domingo, fevereiro 03, 2008

Correia de Campos e o fim do ‘Super-Sócrates’


É possível que Correia de Campos não tivesse condições para continuar. Mas a sua substituição é, também, um sinal da subjugação do Governo ao ciclo eleitoral. É puro receio da rua, do partido e dos ‘media’. É, afinal, o costume...

A demissão do ministro da Saúde destruiu o mito do ‘super-Sócrates’, o homem imune às pressões dos «media», às pressões do partido e às pressões da rua - as três forças que arrumaram Correia de Campos na prateleira dos remodelados.

A falta de jeito para a política do ex-ministro da Saúde explica metade da história. A restante só pode ser compreendida através da monumental demagogia que varreu Portugal a propósito de casos desgarrados e exemplificativos de... absolutamente coisa nenhuma.
A última dessas ondas demagógicas foi o célebre telefonema do INEM para os Bombeiros de Favaios (genialmente caricaturado por Ricardo Araújo Pereira num vídeo na Internet). Esse triste episódio, se demonstra a crise de alguma coisa em Portugal, é a crise da educação, da formação profissional, do civismo e do serviço público. Começamos por ter uma senhora que não sabe o seu número de telefone; passamos para um homem que diz, aparentemente com grande descontracção, que o irmão está morto (irmão de quem não sabe a idade ao certo) e continuamos com dois bombeiros, de duas corporações diferentes (Favaios e Alijó) que afirmam não ter meios humanos.

Perante isto, qual é a culpa do INEM ou do ministro da Saúde? Quanto dinheiro dos nossos impostos vai para educação, que não tem qualquer retorno? Quanto dinheiro damos aos bombeiros para termos uns amadores atrás de um telefone, atarantados e gaguejantes, sem saber o que fazer?

Isto não é a crise do SNS. É o retrato de um país onde há zonas terceiro-mundistas!

Depois, vieram as pressões do partido. Os pais fundadores do SNS, como Arnaut, as consciências de esquerda, como Alegre. Tudo gente estimável e acima de qualquer suspeita, mas convicta de que os recursos são inesgotáveis. Não lhes chegou o exemplo das reformas (que a geração deles recebe quase por inteiro, alguns desde a meia-idade, mas que a minha não receberá antes dos 66 ou 67 anos e cheia de descontos, e a geração das minhas filhas nem sabe se alguma coisa receberá).
Pessoas que sabem que a Saúde tem custos aterradores, que as pessoas vivem cada vez mais anos e que o sistema não aguentará, mas que insistem na inutilidade da reforma.

Foi a ideia da anti-reforma que o país adoptou. E foi a ideia de um chefe do Governo imune ao tacticismo eleitoralista que ruiu.

Sócrates é, como os outros, sensível ao apelo da rua, do partido, dos «media». Até Outubro de 2009 nada de relevante será feito em Portugal.
Henrique Monteiro, semanário expresso, edição 1840 de 02.02.08