Pedro Nunes
Elogia actuação da ministra e critica reforma dos CSP
Ana Jorge «preocupa-se mais com a Saúde»
"A maior atenção que Ana Jorge tem votado ao Serviço Nacional de Saúde é um dos aspectos que a diferenciam do seu antecessor, mais preocupado com «números», na opinião de Pedro Nunes. Balanço feito numa entrevista em que o bastonário da Ordem dos Médicos não poupa críticas aos sindicatos e aponta a «grande falha» da reforma dos cuidados de saúde primários: a impossibilidade de o doente escolher o médico de família.
«Tempo Medicina» — A necessidade de redefinição das carreiras médicas é um ponto consensual entre todos os parceiros, mas a Ordem e os sindicatos parecem estar de costas voltadas. Este diferendo terá solução?
Pedro Nunes — Escrevi uma carta aos sindicatos porque o CNE o decidiu, embora entendesse que não devia haver resposta da Ordem àquela tomada de posição pública dos sindicatos. Tanto quanto possível, não irei responder a essas tomadas de posição, nomeadamente à carta que o dr. Mário Jorge publicou no «TM» [edições de 1 e 8/9] e em que faz um conjunto de afirmações que nem quero classificar, porque senão entrávamos numa situação de conflitualidade. Escreva o que escrever o dr. Mário Jorge, há um número suficiente de pessoas que estiveram três ou quatro vezes reunidas e que sabem o que os sindicatos achavam que a Ordem devia fazer e o que acordaram connosco. Não tenho qualquer interesse em debater publicamente quem está a mentir e quem está a dizer a verdade. Além disso, fui fundador de um sindicato. A Ordem tem pessoas com tradição sindical suficiente para saber exactamente onde se situar. Há matérias que são da estrita competência sindical, com as quais a Ordem não irá interferir, por exemplo, nunca irá discutir com o Governo salários ou progressão na carreira. Mas também sei que há matérias que competem à Ordem, como a formação, progressão ao longo da vida e diferenciação profissional. Nestas matérias, a Ordem tem o dever de discutir com o Governo. Considero lamentável que, durante o tempo do dr. Correia de Campos, os sindicatos tenham estado absolutamente ausentes. Nessa época, foi impossível reunir na mesma mesa o SIM e a Fnam, porque havia uma guerra entre os dois sindicatos. Subitamente, unem-se e resolvem atacar a OM sem que esta tenha feito a mais pequena inflexão no discurso.
«TM» — Disse que estava a contar que um documento sobre os patamares de carreira estivesse pronto no fim do ano. Mantém o prazo?
PN — Há um documento elaborado internamente na Ordem, mas que ainda não é público. Foi feito pelos drs. João de Deus e Paulo Fidalgo, duas pessoas com grande tradição sindical, a quem a Ordem pediu para reflectirem sobre carreiras e fazerem um documento-base sobre o qual pudéssemos discutir.
«TM» — Quando é que esse documento estará concluído?
PN — Estará pronto na altura adequada. É a única coisa que posso dizer porque quando começam a entrar negociações com o Governo não me posso comprometer com uma data. O que posso dizer é que a Ordem tem ideias claríssimas sobre como deve ser feita a evolução ao longo da vida, quais os condicionantes que devem existir no sucessivo assumir de responsabilidades por parte dos médicos. Isto nada tem a ver com questões salariais, progressão na carreira ou conteúdos funcionais, que são matérias que os sindicatos vão discutir.
«TM» — O parecer que a Ordem vai agora dar ao Governo para a redefinição de carreias inclui a evolução por patamares?
PN — Os pareceres que a OM irá dar ao Governo são para ser ouvidos em primeira instância pelo Governo.
«TM» — Não considera que seja necessário existir um documento já consolidado na Ordem para, com base nisso, falar com o Governo?
PN — Não. Tem de haver um consenso permanente dentro da Ordem. O CNE está perfeitamente consciente do que quer, do que foi pedido e do que está feito. Iremos entrar numa fase de contactos permanentes com o Governo. Da mesma forma que eu nunca irei tratar com o Governo de matérias de âmbito sindical — e conheço essas matérias tão bem como os actuais dirigentes dos sindicatos —, também posso garantir que a Ordem não hesitará em tomar as decisões e dar os pareceres que entender, qualquer que seja o incómodo que os sindicatos tenham por causa disso. Tenho pena de que os sindicatos gastem as suas energias a atacar a Ordem, quando tinham muito mais que fazer, que era defender os interesses dos médicos junto do Governo.
