domingo, setembro 07, 2008

MCM, entrevista

Maria do Céu Machado admite criação de novas coordenações nacionais. Idosos e materno-infantil poderão ser áreas prioritárias no novo PNS.
Apostada em dar prioridade aos extremos da pirâmide etária, a alta-comissária da Saúde, Maria do Céu Machado, admite que possa haver coordenações nacionais nas áreas materno-infantil e dos idosos, no Plano Nacional de Saúde (PNS) 2011-2016. Desafio revelado numa entrevista em que também contesta a eventual imposição de exclusividade aos médicos do SNS.
«Tempo Medicina»No Relatório da Primavera 2008 lê-se que «a criação de um Alto Comissariado da Saúde [ACS], distinto da DGS, deu origem a sobreposições indesejáveis e tirou coerência ao desenho e à implementação das políticas de saúde do País». Sente estas dificuldades no seu trabalho diário?
Maria do Céu Machado — Não propriamente. É óbvio que quando surge uma nova lei orgânica as alterações são grandes e de base. A lei é feita e todos temos a percepção de que provavelmente existem áreas em que ainda vai haver sobreposições. E depois acabamos por constatar isso no terreno. De qualquer maneira, a filosofia que esteve na base da criação do ACS foi a de ser um organismo coordenador de outros organismos do Ministério.
«TM»Mas na prática há problemas?
MCM — Há sobreposição e nós até fizemos um exercício com o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa) e a Direcção-Geral da Saúde (DGS), tendo ido buscar a lei orgânica dos três. De facto, há pelo menos três ou quatro zonas cinzentas. Ainda não tivemos oportunidade de nos sentar, os três [Insa, DGS, ACS], com a tutela, para discutirmos na prática o problema e clarificarmos a situação. Está escrito na lei orgânica do ACS que este é o organismo do Ministério da Saúde (MS) que produz informação e a frase é quase igual à que aparece na lei da DGS. Devíamos ter, e de certa forma temos, a coordenação do PNS, bem como a responsabilidade em relação a tudo o que seja informação macro que nos permita fazer planeamento e desenvolver estratégias. Enquanto a DGS tem de ser responsável em relação à informação ao nível de causas de morte, epidemiologia, etc., o que é muito mais micro.
«TM»Sente, portanto, pertinência no seu cargo?
MCM — Sim, sim.
«TM»Quais vão ser as prioridades no PNS revisto?
MCM — Estamos a começar a organizar agora o próximo Fórum Nacional de Saúde, que será no dia 21 de Janeiro de 2009. Convidei um médico de família, uma pessoa com experiência e de prestígio, para ser o presidente do fórum, mas ainda não posso divulgar o nome. Combinámos que vamos organizar o evento de forma a que saiam dali as grandes directivas para o próximo plano. Este é, formalmente, o nosso primeiro PNS e, como tal, é extraordinariamente abrangente. Nada foi deixado de fora. Mas este plano não vai ter fim em 2010, vai servir-nos de guião durante muitos anos.
«TM»Admite a criação de novas coordenações nacionais?
MCM — Há duas que acho importantíssimas. Ainda não as discuti com a senhora ministra, mas poderão ser propostas. Uma é a saúde materno-infantil. Sou pediatra, a senhora ministra também... já somos duas e com uma responsabilidade enorme. Temos resultados fantásticos no que diz respeito à saúde infantil e muito bons na saúde materna, mas temos descansado no que têm sido esses números.
«TM»Havendo tão bons resultados nesta área, será que se justifica a criação de uma coordenação nacional?
MCM — Temos resultados excelentes, mas há alguns indicadores que merecem atenção. Deparamo-nos com falta de pediatras. Também é preciso lembrar que parte da mortalidade infantil é neonatal, logo, temos de rever toda a área do perinatal para que, de repente, não tenhamos a surpresa de os resultados começarem a ser menos bons. Há já uma Comissão Nacional da Saúde da Criança e do Adolescente, a que eu presido (acabámos o mandato de três anos em Dezembro e eu tinha pedido ao prof. Correia de Campos para me substituir). Temos trabalho em mãos que estamos a acabar. Vai haver uma grande reunião em Outubro e depois a comissão terminará. Nessa altura, a senhora ministra decidirá se volta a nomear uma comissão ou se forma uma coordenação nacional. Se calhar, faria sentido haver uma coordenação nacional.
Por outro lado, sou uma pediatra que agora está muito interessada na saúde dos idosos, deve ser pela idade [risos]. Tenho estudado muito o assunto e esta área não é ainda em Portugal o que deveria ser. Quando se fala em saúde dos idosos, falamos muito em geriatria, que é a patologia dos idosos. E falamos muito pouco em gerontologia, que é o estudo do envelhecimento. O grupo dos idosos frágeis (com mais de 80 anos) é o que, em todo o Mundo, mais tem aumentado. As políticas de Saúde para os idosos têm de ter o compromisso do Ministério da Saúde, mas também do Ministério do Trabalho e da Segurança Social. O apoio deve ser dado pelos ministérios e depois pela família. Por exemplo, se se puser um idoso numa instituição, isso tem alguma benesse fiscal. Se se assumir o idoso em casa, com tudo o que isso envolve, não há nenhum benefício fiscal. Por outro lado, tem de haver programas [curriculares] vocacionados para o tratamento dos idosos nas escolas de Enfermagem e de Medicina. Só há três países na União Europeia, e Portugal é um, em que não existe uma cadeira de gerontologia/geriatria como cadeira independente. O velho deve ser tratado como é tratada a criança. Tenho feito um forcing junto das faculdades para a inclusão dessa cadeira.

