Ana Jorge, entrevista
"O problema do Serviço Nacional de Saúde não é dinheiro, é organização e boa gestão"
A reforma dos Cuidados de Saúde Primários já foi apelidada “a mais importante reforma social da actualidade em Portugal”. Nota-se, no entanto, algum atraso nos Agrupamentos de Centros de Saúde. Já iniciaram os convites para os lugares de direcção?
Ainda não foram formalizados convites. É evidente que há todo um processo de identificação de profissionais que possam assumir esses lugares, por terem dado provas das suas competências e isso tem vindo a ser feito.
Os Agrupamentos de Centros de Saúde, do ponto de vista geográfico, já estão definidos. Há apenas pequenos acertos na zona Centro.
As autarquias levantaram algumas dificuldades…
Queriam ter o seu centro de saúde e estas coisas são sempre muito difíceis de fazer. Ficaram com a ideia de que iam perder a hipótese de ter o seu centro de saúde. O seu espaço está lá e os médicos continuam lá a prestar cuidados à sua população.
A administração, que estava em Lisboa, passa a estar mais próxima.
Os Agrupamentos de Centros de Saúde (Aces) não terão autonomia financeira. Esse aspecto foi retirado do diploma…
Foi, permanece na administração regional de saúde (ARS). Mas os Aces têm funções delegadas. Por exemplo, o processo de contratualização com os centros de saúde e com as Unidades de Saúde Familiar, a partir do momento em que o plano está aprovado, faz parte do Orçamento da ARS e tem de ser assumido como tal. Esta é a grande diferença. As unidades passam a ter um contrato-programa efectivo, uma carteira de serviços para cumprir, para o qual existe financiamento. A equipa será responsabilizada pelo seu cumprimento e poderá ser penalizada, nomeadamente no vencimento.
Em relação às Unidades de Saúde Familiar (USF), o número de candidaturas ultrapassou as 180 e estão já 141 em funcionamento. Fica-se, no entanto, com a ideia de que os médicos favoráveis à transição já a fizeram e os restantes (mais de 3.500 clínicos) estão reticentes em relação à mudança…
Muitos profissionais dos centros de saúde já trabalhavam nos moldes das USF, mas não são formalmente USF porque se encontram no interior, em zonas menos populosas e não dispõem de um número suficiente de profissionais para se candidatar. Para os centros de saúde tradicionais, tem de haver um modelo diferente que possa reconhecer o trabalho que têm vindo a fazer.
Está a dizer que é preciso converter os centros de saúde tradicionais num modelo idêntico ao das USF?
Exacto. Após termos conseguido mais de 150 Unidades de Saúde Familiar é altura de dedicar tempo aos centros de saúde tradicionais. Vamos chamá-los e ver como podem ser integrados na reforma, mantendo a sua própria identidade.
A sustentabilidade do SNS é um problema a curto prazo. É sabido que entrará em ruptura por falta de verba dentro de alguns anos…
O problema do SNS não é dinheiro, é organização e boa gestão. Temos de ter capacidade de gerir bem e tratar os doentes com aquilo de que necessitam.
É preciso que existam orientações clínicas, que se prescreva apenas o que é necessário e não ir atrás da última moda nem do que “nos vendem” como o melhor. É preciso que haja um combate muito rigoroso ao desperdício e quem anda nos serviços sabe que ele existe. É preciso apagar a luz do serviço quando ela não é necessária, e isso não é feito.
Houve um estudo de sustentabilidade feito pela equipa anterior que apontou que mesmo os serviços melhor geridos ainda tinham condições para melhorar o desperdício.
O rigor nas contas da Saúde, a mudança da gestão dos hospitais para EPE tem vindo a melhorar a eficiência do SNS, o que permitiu que não tenhamos tido nos últimos anos orçamentos rectificativos, que era uma prática de sempre.
Dê-nos alguns exemplos de ineficiência nos serviços…
A prescrição de alguns medicamentos, nomeadamente antibióticos, tem de ser muito rigorosa. Não só porque se trata de medicamentos caros, mas porque se corre o risco de criar resistências aos antibióticos. O uso de alguns antibióticos de última geração, quando existem fármacos mais simples e baratos, é gravíssimo para o SNS.
A prescrição de determinadas substâncias de marca muito dispendiosas, quando existe genérico, é outro exemplo.
O financiamento do SNS deverá manter-se exclusivamente por via dos impostos?
Qual é a outra hipótese? Seguros de saúde? Quem quer ter um seguro de saúde é livre de o fazer, mas a população em geral deste país não tem capacidade para pagar um seguro de saúde que lhe permita ter serviços de saúde quando precisa.
Se se descapitalizar o SNS, corre-se o risco de ter um serviço nacional dos pobres e, portanto, não ter capacidade de desenvolvimento para tratar esses mesmos pobres, e também os ricos que tenham situações graves não contempladas pelos seguros.
O mapa das Urgências já está completamente operacional?
O mapa das urgências tem vindo a ser afinado e implementado o que faltava. As urgências básicas são a grande diferença. Temos vindo a abri-las à medida que se vão organizando. Algumas urgências básicas estão a abrir em hospitais de nível 1, outras em centros de saúde, mas a prestação de cuidados é idêntica.
E nas urgências médico-cirúrgicas…
Nessas unidades que funcionam habitualmente em hospitais distritais, a Triagem de Manchester, por exemplo, pode ser uma grande melhoria no atendimento dos doentes. Isso é feito também nas urgências básicas, de modo a que o doente espere de acordo com a sua gravidade, ou não espere e entre imediatamente. Temos feito formação dos profissionais em triagem e obras em inúmeros serviços de urgência para que as condições de atendimento dos utentes sejam melhores.
A reestruturação das urgências está, então, a avançar, ainda que a comunicação social fale pouco dela…
Exacto. Temos vindo a reforçar a ligação com os bombeiros e o INEM em determinados locais, de modo a melhorar o socorro às pessoas. Há acordos estabelecidos, em zonas do interior, a funcionar muito bem. As ambulâncias têm melhorado muito a capacidade de socorro às pessoas.
Os encerramentos que estavam previstos não deixaram nem deixarão, então, de ser feitos…
Têm vindo a ser feitos, lentamente e discutindo com as pessoas. Nunca nenhum encerramento tem sido feito sem sentar todas as pessoas à volta da mesa e dizer já está cá isto, e está a funcionar.
Os encerramentos que houve foram encerramentos nocturnos que não eram necessários do ponto de vista prático. Temos é que garantir que se a população precisar de atendimento tem quem o faça.
A reforma dos Cuidados de Saúde Primários já foi apelidada “a mais importante reforma social da actualidade em Portugal”. Nota-se, no entanto, algum atraso nos Agrupamentos de Centros de Saúde. Já iniciaram os convites para os lugares de direcção?
Ainda não foram formalizados convites. É evidente que há todo um processo de identificação de profissionais que possam assumir esses lugares, por terem dado provas das suas competências e isso tem vindo a ser feito.
Os Agrupamentos de Centros de Saúde, do ponto de vista geográfico, já estão definidos. Há apenas pequenos acertos na zona Centro.
As autarquias levantaram algumas dificuldades…
Queriam ter o seu centro de saúde e estas coisas são sempre muito difíceis de fazer. Ficaram com a ideia de que iam perder a hipótese de ter o seu centro de saúde. O seu espaço está lá e os médicos continuam lá a prestar cuidados à sua população.
A administração, que estava em Lisboa, passa a estar mais próxima.
Os Agrupamentos de Centros de Saúde (Aces) não terão autonomia financeira. Esse aspecto foi retirado do diploma…
Foi, permanece na administração regional de saúde (ARS). Mas os Aces têm funções delegadas. Por exemplo, o processo de contratualização com os centros de saúde e com as Unidades de Saúde Familiar, a partir do momento em que o plano está aprovado, faz parte do Orçamento da ARS e tem de ser assumido como tal. Esta é a grande diferença. As unidades passam a ter um contrato-programa efectivo, uma carteira de serviços para cumprir, para o qual existe financiamento. A equipa será responsabilizada pelo seu cumprimento e poderá ser penalizada, nomeadamente no vencimento.
Em relação às Unidades de Saúde Familiar (USF), o número de candidaturas ultrapassou as 180 e estão já 141 em funcionamento. Fica-se, no entanto, com a ideia de que os médicos favoráveis à transição já a fizeram e os restantes (mais de 3.500 clínicos) estão reticentes em relação à mudança…
Muitos profissionais dos centros de saúde já trabalhavam nos moldes das USF, mas não são formalmente USF porque se encontram no interior, em zonas menos populosas e não dispõem de um número suficiente de profissionais para se candidatar. Para os centros de saúde tradicionais, tem de haver um modelo diferente que possa reconhecer o trabalho que têm vindo a fazer.
Está a dizer que é preciso converter os centros de saúde tradicionais num modelo idêntico ao das USF?
Exacto. Após termos conseguido mais de 150 Unidades de Saúde Familiar é altura de dedicar tempo aos centros de saúde tradicionais. Vamos chamá-los e ver como podem ser integrados na reforma, mantendo a sua própria identidade.
A sustentabilidade do SNS é um problema a curto prazo. É sabido que entrará em ruptura por falta de verba dentro de alguns anos…
O problema do SNS não é dinheiro, é organização e boa gestão. Temos de ter capacidade de gerir bem e tratar os doentes com aquilo de que necessitam.
É preciso que existam orientações clínicas, que se prescreva apenas o que é necessário e não ir atrás da última moda nem do que “nos vendem” como o melhor. É preciso que haja um combate muito rigoroso ao desperdício e quem anda nos serviços sabe que ele existe. É preciso apagar a luz do serviço quando ela não é necessária, e isso não é feito.
Houve um estudo de sustentabilidade feito pela equipa anterior que apontou que mesmo os serviços melhor geridos ainda tinham condições para melhorar o desperdício.