Ana Jorge vs Correia de Campos
«TM» — O nosso Jornal pediu aos deputados para avaliarem o desempenho da ministra e a Oposição foi unânime em afirmar que as políticas não se alteraram com a mudança de governante. Concorda?
PN — A OM não está do lado da Oposição nem do lado do partido do Governo. É uma estrutura que só aprecia as coisas do ponto de vista técnico e material. Acho óbvio que o mesmo Governo com o mesmo primeiro-ministro tenha de ter um fio condutor, na medida em que foi eleito com determinado programa. Mas são muito diferentes os resultados de uma governação e de outra. Foi evidente, da parte da Dr.ª Ana Jorge, uma preocupação com o SNS que não perpassava nos discursos do Dr. Correia de Campos, que se preocupava muito mais com a privatização. Há maior preocupação da Dr.ª Ana Jorge com o Interior do País e com o funcionamento global e articulado do SNS, do que do Dr. Correia de Campos, que privilegiava a competição e o pragmatismo económico. A Dr.ª Ana Jorge preocupa-se mais com a Saúde, como é normal, até porque pela sua formação médica sabe o que são doentes. E havia maior preocupação com a economia por parte do Dr. Correia de Campos, porque como homem da área económica que não é médico, não sabe o que são doentes. Estas diferenças são notórias. Por parte da OM, a disponibilidade para analisar sem estados de alma as políticas da Dr.ª Ana Jorge é a mesma que em relação ao Dr. Correia de Campos. E não é pelo facto de a Ddr.ª Ana Jorge ser médica que seremos mais tolerantes ou que deixaremos de ser críticos.
«TM» — Mas a ministra não recuou em nenhum ponto das reformas, algumas das quais têm sido criticadas pela Ordem...
PN — E a Ordem continua a criticar quando tem de criticar. Sem qualquer problema. A senhora ministra sabe perfeitamente aquilo com que discordamos. Por exemplo, ainda não acabou com aquele disparate da Entidade Reguladora da Saúde (ERS). É uma borbulha, uma excrescência no País. Não serve para nada, perturba o funcionamento e anda a tirar dinheiro aos médicos através de um imposto absolutamente inútil. Enquanto o senhor primeiro-ministro não acabar com a ERS, a Ordem continuará a criticar. Mas se fizer um centro de Oncologia mais perto das pessoas, em Vila Real de Trás-os-Montes, nós temos a obrigação de o apoiar.
«TM» — Não apoia a ideia de impor a exclusividade aos médicos no SNS, nem mesmo com o argumento de atenuar a falta de profissionais?
PN — A exclusividade começa no dia em que os médicos tiverem uma remuneração condigna. Por outro lado, também há aqui uma falsa premissa. Faço sempre questão de dizer que ninguém tem nada a ver com o que eu faço quando acabo o serviço.
«Falha» da reforma dos CSP
«TM» — Também discorda da medida que a ministra chegou a avançar de obrigar os jovens médicos a permanecer um período de tempo no SNS?
PN — Essa é uma conversa totalmente diferente. Quando um médico faz internato, é um facto que está a usufruir da formação que o Estado lhe dá. Mas está a trabalhar, não é um aluno do liceu. Então, nesse caso, também deveriam dizer que todos os que acabam o 12.º ano estão impedidos de sair do País durante cinco anos! Mas o País não diz nada. Nem diz nada ao engenheiro, nem ao arquitecto, nem ao jurista.
«TM» — A verdade é que o País não tem carência de arquitectos nem de engenheiros...
PN — Isso é um problema que se resolve abrindo vagas nas faculdades de Medicina e pagando mais aos médicos para eles não saírem. Era isso que os sindicatos deviam estar a dizer! Porque é que tem de ser a Ordem a dizer isto? A Ordem não devia falar de dinheiro. No mundo em que vivemos, não são as proibições que resolvem as coisas. É procurar perceber quais são os interesses das pessoas e criar um ambiente em que elas tenham interesse em trabalhar. Nós temos falta de médicos de família porque estes estão assoberbados com trabalho burocrático. A Ordem já propôs ao Governo que acabasse com uma série de atestados médicos. Todos os dias inventam mais papéis! Qualquer “idiota” em qualquer repartição inventa um papel que termina em cima da secretária de um médico de família. E este tem de levar aquilo a sério, caso contrário, a responsabilidade é sua. Isso é como a história da semana passada [a entrevista realizou-se no dia 2/9] que também me perturbou... que os médicos, quando os doentes reclamam, os tiram da lista. É normal! Se um indivíduo não gosta de mim, se me chama nomes, se acha que eu sou mau médico, que não o tratei bem e que até vai fazer um queixa contra mim, então, eu vou obrigá-lo a ser tratado por mim?