Ministra mantém políticas

«TM» — Os ânimos estão agora mais calmos no que diz respeito às polémicas na área da Saúde. Apenas devido à mudança de protagonista ou houve, de facto, alteração de políticas?
MCM — Acho que não houve alteração de políticas. Aprendi uma vez que a cara que as mulheres dão publicamente é sempre mais humana e mais bem aceite do que a de um homem, que tem sempre um ar mais masculino e agressivo.
«TM»Que pontos destaca na actuação da ministra da Saúde?
MCM
— Primeiro, a postura dela, muito serena. Inclusivamente na reacção ao pouco ruído que tem havido. Depois, a tentativa que tem feito de reforçar a imagem do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Embora, na minha opinião, nós devamos reforçar o SNS, mas sem esquecer que Portugal faz parte da Europa. Faz todo o sentido termos público e privado, até porque o privado pode ser uma ajuda ao público. Ajuda no que o público não consegue resolver de forma eficaz, nomeadamente listas de espera. E, às vezes, de forma financeiramente mais simpática do que custa ao próprio público.
«TM»Pela sua resposta, pode deduzir-se que, ao contrário da ministra, não garantiria em público que, em caso de acidente grave, não recorreria a um hospital privado...
MCM — Pois, não seria tão taxativa. Também posso dizer que sou influenciada pelo facto de ter trabalhado 11 anos no Hospital Amadora-Sintra, onde tive uma experiência muito positiva e onde vi uma forma de trabalho muito diferente, numa altura em que não havia hospitais EPE. Uma forma muito mais lógica e com muito menos desperdício. Mas estava na altura de devolver ao cidadão português a confiança no serviço público, embora eu ache que deva haver público e privado indistintamente, sem filhos nem enteados.
«TM» Como encara a eventual medida de obrigar os médicos a optar pela exclusividade no SNS?
MCM
— Ao longo da minha vida sempre fiz público e privado, mas cumprindo as minhas funções. E sempre me revoltei com o amadorismo português de trabalhar de manhã nos hospitais. Grande parte dos médicos hospitalares fez estágios em hospitais fora de Portugal e sabe que lá trabalha-se de manhã até à noite. Na Amadora, as consultas e o bloco operatório funcionavam de manhã até à noite. Quando esse trabalho estava cumprido, e a partir do momento em que saíam dali, era-me completamente indiferente se iam fazer clínica, consulta, cirurgia ou seja o que for, desde que o trabalho estivesse cumprido. Temos de ver isto à luz do que é Portugal actualmente. Os médicos trabalham no público e no privado e, se vão ser impedidos de trabalhar no privado, a saída do público vai ser ainda maior do que tem sido até aqui. Vejo isto com responsabilização. Na Amadora eu não contratava quem já sabia que não cumpria o horário ou o que lhe era exigido. Porque se chegasse ao fim do ano sem cumprir, imediatamente eu deixaria de ser directora de serviço.

Carreiras e incentivos

«Tempo Medicina»Que é que prenderia os médicos ao sector público?
Maria do Céu Machado
— A maior parte dos médicos não ganha muito dinheiro no privado. Portanto, se lhes dessem boas condições nos hospitais, eles optariam por ficar aí a tempo inteiro, sem andar a correr de um lado para outro. Obviamente, isso passa pela alteração das carreiras, pois não faz sentido nenhum a forma como estão. E pela atribuição de incentivos, conforme a produção e a atitude, que podem ser monetários, ou através de dias de férias, etc. Actualmente, nos EPE há médicos com funções de direcção que têm algum entusiasmo por terem essas funções. Mas depois há ali uma geração intermédia que, se não tem funções de direcção, está a ganhar menos que os mais novos que já têm contrato individual de trabalho. Tudo isto tem de ser alterado.

Replicar protocolo com Uruguai

«TM» -- A resolução da falta de médicos deve passar por quê? Pelas medidas avançadas pela ministra de assinar mais protocolos semelhantes ao que foi estabelecido com o Uruguai e tentar convencer os portugueses que vão estudar Medicina para fora a regressarem?
MCM -- Penso que os estudantes que vão para fora estão desejosos de voltar. O grosso desses portugueses estão em Espanha e na República Checa; poucos em Inglaterra e depois alguns espalhados por outros países. Os da República Checa gostariam de voltar e até, de preferência, nos últimos anos da faculdade. Porque primeiro o curso é dado em inglês, depois começam a aprender checo e depois é que vão para as enfermarias. Talvez se se pudesse aceitar alguns casos especiais que quisessem vir fazer os últimos anos às faculdades portuguesas... Antes havia excesso de médicos em Espanha, mas agora há falta, portanto, lá já têm saída profissional. De qualquer maneira, são portugueses e, do que eu tenho conhecimento, a maioria até gostaria de voltar. Mas o que acontece é que quem faz o curso num país fora da União Europeia tem de fazer o exame de Estado. E quem faz o curso dentro da União Europeia é imediatamente reconhecido mas tem média de 10. A média conta para escolher o sítio onde se faz internato geral e pode contar para o internato da especialidade. Se nós queremos que eles venham, isto tem de ser alterado. Eu percebo que os que não ficaram cá, em princípio, foram os que tiveram as piores médias, mas sei que algumas faculdades já estão a tentar alterar isso.
«TM» -- Mas essas medidas poderão não ser suficientes face à carência de médicos que se espera...
MCM -- Sim, até porque eles não são muitos, mas sempre é uma ajuda. Por outro lado, em relação ao protocolo com o Uruguai, acho que foi uma boa aposta. Estamos em condições de manter um grupo de 15/20 [médicos] de cada vez. Por enquanto, apenas do Uruguai. Em princípio, a partir de 15 de Setembro, vamos ter aqui um grupo de trabalho durante seis meses que vai fazer uma prospecção de vários países europeus e da América do Sul para ver quais são as possibilidades de fazer mais protocolos.

PNS muito abrangente

«TM» -- Além das quatro áreas definidas como prioritárias, o Plano Nacional de Saúde inclui mais 36 programas nacionais. Concorda com a existência de tantos objectivos, se já se sabia que seria impossível concretizá-los a todos?
MCM -- Alguns já existiam e estes programas são normalmente desenhados para, no máximo, cinco anos. E na maior parte das vezes não são cumpridos na totalidade. Porque, um bocadinho à portuguesa, somos muito ambiciosos no planeamento. O que acontecia é que os programas eram desenhados e ao mesmo tempo não se contemplava a sua monitorização, acompanhamento e avaliação. Há programas que vêm de 2000 ou até dos anos 90 e que, devagarinho, vão sendo colocados no terreno. Depois surgem programas novos porque, de repente, se percebe que há uma necessidade. Por exemplo, o programa da diabetes existe há anos, mas ao percebermos que aumentou muito o número de portugueses com excesso de peso e obesidade, e que isso leva ao aumento do número de diabéticos, também foi necessário ir repescar o programa da diabetes e dar-lhe outra forma e outra dimensão. De repente, ficámos com dois programas fortíssimos: obesidade e diabetes.
Há poucas semanas também dei parecer sobre alguns programas -- doenças reumatismais, asma, doenças respiratórias, cuidados paliativos e saúde da visão -- a que se deu agora uma nova vida.
«TM» -- É expectável que, aquando da revisão do PNS, se faça um afunilamento dos objectivos?
MCM -- Não chamaria a isso afunilamento, mas antes focagem. O PNS é tão abrangente que ficamos com aquele desconsolo de olhar novamente para o plano para ver o que é que foi cumprido e achamos que cumprimos pouquíssimo. Mas não cumprimos assim tão pouco como isso. O problema é que é super-abrangente. No fundo, vamos fazer o ponto da situação e depois veremos o que é que queremos desenvolver nos cinco anos seguintes.

