Meia remodelação
A pensar nas eleições de 2009
As mudanças no Governo mostram que Sócrates quis agradar ao eleitorado mais à esquerda, enviando sinais de que pode inverter o sentido de algumas reformas. Mesmo assim, alguns dos piores ministros não perderam o emprego
As mudanças no Governo mostram que Sócrates quis agradar ao eleitorado mais à esquerda, enviando sinais de que pode inverter o sentido de algumas reformas. Mesmo assim, alguns dos piores ministros não perderam o emprego
Antes de comentar os nomes que saem e os que entram, entra pelos olhos dentro que esta é uma remodelação arrancada a ferros e que parece ter um só objectivo: mudar alguma coisa para garantir que José Sócrates estará em melhores condições de ganhar as eleições de 2009.
O que é que habitualmente preocupa um primeiro-ministro a ano e meio de ir a votos? Mudar alguma coisa na sua equipa, idealmente para extrair alguns abcessos de crispação das oposições e da opinião pública. Mudar o menos possível para não criar uma imagem de fraqueza. Neste momento concreto, José Sócrates podia seguir, como aqui se escreveu há dias, dois caminhos: ou se centrava nos ministérios mais polémicos, fazendo sair protagonistas muito desgastados, ou aproveitava a saída inevitável do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Amaral Tomaz, para reforçar o seu controlo político em algumas áreas críticas da governação num ano em que vai ter dinheiro para gastar e tentará ter obra para mostrar.
O que é que habitualmente preocupa um primeiro-ministro a ano e meio de ir a votos? Mudar alguma coisa na sua equipa, idealmente para extrair alguns abcessos de crispação das oposições e da opinião pública. Mudar o menos possível para não criar uma imagem de fraqueza. Neste momento concreto, José Sócrates podia seguir, como aqui se escreveu há dias, dois caminhos: ou se centrava nos ministérios mais polémicos, fazendo sair protagonistas muito desgastados, ou aproveitava a saída inevitável do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Amaral Tomaz, para reforçar o seu controlo político em algumas áreas críticas da governação num ano em que vai ter dinheiro para gastar e tentará ter obra para mostrar.
À primeira vista José Sócrates optou (ou foi forçado a optar) por uma meia remodelação que tem apenas duas vítimas visíveis: o ministro Correia de Campos, que estava a reformar a sensível área da saúde e, por isso, a criar enorme controvérsia; e a ministra Isabel Pires de Lima, que não estava a fazer nada na mediática área da Cultura, e por isso gerava igualmente muitos protestos. A não ser o facto de ambos estarem politicamente desgastados, e de nenhum deles ser um dos seus fiéis, nada os une e muito os divide. Sobretudo porque um estava a reformar um sector (e o primeiro-ministro nunca disse que o estava a fazer mal apesar dos muitos protestos, alguns eventualmente com razão, muitos sem razão nenhuma) enquanto a outra não estava a fazer nada que realmente se visse ou tivesse impacto (o último disparate foi o do investimento na retransmissão para teatros de província de uma ópera de Emanuel Nunes cuja qualidade não está em causa mas que muito dificilmente não provocaria, como provocou, a debandada do público). Ou seja, não houve uma razão de Estado para a remodelação, pois continuam ministros cuja inoperância é notória e de há muito conhecida.
Tendo a remodelação sido ditada por motivos políticos e feita com os olhos postos nas eleições de 2009, vale a pena ver que sinais ela nos envia.
Comecemos pelos ministros. Ambos têm um perfil que os coloca mais à esquerda do que os anteriores titulares.
Ana Jorge, que vai para a Saúde, não é apenas uma apoiante de Manuel Alegre: é alguém que sempre que passou por lugares públicos no sector se distinguiu por uma visão muito estatista e total aversão a fórmulas de gestão privadas. Quando esteve à frente da Administração Regional de Saúde de Lisboa, no tempo de Maria de Belém, criou um problema com o Hospital Amadora-Sintra que acabou na sua humilhação pública quando uma comissão arbitral deu toda a razão ao hospital. À frente do ministério não se espera apenas um estilo diferente: espera-se uma política diferente. Uma marcha atrás nas reformas que, podendo suscitar debate quanto ao ritmo e forma de concretização no terreno, eram no essencial correctas e necessárias. Felizmente que algumas já são irreversíveis.