«TM» — Essa sua postura é vista como paternalismo pelo dr. Luís Pisco...
PN — Não, não! É exactamente o contrário! Paternalismo é obrigar um doente a ficar numa lista de um médico que não quer. A grande falha da reforma, de que o dr. Luís Pisco é responsável, é não permitir aos doentes mudarem de médico quando querem. Não há Medicina Geral e Familiar bem organizada enquanto os doentes não tiverem a liberdade de mudar de médico sempre que queiram.
«TM» — Acha que esta teria sido a oportunidade para implementar um sistema deste tipo em Portugal?
PN — Claro. Concordo integralmente com as unidades de saúde familiar, é um bom modelo. Só que foi um bom modelo mal implementado e, ainda por cima, criou médicos e doentes de primeira e de segunda. Foram traídas muitas das aspirações dos médicos de família, porque não se viram vantagens em termos remuneratórios. Também gostava de ver os sindicatos a falar sobre essa matéria. E é óbvio que tem de ser dado ao médico um estímulo para aceitar mais doentes. O que é lamentável não é que o manga-de-alpaca que está na ARS decida assim; o que é lamentável é que um médico, o dr. Luís Pisco, ache bem.
«Acarinhar» é preciso
«TM» — Qual é a solução a aplicar neste período imediato para tentar evitar a falta de médicos de que tanto se fala?
PN — Acarinhar os médicos que estão no SNS, para que não fujam. Pedir — e não obrigar — aos médicos que estão, e que têm o mesmo direito à reforma que os outros portugueses, para não irem embora. Qualquer que seja a penalidade pela reforma antes dos 36 anos de serviço, e antes dos 62 anos de idade, compensa. Neste momento, na base da estrita lei económica, nenhum médico da minha geração devia estar a trabalhar no SNS, e isto é dramático.
«TM» — Acarinhar passará apenas por contrapartidas monetárias?
PN — As pessoas não são tratadas só com contrapartidas económicas. Passa por não serem insultadas, não lhes imporem relógios para meter o dedo. Não é porque elas trabalhem mais ou menos... é pelo insulto. Se o SNS quer atrair os médicos que não têm razão económica nenhuma para continuarem no Estado, tem de os acarinhar. Se não tem dinheiro, tem de os atrair de outras formas, tem de os tratar bem. Esta é que é a chave do problema dos próximos 10 anos....
«Na “paz dos anjos”»
«Tempo Medicina» — Depois de umas eleições tão conturbadas, como têm sido estes meses à frente da OM?
Pedro Nunes — Na “paz dos anjos”. As eleições só existem até ao momento em que se acaba de contar os votos. Nessa altura há um que ganha e outro que perde, nem que seja só por um voto. O que não pode acontecer é uma situação de conflito permanente a pensar nas eleições seguintes. Penso que esse assunto também ficou claro e que os médicos, através dos seus votos, demonstraram que não queriam uma Ordem permanentemente em conflito.
«TM» — O que mudou para que se conseguisse apaziguar as relações?
PN — Creio que houve uma compreensão por parte dos colegas do Norte de que estas eleições demostraram a legitimidade democrática de todos. Isto cria uma situação em que as pessoas não têm dúvidas. A grande alteração que se tornou evidente é que um conselho regional importante, como o do Norte, se continuasse com a mesma postura tornava-se algo inútil, deixava de ter influência nas decisões. Porque alguém que tem sempre uma postura crítica e negativa, naturalmente que deixa de ser ouvido. Com a legitimidade claramente assumida por todos, o CRN e o dr. José Pedro Moreira da Silva, que tem ideias próprias, ficariam sempre identificados com alguém que estava ao serviço de uma estratégia que não era a sua. Obviamente, há responsabilidades solidárias que, às vezes, justificam por que as pessoas actuam de uma determinada maneira."
Tempo Medicina 15.09.08
Ana Jorge «preocupa-se mais com a Saúde»
"A maior atenção que Ana Jorge tem votado ao Serviço Nacional de Saúde é um dos aspectos que a diferenciam do seu antecessor, mais preocupado com «números», na opinião de Pedro Nunes. Balanço feito numa entrevista em que o bastonário da Ordem dos Médicos não poupa críticas aos sindicatos e aponta a «grande falha» da reforma dos cuidados de saúde primários: a impossibilidade de o doente escolher o médico de família.
«Tempo Medicina» — A necessidade de redefinição das carreiras médicas é um ponto consensual entre todos os parceiros, mas a Ordem e os sindicatos parecem estar de costas voltadas. Este diferendo terá solução?
Pedro Nunes — Escrevi uma carta aos sindicatos porque o CNE o decidiu, embora entendesse que não devia haver resposta da Ordem àquela tomada de posição pública dos sindicatos. Tanto quanto possível, não irei responder a essas tomadas de posição, nomeadamente à carta que o dr. Mário Jorge publicou no «TM» [edições de 1 e 8/9] e em que faz um conjunto de afirmações que nem quero classificar, porque senão entrávamos numa situação de conflitualidade. Escreva o que escrever o dr. Mário Jorge, há um número suficiente de pessoas que estiveram três ou quatro vezes reunidas e que sabem o que os sindicatos achavam que a Ordem devia fazer e o que acordaram connosco. Não tenho qualquer interesse em debater publicamente quem está a mentir e quem está a dizer a verdade. Além disso, fui fundador de um sindicato. A Ordem tem pessoas com tradição sindical suficiente para saber exactamente onde se situar. Há matérias que são da estrita competência sindical, com as quais a Ordem não irá interferir, por exemplo, nunca irá discutir com o Governo salários ou progressão na carreira. Mas também sei que há matérias que competem à Ordem, como a formação, progressão ao longo da vida e diferenciação profissional. Nestas matérias, a Ordem tem o dever de discutir com o Governo. Considero lamentável que, durante o tempo do dr. Correia de Campos, os sindicatos tenham estado absolutamente ausentes. Nessa época, foi impossível reunir na mesma mesa o SIM e a Fnam, porque havia uma guerra entre os dois sindicatos. Subitamente, unem-se e resolvem atacar a OM sem que esta tenha feito a mais pequena inflexão no discurso.
«TM» — Disse que estava a contar que um documento sobre os patamares de carreira estivesse pronto no fim do ano. Mantém o prazo?
PN — Há um documento elaborado internamente na Ordem, mas que ainda não é público. Foi feito pelos drs. João de Deus e Paulo Fidalgo, duas pessoas com grande tradição sindical, a quem a Ordem pediu para reflectirem sobre carreiras e fazerem um documento-base sobre o qual pudéssemos discutir.
«TM» — Quando é que esse documento estará concluído?
PN — Estará pronto na altura adequada. É a única coisa que posso dizer porque quando começam a entrar negociações com o Governo não me posso comprometer com uma data. O que posso dizer é que a Ordem tem ideias claríssimas sobre como deve ser feita a evolução ao longo da vida, quais os condicionantes que devem existir no sucessivo assumir de responsabilidades por parte dos médicos. Isto nada tem a ver com questões salariais, progressão na carreira ou conteúdos funcionais, que são matérias que os sindicatos vão discutir.
«TM» — O parecer que a Ordem vai agora dar ao Governo para a redefinição de carreias inclui a evolução por patamares?
PN — Os pareceres que a OM irá dar ao Governo são para ser ouvidos em primeira instância pelo Governo.
«TM» — Não considera que seja necessário existir um documento já consolidado na Ordem para, com base nisso, falar com o Governo?
PN — Não. Tem de haver um consenso permanente dentro da Ordem. O CNE está perfeitamente consciente do que quer, do que foi pedido e do que está feito. Iremos entrar numa fase de contactos permanentes com o Governo. Da mesma forma que eu nunca irei tratar com o Governo de matérias de âmbito sindical — e conheço essas matérias tão bem como os actuais dirigentes dos sindicatos —, também posso garantir que a Ordem não hesitará em tomar as decisões e dar os pareceres que entender, qualquer que seja o incómodo que os sindicatos tenham por causa disso. Tenho pena de que os sindicatos gastem as suas energias a atacar a Ordem, quando tinham muito mais que fazer, que era defender os interesses dos médicos junto do Governo.
Ana Jorge vs Correia de Campos
«TM» — O nosso Jornal pediu aos deputados para avaliarem o desempenho da ministra e a Oposição foi unânime em afirmar que as políticas não se alteraram com a mudança de governante. Concorda?
PN — A OM não está do lado da Oposição nem do lado do partido do Governo. É uma estrutura que só aprecia as coisas do ponto de vista técnico e material. Acho óbvio que o mesmo Governo com o mesmo primeiro-ministro tenha de ter um fio condutor, na medida em que foi eleito com determinado programa. Mas são muito diferentes os resultados de uma governação e de outra. Foi evidente, da parte da Dr.ª Ana Jorge, uma preocupação com o SNS que não perpassava nos discursos do Dr. Correia de Campos, que se preocupava muito mais com a privatização. Há maior preocupação da Dr.ª Ana Jorge com o Interior do País e com o funcionamento global e articulado do SNS, do que do Dr. Correia de Campos, que privilegiava a competição e o pragmatismo económico. A Dr.ª Ana Jorge preocupa-se mais com a Saúde, como é normal, até porque pela sua formação médica sabe o que são doentes. E havia maior preocupação com a economia por parte do Dr. Correia de Campos, porque como homem da área económica que não é médico, não sabe o que são doentes. Estas diferenças são notórias. Por parte da OM, a disponibilidade para analisar sem estados de alma as políticas da Dr.ª Ana Jorge é a mesma que em relação ao Dr. Correia de Campos. E não é pelo facto de a Ddr.ª Ana Jorge ser médica que seremos mais tolerantes ou que deixaremos de ser críticos.
«TM» — Mas a ministra não recuou em nenhum ponto das reformas, algumas das quais têm sido criticadas pela Ordem...
PN — E a Ordem continua a criticar quando tem de criticar. Sem qualquer problema. A senhora ministra sabe perfeitamente aquilo com que discordamos. Por exemplo, ainda não acabou com aquele disparate da Entidade Reguladora da Saúde (ERS). É uma borbulha, uma excrescência no País. Não serve para nada, perturba o funcionamento e anda a tirar dinheiro aos médicos através de um imposto absolutamente inútil. Enquanto o senhor primeiro-ministro não acabar com a ERS, a Ordem continuará a criticar. Mas se fizer um centro de Oncologia mais perto das pessoas, em Vila Real de Trás-os-Montes, nós temos a obrigação de o apoiar.
«TM» — Não apoia a ideia de impor a exclusividade aos médicos no SNS, nem mesmo com o argumento de atenuar a falta de profissionais?
PN — A exclusividade começa no dia em que os médicos tiverem uma remuneração condigna. Por outro lado, também há aqui uma falsa premissa. Faço sempre questão de dizer que ninguém tem nada a ver com o que eu faço quando acabo o serviço.
«Falha» da reforma dos CSP
«TM» — Também discorda da medida que a ministra chegou a avançar de obrigar os jovens médicos a permanecer um período de tempo no SNS?
PN — Essa é uma conversa totalmente diferente. Quando um médico faz internato, é um facto que está a usufruir da formação que o Estado lhe dá. Mas está a trabalhar, não é um aluno do liceu. Então, nesse caso, também deveriam dizer que todos os que acabam o 12.º ano estão impedidos de sair do País durante cinco anos! Mas o País não diz nada. Nem diz nada ao engenheiro, nem ao arquitecto, nem ao jurista.
«TM» — A verdade é que o País não tem carência de arquitectos nem de engenheiros...
PN — Isso é um problema que se resolve abrindo vagas nas faculdades de Medicina e pagando mais aos médicos para eles não saírem. Era isso que os sindicatos deviam estar a dizer! Porque é que tem de ser a Ordem a dizer isto? A Ordem não devia falar de dinheiro. No mundo em que vivemos, não são as proibições que resolvem as coisas. É procurar perceber quais são os interesses das pessoas e criar um ambiente em que elas tenham interesse em trabalhar. Nós temos falta de médicos de família porque estes estão assoberbados com trabalho burocrático. A Ordem já propôs ao Governo que acabasse com uma série de atestados médicos. Todos os dias inventam mais papéis! Qualquer “idiota” em qualquer repartição inventa um papel que termina em cima da secretária de um médico de família. E este tem de levar aquilo a sério, caso contrário, a responsabilidade é sua. Isso é como a história da semana passada [a entrevista realizou-se no dia 2/9] que também me perturbou... que os médicos, quando os doentes reclamam, os tiram da lista. É normal! Se um indivíduo não gosta de mim, se me chama nomes, se acha que eu sou mau médico, que não o tratei bem e que até vai fazer um queixa contra mim, então, eu vou obrigá-lo a ser tratado por mim?