Actuais coordenações nacionais mantêm-se

«TM» -- As actuais coordenações nacionais irão manter-se?
MCM
-- Algumas manter-se-ão de certeza. Por exemplo, a situação em Portugal relativamente à infecção por VIH não está de forma a que possa deixar de ser prioridade. Continua a aumentar o número de casos, principalmente na população heterossexual, e há muito a fazer na área de prevenção.
Relativamente à saúde mental, a coordenação nacional começou este ano. Temos um programa para ser iniciado este ano com o prof. Caldas de Almeida. A reforma não é fácil, pois obriga a mexer em estruturas e em mentalidades. E tem-se mexido muito pouco na saúde mental, por várias razões. A principal das quais é que é extraordinariamente difícil. Nos serviços de Psiquiatria dos hospitais havia doentes não hospitalizados mas institucionalizados ou a usar o serviço como residência -- já há menos neste momento e, nesse aspecto, a coordenação tem feito um bom trabalho, e rápido. Isso nem é vida nem qualidade de vida. Por outro lado, nos cuidados continuados faz todo o sentido haver uma área dirigida a estes doentes. A reforma da saúde mental depende não só da coordenação nacional, como também da Unidade de Missão para os Cuidados Continuados Integrados. Estão a fazer um bom trabalho em conjunto e já houve instituições que deixaram de ter doentes, já houve união de instituições e já houve desinstitucionalização de doentes que estavam nos hospitais. Sinceramente, a minha expectativa até era que a reforma fosse mais lenta do que eu tenho a percepção que está a ser. Aqui houve um elemento facilitador muito importante, pois parte desta coordenação corresponde ao grupo que fez a fotografia da situação e elaborou o plano.
«TM» -- Já foi definido o rumo dos profissionais actualmente a trabalhar nas unidades de saúde mental que irão encerrar?
MCM -- Obviamente que vai haver tarefa para toda a gente. É difícil para mim responder a isso porque a resposta não é global, terá de ser dada caso a caso.
«TM» -- E em relação às coordenações nacionais para as doenças cardiovasculares e oncológicas?
MCM
-- Ainda há trabalho a terminar. Para as doenças oncológicas há um plano que não é ainda um programa e o coordenador nacional comprometeu-se, perante a senhora ministra, a entregar o programa até ao fim do ano. Será um programa muito definido, concreto e que possa passar do papel, nomeadamente, no que diz respeito aos programas de rastreio, às campanhas de promoção de estilos de vida saudável, de prevenção e diagnóstico precoce. Em relação ao registo, continuamos a não ter um registo a cinco anos que nos permita desenvolver estratégias. Além disso, há a famosa rede de referenciação, que tem de ser pensada conforme a comodidade e conveniência de quem está doente. Os doentes com cancro são especiais. Por um lado, no que toca à cirurgia e a determinadas patologias, tem de haver centros de excelência, logo, é preciso concentrar; já em relação à quimioterapia, esta deve ser feita mais próximo da casa das pessoas, no seio da família. Para a radioterapia tem de haver toda uma alteração porque os rácios que temos em Portugal foram estabelecidos numa altura em que as indicações e o tipo de equipamento eram diferentes do que são actualmente. Portanto, tudo isto tem de ser revisto em concreto.

