem, certamente estamos a viver a crise mais grave do capitalismo desde a década de 30. Lembro-me de um título recente do Financial Times: “O capitalismo em convulsão”. Há muito tempo não lia um título como esse no FT.
Agora, acredito que esta crise está a ser mais dramática por causa dos mais de 30 anos de uma ideologia "teológica" de mercado livre, que todos os governos do Ocidente seguiram.
Porque como Marx, Engels e Schumpter previram, a globalização - que está implícita no capitalismo -, não apenas destrói a herança do passado como também é incrivelmente instável: opera por meio de uma série de crises.
E o que está a acontecer agora é reconhecido como o fim de uma era específica. Sem dúvida, a partir de agora falaremos mais de (John Maynard) Keynes e menos de (Milton) Friedman e (Friedrich) Hayek.
Todos concordam que, de uma forma ou de outra, que o Estado terá um papel de maior intervenção na economia daqui por diante.
Seja qual for o papel que os governos venham a assumir, estes além da gestão do sector público devem passar a orientar, organizar e dirigir também a economia privada. Será muito mais uma economia mista do que tem sido até agora.

E em relação ao Estado como redistribuidor? O que tem sido feito até agora parece mais pragmático do que ideológico...
Acho que continuará sendo pragmático. O que tem acontecido nos últimos 30 anos é que o capitalismo global tem funcionado de uma forma incrivelmente instável, excepto, por várias razões, nos países ocidentais desenvolvidos.
No Brasil, nos anos 80, no México, nos 90, no sudeste asiático e Rússia nos anos 90, e na Argentina em 2000: todos sabiam que estas coisas poderiam levar a catástrofes a curto prazo. E para nós isto implicava quedas tremendas do FTSE (índice da bolsa de Londres), mas seis meses depois, recomeçávamos de novo.
Agora, temos os mesmos desafios que tínhamos nos anos 30: se não fizermos nada, o perigo político e social será profundo e ainda mais depois de tudo, da forma como o capitalismo se reformulou durante e depois da guerra sob o princípio de "nunca mais" aos riscos dos anos 30.

O senhor viu esses riscos tornarem-se realidade: estava na Alemanha quando Adolf Hitler chegou ao poder. O senhor acredita que algo parecido poderá acontecer como consequência dos problemas atuais?
Nos anos 30, o claro efeito político da Grande Depressão a curto prazo foi o fortalecimento da direita. A esquerda não foi forte até a chegada da guerra. Então, eu acredito que este é o principal perigo.
Depois da guerra, a esquerda esteve presente em várias partes da Europa, inclusive na Inglaterra, com o Partido Trabalhista, mas hoje isso já não acontece.
A esquerda está virtualmente ausente, Assim, me parece que o principal beneficiário deste descontentamento actual, com uma possível excepção - pelo menos eu espero - nos Estados Unidos, será a direita.

O que vemos agora não é o equivalente à queda da União Soviética para a direita? Os desafios intelectuais que isto implica para o capitalismo e o mercado livresão tão profundos como os desafios enfrentados pela direita em 1989?
Sim, concordo. Acredito que esta crise é equivalente ao dramático colapso da União Soviética. Agora sabemos que acabou uma era. Não sabemos o que virá depois.
Temos um problema intelectual: estávamos acostumados a pensar que havia apenas duas alternativas: ou o mercado livre ou o socialismo. Mas, na realidade, há muito poucos exemplos de um caso completo de laboratório de cada uma dessas ideologias.
Então eu acho que teremos de deixar de pensar em uma ou em outra e devemos pensar na natureza da mistura. E principalmente até que ponto esta mistura será motivada pela consciência do modelo socialista e das consequências sociais do que está a acontecer.

O senhor acredita que regressaremos à linguagem do marxismo?
Desde a crise dos anos 90, são os homens de negócio que começaram a dizer: "Bem, Marx predisse esta globalização e podemos pensar que este capitalismo assenta numa série de crises".
Não acredito que a linguagem marxista seja politicamente importante. O seu interesse é mais do ponto de vista intelectual como a análise marxista sobre a forma de funcionamento do capitalismo.

O senhor sente-se recompensado depois de anos em que a opinião intelectual ia de encontro ao que o senhor pensava?
Bem, obviamente há um pouco a sensação de schadenfreude (regozijo pela desgraça alheia).
Sempre dissemos que o capitalismo iria se chocar com suas próprias dificuldades, mas não me sinto recompensado.
O que é certo é que as pessoas descobriram que de facto o que estava a ser feito não produziu os resultados esperados.
Durante 30 anos os ideólogos disseram que tudo ia dar certo: o livre mercado é lógico e produz crescimento máximo. Sim, diziam que produzia um pouco de desigualdade aqui e ali, mas também não importava muito porque os pobres estavam um pouco mais prósperos.
Agora sabemos que o que aconteceu é que se criaram condições de instabilidade enormes, que criaram condições nas quais a desigualdade afecta não apenas os mais pobres, como também cada vez mais uma grande parte de classe média.
Sobretudo, nos últimos 30 anos, os beneficiários deste grande crescimento temos sido nós, no Ocidente, que vivemos uma vida imensuravelmente superior a qualquer outro lugar do mundo.
E surpreende-me muito que o Financial Times diga que o que se espera agora é que este novo tipo de globalização controlada beneficie quem realmente precisa, que se consiga reduzir o enorme fosso entre nós, que vivemos como príncipes, e a grande maioria que vive na pobreza.
Eric Hobsbawm, entrevista BBC, 21/10/2008

Etiquetas: