sexta-feira, setembro 26, 2008

CC, entrevista, 25.09.08, 24horas

“A qualidade está no público”
O antigo ministro da Saúde ficou surpreendido por não lhe terem chamado “malandro” depois da sua saída do Governo

24 horas - Tem confiança no sector sector público de saúde?
Correia de Campos – Absoluta.
Se tiver um acidente na rua peço por tudo que me levem a uma urgência pública. São as mais bem equipadas e preparadas, têm os profissionais mais bem treinados e mais gente disponível.

Não acha que o Governo deixou espaço para os privados?
Portugal vive num regime de economia de mercado. A criação de instituições é livre, até na saúde. Outra coisa é o pagamento de serviços ao privado. Eles querem que o Estado lhes pague, que o cidadão vá ao privado da mesma maneira que vai ao público.
Isso não é possível.

Os utentes do SNS já fizeram as pazes consigo?
Surpreendeu-me não ter encontrado um único sinal do género “seu malandro, ainda bem que te foste embora”. Mas há muitas pessoas que deixaram de receber alguma compensação financeira que julgariam que era habitual. Nada mais natural que algumas tenham ficado satisfeitas com a minha saída.

Quando se sentirão as pessoas satisfeitas com o Serviço Nacional de Saúde?
Quando se vê instalações muito bonitas no privado, com televisão no quarto, a possibilidade das visitas o dia inteiro, as pessoas acham que é sinal de qualidade. É sinal de qualidade de acolhimento, mas não é forçosamente sinal de qualidade intrínseca. A qualidade está no serviço público.

Discute-se muito a saída de médicos para o privado.
No livro digo que as saídas foram mais ou menos 500. Tendo em conta que em 2 anos o sector privado abriu quase 700 camas, a saída de 500 não é dramática.

Admite que o ordenado dos médicos é baixo e fala em remuneração diferente.
Teria de ser revista, não ampliando o ordenado para todos por igual, mas criando um sistema de incentivos. Os que tiverem um desempenho mais qualificado devem ser melhor retribuídos.

O SNS responde às necessidades do interior? Há especialidades em falta...
Durante anos não se formaram oftalmologistas ou urologistas. Há especialidades onde vamos ter dificuldades, como pediatria, urologia e ginecologia/obstetrícia.

Como se resolve?
Vai ser necessário criar condições que permitam colocar pessoas onde elas são necessárias.

Falamos de deslocações?
As maiores dificuldades de medicina familiar não se situam no interior. Na cintura Norte de Lisboa e na zona Porto/Braga há falta de médicos.
Lisboa tem uma malha pensada para quando tinha muitos mais habitantes. Esses médicos estão há muito tempo em Lisboa e não é fácil convencê-los a ir para o Cacém, para Sintra ou para o Seixal. Há aqui um esforço a realizar.

Sentiu sempre o apoio do primeiro-ministro e do Governo?
Sempre um apoio muito solidário. A minha saída foi de comum acordo, com uma carta que escrevi. O primeiro-ministro fez-me uma resposta gentilíssima, que guardei. Mantemos uma relação muito cordial.

Pede-lhe alguns conselhos?
Não, nem eu daria. Um primeiro-ministro como José Sócrates nunca pediria isso.

Gosta da sua sucessora?
Não me pronuncio sobre os meus antecessores e sucessora. A resposta até seria muito facilmente positiva...

Aceitaria um novo cargo no Governo?
Não na saúde.
Três medidas que se arrependeu de tomar enquanto ministro.
Não tenho dívidas a saldar. Talvez uma frase ou outra mais infeliz, como a que nunca iria a um serviço de atendimento permanente. Eu estou inscrito no centro de saúde, a minha família está. Sempre que possível vou ao público.
24Horas 25.09.08

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