O rigor nas contas da Saúde, a mudança da gestão dos hospitais para EPE tem vindo a melhorar a eficiência do SNS, o que permitiu que não tenhamos tido nos últimos anos orçamentos rectificativos, que era uma prática de sempre.
Dê-nos alguns exemplos de ineficiência nos serviços…
A prescrição de alguns medicamentos, nomeadamente antibióticos, tem de ser muito rigorosa. Não só porque se trata de medicamentos caros, mas porque se corre o risco de criar resistências aos antibióticos. O uso de alguns antibióticos de última geração, quando existem fármacos mais simples e baratos, é gravíssimo para o SNS.
A prescrição de determinadas substâncias de marca muito dispendiosas, quando existe genérico, é outro exemplo.
O financiamento do SNS deverá manter-se exclusivamente por via dos impostos?
Qual é a outra hipótese? Seguros de saúde? Quem quer ter um seguro de saúde é livre de o fazer, mas a população em geral deste país não tem capacidade para pagar um seguro de saúde que lhe permita ter serviços de saúde quando precisa.
Se se descapitalizar o SNS, corre-se o risco de ter um serviço nacional dos pobres e, portanto, não ter capacidade de desenvolvimento para tratar esses mesmos pobres, e também os ricos que tenham situações graves não contempladas pelos seguros.
O mapa das Urgências já está completamente operacional?
O mapa das urgências tem vindo a ser afinado e implementado o que faltava. As urgências básicas são a grande diferença. Temos vindo a abri-las à medida que se vão organizando. Algumas urgências básicas estão a abrir em hospitais de nível 1, outras em centros de saúde, mas a prestação de cuidados é idêntica.
E nas urgências médico-cirúrgicas…
Nessas unidades que funcionam habitualmente em hospitais distritais, a Triagem de Manchester, por exemplo, pode ser uma grande melhoria no atendimento dos doentes. Isso é feito também nas urgências básicas, de modo a que o doente espere de acordo com a sua gravidade, ou não espere e entre imediatamente. Temos feito formação dos profissionais em triagem e obras em inúmeros serviços de urgência para que as condições de atendimento dos utentes sejam melhores.
A reestruturação das urgências está, então, a avançar, ainda que a comunicação social fale pouco dela…
Exacto. Temos vindo a reforçar a ligação com os bombeiros e o INEM em determinados locais, de modo a melhorar o socorro às pessoas. Há acordos estabelecidos, em zonas do interior, a funcionar muito bem. As ambulâncias têm melhorado muito a capacidade de socorro às pessoas.
Os encerramentos que estavam previstos não deixaram nem deixarão, então, de ser feitos…
Têm vindo a ser feitos, lentamente e discutindo com as pessoas. Nunca nenhum encerramento tem sido feito sem sentar todas as pessoas à volta da mesa e dizer já está cá isto, e está a funcionar.
Os encerramentos que houve foram encerramentos nocturnos que não eram necessários do ponto de vista prático. Temos é que garantir que se a população precisar de atendimento tem quem o faça.
Como pretende fazer face à saída de médicos do serviço público para o privado?
A solução para a fixação dos médicos ao SNS não tem uma fórmula única, nem há fórmulas milagrosas. Como em todas as profissões, na Medicina há os que trabalham muito e muito bem e outros que trabalham muito pouco. Temos de encontrar formas de recompensar quem trabalha muito e bem, permitir a esses maior reconhecimento e satisfação.
Que compromissos/bandeiras gostaria que o PS assumisse para as eleições legislativas do próximo ano, no que diz respeito à Saúde?
Toda a gente que me conhece sabe que sou uma defensora acérrima do serviço público. Sou médica e sempre trabalhei no SNS em dedicação exclusiva. Tive uma experiência no privado, de dois a três anos no máximo. E trabalho exclusivamente no SNS por opção porque acredito que o serviço público tem que ter profissionais dedicados que permitam garantir cuidados de saúde à população, como determina a Constituição Portuguesa.
O Ribatejo, ed. 1194, 19.09.08
A solução para a fixação dos médicos ao SNS não tem uma fórmula única, nem há fórmulas milagrosas. Como em todas as profissões, na Medicina há os que trabalham muito e muito bem e outros que trabalham muito pouco. Temos de encontrar formas de recompensar quem trabalha muito e bem, permitir a esses maior reconhecimento e satisfação.
Que compromissos/bandeiras gostaria que o PS assumisse para as eleições legislativas do próximo ano, no que diz respeito à Saúde?
Toda a gente que me conhece sabe que sou uma defensora acérrima do serviço público. Sou médica e sempre trabalhei no SNS em dedicação exclusiva. Tive uma experiência no privado, de dois a três anos no máximo. E trabalho exclusivamente no SNS por opção porque acredito que o serviço público tem que ter profissionais dedicados que permitam garantir cuidados de saúde à população, como determina a Constituição Portuguesa.
O Ribatejo, ed. 1194, 19.09.08
Etiquetas: Entrevistas
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