«TM» — Essa sua postura é vista como paternalismo pelo dr. Luís Pisco...
PN — Não, não! É exactamente o contrário! Paternalismo é obrigar um doente a ficar numa lista de um médico que não quer. A grande falha da reforma, de que o dr. Luís Pisco é responsável, é não permitir aos doentes mudarem de médico quando querem. Não há Medicina Geral e Familiar bem organizada enquanto os doentes não tiverem a liberdade de mudar de médico sempre que queiram.
«TM» — Acha que esta teria sido a oportunidade para implementar um sistema deste tipo em Portugal?
PN — Claro. Concordo integralmente com as unidades de saúde familiar, é um bom modelo. Só que foi um bom modelo mal implementado e, ainda por cima, criou médicos e doentes de primeira e de segunda. Foram traídas muitas das aspirações dos médicos de família, porque não se viram vantagens em termos remuneratórios. Também gostava de ver os sindicatos a falar sobre essa matéria. E é óbvio que tem de ser dado ao médico um estímulo para aceitar mais doentes. O que é lamentável não é que o manga-de-alpaca que está na ARS decida assim; o que é lamentável é que um médico, o dr. Luís Pisco, ache bem.
«Acarinhar» é preciso
«TM» — Qual é a solução a aplicar neste período imediato para tentar evitar a falta de médicos de que tanto se fala?
PN — Acarinhar os médicos que estão no SNS, para que não fujam. Pedir — e não obrigar — aos médicos que estão, e que têm o mesmo direito à reforma que os outros portugueses, para não irem embora. Qualquer que seja a penalidade pela reforma antes dos 36 anos de serviço, e antes dos 62 anos de idade, compensa. Neste momento, na base da estrita lei económica, nenhum médico da minha geração devia estar a trabalhar no SNS, e isto é dramático.
«TM» — Acarinhar passará apenas por contrapartidas monetárias?
PN — As pessoas não são tratadas só com contrapartidas económicas. Passa por não serem insultadas, não lhes imporem relógios para meter o dedo. Não é porque elas trabalhem mais ou menos... é pelo insulto. Se o SNS quer atrair os médicos que não têm razão económica nenhuma para continuarem no Estado, tem de os acarinhar. Se não tem dinheiro, tem de os atrair de outras formas, tem de os tratar bem. Esta é que é a chave do problema dos próximos 10 anos....
«Na “paz dos anjos”»
«Tempo Medicina» — Depois de umas eleições tão conturbadas, como têm sido estes meses à frente da OM?
Pedro Nunes — Na “paz dos anjos”. As eleições só existem até ao momento em que se acaba de contar os votos. Nessa altura há um que ganha e outro que perde, nem que seja só por um voto. O que não pode acontecer é uma situação de conflito permanente a pensar nas eleições seguintes. Penso que esse assunto também ficou claro e que os médicos, através dos seus votos, demonstraram que não queriam uma Ordem permanentemente em conflito.
«TM» — O que mudou para que se conseguisse apaziguar as relações?
PN — Creio que houve uma compreensão por parte dos colegas do Norte de que estas eleições demostraram a legitimidade democrática de todos. Isto cria uma situação em que as pessoas não têm dúvidas. A grande alteração que se tornou evidente é que um conselho regional importante, como o do Norte, se continuasse com a mesma postura tornava-se algo inútil, deixava de ter influência nas decisões. Porque alguém que tem sempre uma postura crítica e negativa, naturalmente que deixa de ser ouvido. Com a legitimidade claramente assumida por todos, o CRN e o dr. José Pedro Moreira da Silva, que tem ideias próprias, ficariam sempre identificados com alguém que estava ao serviço de uma estratégia que não era a sua. Obviamente, há responsabilidades solidárias que, às vezes, justificam por que as pessoas actuam de uma determinada maneira."
Tempo Medicina 15.09.08
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