Rede de referenciação será «bem conseguida»

«TM» -- Mas o que é que emperrou o processo da definição da rede de diferenciação?
MCM -- Acho que não tinha sido ainda trabalhada em força. Nas doenças oncológicas havia três áreas essenciais: registo, rastreio e rede de referenciação. Para se programar a própria rede de referenciação precisamos de ter o registo. Sem um registo nacional para percebermos o tipo de cancros que temos, onde é que eles estão, bem como a taxa de sobrevivência a cinco anos, é difícil planear. O coordenador começou por tentar homogeneizar o registo, o que não é fácil, porque anteriormente havia alguma incompatibilidade informática entre o registo do Sul e o registo do Norte. E daí é que poderia tirar ilações para o resto. Por outro lado, a nossa sobrevivência a cinco anos e a nossa mortalidade por cancro -- apesar de terem vindo a melhorar ao longo dos anos -- ainda não estão dentro da média da União Europeia, porque o nosso diagnóstico não é precoce em muitos casos, e isto porque não se fazem rastreios. Precisamos de fazer rastreios e campanhas que levem as pessoas a aderir a eles. Se o registo não é como devia nem os rastreios, ao programarmos uma rede de referenciação, se calhar a rede que fizermos nem está apropriada. O anterior coordenador também trabalhou bastante com comissões nacionais em protocolos terapêuticos. Havia muita confusão com os protocolos terapêuticos... como se sabe, os médicos adoram inovação. Eu sou médica e não posso achar mal que, em caso de vida ou morte, a nossa tendência seja a de usar um medicamento inovador. Fomos educados para salvar vidas, por isso eu percebo. Com isto tudo, a rede foi ficando um bocadinho para trás. Felizmente. Agora o programa vai ser feito e em 2009 vamos estar em condições, envolvendo as administrações regionais de Saúde e localmente os profissionais de saúde, a população, a sociedade civil... Tenho a certeza de que a rede será uma rede muito bem conseguida.
«TM» -- Envolver os profissionais é premente, já que este plano que foi apresentado suscitou grandes críticas por parte de especialistas da área...
MCM -- Tudo o que se faz tem sempre como consequência grandes reacções. Somos um país de indignados. Tive agora uma experiência positiva com a carta de Pediatria, feita pela comissão. Recebemos à volta de 40 a 50 contributos. Depois tivemos, dentro desses, quatro indignados. Mas felizmente tivemos muitos contributos que nos levaram a fazer alterações. Não estamos habituados a olhar para as coisas e dizer como poderão ser melhoradas, mas indignamo-nos. Quando nos indignamos geramos anticorpos. O que levou à indignação maior foi o facto de alguns serviços terem eventualmente de fechar e os profissionais que aí trabalhavam sentirem que serviam a população de forma exemplar. Isso gera nos profissionais uma angústia terrível, que passa imediatamente para a população, a qual fica angustiadíssima mesmo sem ainda sem saber o que se passa. E depois é um tsunami. Posso garantir que as pessoas vão ser envolvidas.
«TM» -- Como encarou o pedido de demissão dos anteriores coordenadores nacionais para as doenças cardiovasculares e oncológicas?
MCM -- Pessoalmente tive pena. Demo-nos muito bem aqui no ACS e posso dizer que eles sempre foram uns gentlemen. Foi com alguma pena porque ambos deixaram o trabalho a meio. Além disso, são pessoas que merecem respeito e são competentes. Percebo as razões... eles tinham sido nomeados pelo anterior ministro e achavam que, de certa forma, as condições que os tinham levado a aceitar o cargo já não existiam e que a força que poderiam ter da tutela já poderia não ser tão grande para as alterações que precisavam de fazer. Também entendo as razões pessoais porque, de certa forma, tinham chegado ao ponto em que dali para a frente seria difícil e se calhar outra pessoa cumpriria melhor.
«TM» -- Também pôs o seu lugar à disposição quando houve a substituição do titular da pasta?
MCM
-- Pus imediatamente o meu lugar à disposição e a senhora ministra, no dia em que tomou posse de manhã, chamou-me à tarde, e conversámos. Somos ambas pediatras, do tempo do internato no Hospital de Dona Estefânia. E antes disso já éramos amigas desde a adolescência e do tempo da faculdade. Nessa tarde, ela disse-me que contava comigo.

