segunda-feira, setembro 01, 2008

Deputados avaliam a MS

Deputados dão nota negativa à actuação da ministra Ana Jorge
Ministério com governante diferente mas política igual
«TM» pediu a responsáveis dos partidos com assento parlamentar uma avaliação à ministra da Saúde, Ana Jorge.
E apesar de vários notarem um discurso diferente, as críticas aos encerramentos e à lentidão das reformas continuam a ser ferozes. Excepção feita ao partido do Governo, cuja responsável enaltece o trabalho feito.

Maria Antónia Almeida Santos (PS)

«Rentabilizar os recursos e conter os desperdícios»
«As políticas de Saúde não podem, a meu ver, ser avaliadas exclusivamente em função de um protagonista. A ministra é o rosto da reforma na Saúde mas muitos contribuíram para requalificar o SNS. A reforma foi iniciada pelo Governo do PS em 2005. Era imperioso fazê-la, é imprescindível continuá-la.
A prioridade continua a ser a reforma dos cuidados de saúde primários, que constituem a base de todo o SNS, com a concretização das unidades de saúde familiar -- 138 em funcionamento [hoje 141] -- perto de 2 milhões de portugueses abrangidos e 185 mil passaram a ter médico de família. O principal problema do SNS residia na consulta e a “consulta a tempo e horas” é já hoje uma realidade para muitos. Na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, 11 500 portugueses já receberam cuidados. O Programa de Saúde Oral para idosos e grávidas conta com 4077 locais de prestação por todo o País, com 2142 médicos aderentes e 3683 cheques emitidos. Verifica-se a redução da lista de inscritos para cirurgia. Também o Programa de Intervenção em Oftalmologia, já com um sucesso assinalável no bem-estar e saúde dos portugueses, tem sido, entre outras, uma das medidas em que a ministra, com um discurso mais intenso em relação ao SNS e uma atitude dialogante, em escassos meses, tem provas dadas.
Tudo o que referi só tem sido possível porque houve, desde o início deste governo, a preocupação de rendibilizar os recursos e conter os desperdícios, aproveitando a capacidade instalada no SNS que é da melhor qualidade.
Ao assegurar os cuidados de saúde a milhões de cidadãos desprotegidos, o SNS cumpriu uma exigência imposta pelo povo português. O estado da Saúde, em Portugal, contribui hoje para que possamos comparar com orgulho e até optimismo a maioria dos índices normalmente usados na avaliação do estádio de desenvolvimento dos povos.»

Regina Bastos (PSD)
«As reformas pararam, a inércia instalou-se»
«Ao longo de três anos, o governo do PS não teve uma política de Saúde consistente. Os portugueses estão inquietos com os constantes avanços e recuos do actual Governo e já perceberam que o PS não tem estratégia, nem propostas. Está totalmente desorientado porque não sabe governar em momentos difíceis.
A governação do PS pode ser sintetizada da seguinte forma:
Adiamento (corte radical no investimento em Saúde, atrasos na construção de novos hospitais);
Encerramento de serviços (desactivação de Urgências hospitalares e fecho de SAP, sem a criação de alternativas e com insuficiente socorro pré-hospitalar);
Aumento de encargos das famílias (criação de taxas moderadoras no internamento e cirurgias, fim do apoio aos genéricos, redução das comparticipações no preço dos fármacos);
Redução das prestações de saúde (600 mil doentes estão em lista de espera na rede hospitalar, segundo o Euro Health Consumer Index 2007, Portugal está em 19.º lugar, numa lista de 29 países europeus, no que se refere ao acesso aos cuidados de saúde).
Desde que a actual ministra da Saúde tomou posse, as reformas pararam, a inércia instalou-se, as dívidas do Estado aumentaram de forma muito substancial e as demissões de altos responsáveis do Ministério sucedem-se. Em suma, o PS demitiu-se de governar.
Nos últimos meses, a mudança mais visível que se sentiu no Serviço Nacional de Saúde foi a da imposição de ultrapassados preconceitos ideológicos esquerdistas aos utentes do SNS, os quais mais não fizeram do que prejudicar e cercear a sua liberdade de escolha no acesso aos cuidados de saúde.»

Bernardino Soares (PCP)

«São só palavras senhor, são só palavras!»
«A coisa mais importante que há a dizer da actuação da ministra da Saúde, substituindo o inefável Correia de Campos, é que os princípios e as práticas políticas do Governo se mantiveram os mesmos.
Às vezes, não por acaso, o discurso parece diferente. Mas de que serve um discurso diferente se continuam a encerrar serviços como se confirmou na Anadia. De que servem os arroubos em defesa do SNS, se a emergência médica continua em estado caótico. De que serve que a ministra diga que não concorda com o subsídio estatal através da ADSE ao Hospital da Luz, se a seguir o Governo faz o mesmo para o dos Lusíadas. De que servem profissões-de-fé na prioridade aos cuidados primários se continuam a agravar-se as carências que a operação das USF já não esconde. De que serve a preocupação com os profissionais se o Governo acaba de aprovar a última pedra do projecto de destruição da administração pública, da sua desagregação e ataque aos profissionais, empurrando-os para o sector privado.
A ministra vai passeando pelo País ao estilo da rainha santa Isabel, distribuindo sorrisos pelos pobres, simpatia pelos profissionais e pouco mais. A rainha [n. da r.: D. Leonor] ainda criou o Hospital Termal das Caldas (aliás, abandonado por sucessivos governos). Já a ministra, se algum dia for surpreendida por José Sócrates, escondendo algo entre mãos, e se este lhe perguntar: “Senhora, que trazeis no regaço? Serão medidas para defender o SNS?”, responderá aliviada: “São só palavras senhor, são só palavras!”»