José António Pinto Ribeiro, para além de andar com más companhias - foi uma escolha conjunta do Governo e do comendador Berardo para a administração da respectiva fundação -, tem um perfil bem à esquerda do de Sócrates e apoiantes naquela franja de eleitores que estão bem na vida mas costumam hesitar entre votar PS ou votar no Bloco. Com ele a "esquerda caviar" está, de certa forma, de regresso ao Governo e à pasta da Cultura.
Se a estas duas escolhas acrescentarmos o regresso ao Governo de mais um elemento da equipa que Sousa Franco encabeçou quando foi ministro das Finanças (caso de Costa Lobo nos Assuntos Fiscais), e se nos recordarmos de como o "monstro" foi alimentado nesses anos de optimismo guterrista, o quadro político começa a ficar completo: pouco preocupado com a oposição de direita (sobretudo com um PSD que já "meteu no bolso"), Sócrates quer cobrir a sua esquerda e evitar qualquer risco de uma dissidência no seu próprio partido poder vir a colocar em causa uma segunda maioria absoluta.
Tendo a remodelação sido ditada por motivos políticos e feita com os olhos postos nas eleições de 2009, vale a pena ver que sinais ela nos envia.
Comecemos pelos ministros. Ambos têm um perfil que os coloca mais à esquerda do que os anteriores titulares.
Ana Jorge, que vai para a Saúde, não é apenas uma apoiante de Manuel Alegre: é alguém que sempre que passou por lugares públicos no sector se distinguiu por uma visão muito estatista e total aversão a fórmulas de gestão privadas. Quando esteve à frente da Administração Regional de Saúde de Lisboa, no tempo de Maria de Belém, criou um problema com o Hospital Amadora-Sintra que acabou na sua humilhação pública quando uma comissão arbitral deu toda a razão ao hospital. À frente do ministério não se espera apenas um estilo diferente: espera-se uma política diferente. Uma marcha atrás nas reformas que, podendo suscitar debate quanto ao ritmo e forma de concretização no terreno, eram no essencial correctas e necessárias. Felizmente que algumas já são irreversíveis.
José António Pinto Ribeiro, para além de andar com más companhias - foi uma escolha conjunta do Governo e do comendador Berardo para a administração da respectiva fundação -, tem um perfil bem à esquerda do de Sócrates e apoiantes naquela franja de eleitores que estão bem na vida mas costumam hesitar entre votar PS ou votar no Bloco. Com ele a "esquerda caviar" está, de certa forma, de regresso ao Governo e à pasta da Cultura.
Se a estas duas escolhas acrescentarmos o regresso ao Governo de mais um elemento da equipa que Sousa Franco encabeçou quando foi ministro das Finanças (caso de Costa Lobo nos Assuntos Fiscais), e se nos recordarmos de como o "monstro" foi alimentado nesses anos de optimismo guterrista, o quadro político começa a ficar completo: pouco preocupado com a oposição de direita (sobretudo com um PSD que já "meteu no bolso"), Sócrates quer cobrir a sua esquerda e evitar qualquer risco de uma dissidência no seu próprio partido poder vir a colocar em causa uma segunda maioria absoluta.
Em política não se deve acreditar em acasos, e a verdade é que domingo, no PÚBLICO, Vasco Pulido Valente falou sobre a possibilidade de uma dissidência à esquerda no PS, e que na noite de segunda-feira Manuel Alegre não negou, no Porto, essa possibilidade. Tudo num fim-de-semana em que duas eleições regionais na Alemanha mostraram como uma dissidência à esquerda num partido irmão do PS, o SPD, representou para este um enorme custo político. Sócrates não quer que aconteça o mesmo ao "seu" PS, mesmo que vá engolir algumas das políticas que até agora tem andado a defender.
José Manuel Fernandes, JP 30.01.08
José Manuel Fernandes, JP 30.01.08
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