Algarve cumpriu protocolo das vias verdes

«TM» -- Voltando às coordenações nacionais, que avaliação faz da implementação das vias verdes coronárias?
MCM
-- Temos áreas de muito sucesso e menos sucesso. Nós temos já feita a avaliação no Algarve, que foi onde as vias verdes começaram e onde só há dois hospitais. É uma região que tem alguma desigualdade em termos de indicadores e sobretudo tem uma grande população flutuante. Cada ARS fez o levantamento do que precisava e nós financiámos a compra de equipamento, bem como a construção de unidades de AVC. O Algarve cumpriu o que estava no protocolo e fez uma primeira avaliação. O resultado foi excelente. O tempo médio entre a pessoa sentir-se maldisposta e dar entrada no hospital era mais de duas horas e, neste momento, está entre 30 e 45 minutos. Em relação ao resto do País, começaram mais tarde e ainda não temos a avaliação. Isto é um ganho fantástico. No próximo dia 30 de Setembro vamos fazer um ponto de situação do processo de implementação da via verde do enfarte agudo do miocárdio [N.R.: Realizar-se-á no auditório do Infarmed, com a presença de oradores estrangeiros que apresentarão as realidades dos seus países].
«TM» -- Em que ponto está a distribuição de anti-retrovirais nas farmácias de oficina, preconizada no Compromisso com a Saúde assinado pelo anterior ministro?
MCM – É um processo que também está um bocadinho parado porque levanta muitos problemas e as coisas têm de ser muito bem pensadas. Tivemos agora o exemplo do protocolo que se fez nas prisões para a troca de seringas e percebemos que este tem de ser revisto porque não teve os resultados esperados. Temos de perceber onde é que se falhou. A população infectada com VIH é uma população especial. Não só porque já é uma população vulnerável, mas também porque está infectada. É uma população que, de certa forma, não responde como a população em geral. E isso tem de ser ponderado. Se calhar, na coordenação, o peso dos psicólogos tem de ser muito maior, embora haja psicólogos a trabalhar lá.

Saúde dos idosos é desafio

«TM» -- Se só pudesse apontar um desafio para o futuro do ACS, qual seria?
MCM -- Vivemos por sensibilidades especiais e, por vezes, transitórias. Mas eu acho que o desafio poderia ser a saúde dos idosos. Não temos nada preparado, não temos legislação... Antes desta lei orgânica a saúde dos idosos foi uma prioridade no Governo anterior, só que foi um bocadinho tomada como cuidados continuados [N.R.: antes de coordenar a Unidade de Missão para os Cuidados Continuados Integrados, Inês Guerreiro presidia à Comissão para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde às Pessoas Idosas e às Pessoas em Situação de Dependência].
«TM» -- Dado o enfoque que também quer atribuir à saúde materno-infantil, só agora a senhora ministra fala na hipótese de avaliar as maternidades privadas. Esta avaliação não deveria ter avançado logo que foi feita a avaliação das maternidades públicas?
MCM
-- Devia. Embora as pequenas maternidades privadas tenham começado a surgir apenas na altura em que se começa a falar no encerramento das maternidades públicas. Em Lisboa tínhamos uma grande maternidade privada com um grande movimento, superior a algumas públicas. E neste momento fazem-se partos em muitos sítios de Lisboa, e realmente isto tem de ser avaliado. A senhora ministra pediu-me para rever o documento elaborado pela Comissão Nacional da Saúde Materna e Neonatal e sei que as regras vão ser iguais para toda a gente. Não é o encerramento mas a exigência. Para uma maternidade estar aberta tem de ter aqueles requisitos.
«TM» -- Quais são os pressupostos da avaliação do PNS que está a ser efectuada pela OMS -- Europa?
MCM
-- A avaliação não é do PNS mas do nosso sistema nacional de Saúde. Obviamente que uma grande fatia corresponderá ao PNS e isso também nos irá ajudar a traçar o próximo plano. Já reunimos duas vezes e agora estamos a discutir quais serão os indicadores. O que eu lhes pedi, e o que foi combinado com a senhora ministra, foi que a avaliação seria mais global e abrangente. Para dali retirarmos, na prática, armas concretas, estratégias para o nosso PNS e para o planeamento estratégico futuro da Saúde em Portugal.
Andreia Vieira
TEMPO MEDICINA 08.09.08

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