João Semedo (BE)

«Refém deste difícil jogo de ilusões e ambiguidades»
«À ministra Ana Jorge, o primeiro-ministro entregou como principal missão apagar o fogo em que ardia a política da Saúde, então comandada por Correia de Campos. Mas com uma condição: não mudar de política mesmo que, para tal, fosse necessário mudar alguma coisa. Assim se explicam duas decisões em sinal contrário num curtíssimo espaço de tempo: acabar com a gestão privada no Amadora-Sintra e entregar a gestão do futuro hospital de Cascais a um consórcio privado através de uma PPP. Faz algum sentido? Na substância, é óbvio que não, mas na aparência sempre parece que alguma coisa está a mudar. As aparências iludem -- pelo menos por algum tempo, mas não mudam a natureza das coisas e muito menos da política. Na realidade, o que todos ficámos a perceber é que, também na Saúde, os favores aos grandes grupos financeiros são para continuar. Sócrates só sabe governar assim.
A ministra Ana Jorge está refém deste difícil jogo de ilusões e ambiguidades. É um delicado exercício político que os problemas concretos tornam mais complicado, mas também muito revelador. Vejamos vários casos. Encerramento da Urgência do Hospital de Anadia -- que fez Ana Jorge que Correia de Campos não tivesse feito? Nada. Requalificação das Urgências -- está como estava, sem sair do papel. Reforma dos cuidados primários -- recuou para 150 o objectivo do número de USF a funcionar até ao fim do ano (eram 200 nas promessas de Correia de Campos para o final de 2007!).
Não me surpreende que a ministra Ana Jorge tenha uma condução casuística do seu ministério, sem que se lhe descortine uma estratégia clara para modernização e reforço do SNS. Mesmo no programa para a Oftalmologia -- apresentado e usado como atestado de fidelidade e devoção do governo ao SNS --, que talvez possa resolver o problema da actual lista de espera, há todas as razões para admitir que não seja capaz de evitar o aparecimento de uma nova lista de espera no ano seguinte.
Não basta que a ministra revele a sua opção pessoal pelos serviços públicos se a situação for grave. Pode ser bom de ouvir, mas não chega para defender o SNS.»

Teresa Caeiro (CDS/PP)

«O que é mau, foi “herdado”, o resto está paralisado»
«A exoneração do ministro Correia de Campos deu início à campanha eleitoral para 2009 e a ministra Ana Jorge tem-se comportado em conformidade: o que é mau, foi “herdado”, o resto está paralisado. A requalificação da rede de Urgências ficou congelada no exacto dia da tomada de posse; o mesmo aconteceu ao reforço da rede de transportes do INEM, tendo-se desprezado as necessidades das populações e acordos celebrados com autarquias.
As USF vão, lentamente, seguindo o seu curso, mas as listas de espera para primeira consulta de especialidade continuam a aumentar para além dos 400 mil utentes, sem que se tenha apresentado uma única medida. Nas cirurgias constata-se que o SIGIC conseguiu melhorar os ratio, sobretudo pelo expurgo de listas de espera. Tudo somado, num ano foram feitas mais 52 cirurgias por dia, a nível nacional.
Como a campanha eleitoral visa captar votos à esquerda, foi o próprio primeiro-ministro que anunciou o fim das PPP para gestão dos hospitais, invocando os custos do acompanhamento e fiscalização. Ora, estes custos nunca foram apresentados nem comparados com os ganhos de eficiência. Os cuidados continuados integrados continuam a ser uma miragem.
Nada foi feito para actualizar a organização obsoleta das unidades de saúde, em particular dos hospitais, onde o desperdício e as ineficiências continuam a ser colossais. Nada foi dito sobre a sustentabilidade financeira do SNS. Nada foi feito para prever, planear e assegurar as necessidades do País em profissionais na área da Saúde, a médio e longo prazos.»

Francisco Madeira Lopes (PEV)

«Não adiantou muito mais»
«A ministra Ana Jorge herdou algumas reformas em marcha do seu antecessor que causaram forte turbulência no sector e suscitaram grande contestação social de populações e alguns autarcas. O Governo e o PS tentaram passar a ideia de que o problema não residia no conteúdo político das reformas nem no caminho que se estava a trilhar, mas apenas na forma como as mesmas estavam a ser divulgadas, o que terá justificado a remodelação ministerial. Gostaríamos de fazer a honra à actual governante de não a ver apenas como a “executante” de uma política previamente traçada ou (pior ainda) como a “explicadora” das políticas de Correia de Campos. Mas a verdade é que nos parece que, no tempo que já decorreu, a ministra Ana Jorge não adiantou muito mais nem trouxe nada de realmente novo que nos permitisse dizer que a política de Saúde do Governo mudou.
Sem dúvida que é refrescante ouvir a ministra defender o SNS, porventura com mais ardor que o seu antecessor. O problema é que “palavras leva-as o vento” e nem alguns fenómenos isolados, como a retirada da gestão privada ao Amadora-Sintra, revelam uma verdadeira inflexão na política de encerramentos, corte no financiamento, negação de meios técnicos e humanos aos serviços e completa abertura das portas aos privados.
A própria ministra, a 18 meses do final do mandato, tem afirmado que não veio para mudar a política em marcha e que se vai limitar a executar o programa deixado por Correia de Campos. Como executante dessas políticas, a ministra mereceria nota positiva, se essas políticas a merecessem também, o que está longe de ser o caso.»

Andreia Vieira / Susana Ribeiro Rodrigues

TEMPO MEDICINA 01.09.08