O símbolo
Na véspera da remodelação de ontem, José Sócrates foi assobiado e insultado no Porto.
Dias antes, no Alentejo, já se tinham visto protestos iguais. Cercado no país que lhe deu a maioria absoluta, o primeiro-ministro reagiu e deixou cair o ministro mais incómodo – Correia de Campos – e o elemento mais fraco da equipa, a ministra da Cultura. Poucos ou nenhuns portugueses saberão quem é Isabel Pires de Lima – o que confirma o seu fracasso. Quase todos sabem quem é Correia de Campos, eleito inimigo público nº 1.
O confronto de anteontem no Porto foi, portanto, a gota de água. Não era possível resistir mais. A desconfiança atingira a cabeça do Executivo: o próprio Sócrates. Era preciso mudar. Foi o que o primeiro-ministro fez: virou a mesa. Ou seja, o Governo não agiu: reagiu. Foi obrigado a tomar medidas para não comprometer a eleição em 2009. No entanto, não foi apenas o ocaso de Correia de Campos que desencadeou a remodelação. No centro do furacão está a crise financeira mundial. Isso mesmo: o medo da recessão fragilizou o Governo, retirou-lhe a certeza de que 2008 será um ano bom, um ano em que as condições de vida e de investimento vão melhorar. O FMI deixou ontem bem claro que não vai ser assim: todos os países vão sofrer. Portugal, apesar dos fundos de Bruxelas, apesar da ligeiríssima folga orçamental, apesar das exportações, apesar da recorrente falta de pontaria do FMI também terá mais pedras e curvas pelo caminho.
Sócrates está proibido de o assumir – seria um suicídio político – mas conhece bem os riscos. Neste cenário de incerteza, sabe também que ficou mais vulnerável à agitação das ruas. Correia de Campos era, neste sentido, o elo mais fraco. Há muitos anos que um ministro não juntava tantos ódios. Um joelho esfolado bastava para que se fizesse uma manifestação à porta de um hospital. A hemorragia era evidente: quanto mais o ministro falava, mais se afogava. Não que dissesse asneiras, simplesmente já ninguém confiava nele. Manuel Alegre explorou a ferida para se promover. As críticas não rimavam, mas o alvo era fácil e não tinha quem o defendesse.
Por tudo isto, é o momento certo para o sublinhar: Correia de Campos foi um bom ministro. Encerrou as maternidades e as urgências sem qualidade; controlou, pela primeira vez, o horário e a assiduidade dos médicos; atacou o lóbi das farmácias; apostou nos médicos de família e nos cuidados primários; controlou com mão de ferro as despesas hospitalares e responsabilizou os gestores. Tudo medidas oportunas. Poderia ter sido mais prudente, menos conflituoso, mais sereno e menos precipitado. Falhou várias vezes e dificilmente poderia continuar, mas deixou uma marca: serviu o país com seriedade, coragem e conhecimento. O epitáfio está escrito: saiu o ministro que, logo na tomada de posse, simbolizou a luta do Governo contra os grupos de interesse e de pressão.
Um assunto a voltar: Paulo Macedo, primeiro, e agora Amaral Tomaz deixaram a máquina fiscal. Duas baixas de peso. Veremos com que consequências nas receitas públicas.
André Macedo, DE 30.01.08
Dias antes, no Alentejo, já se tinham visto protestos iguais. Cercado no país que lhe deu a maioria absoluta, o primeiro-ministro reagiu e deixou cair o ministro mais incómodo – Correia de Campos – e o elemento mais fraco da equipa, a ministra da Cultura. Poucos ou nenhuns portugueses saberão quem é Isabel Pires de Lima – o que confirma o seu fracasso. Quase todos sabem quem é Correia de Campos, eleito inimigo público nº 1.
O confronto de anteontem no Porto foi, portanto, a gota de água. Não era possível resistir mais. A desconfiança atingira a cabeça do Executivo: o próprio Sócrates. Era preciso mudar. Foi o que o primeiro-ministro fez: virou a mesa. Ou seja, o Governo não agiu: reagiu. Foi obrigado a tomar medidas para não comprometer a eleição em 2009. No entanto, não foi apenas o ocaso de Correia de Campos que desencadeou a remodelação. No centro do furacão está a crise financeira mundial. Isso mesmo: o medo da recessão fragilizou o Governo, retirou-lhe a certeza de que 2008 será um ano bom, um ano em que as condições de vida e de investimento vão melhorar. O FMI deixou ontem bem claro que não vai ser assim: todos os países vão sofrer. Portugal, apesar dos fundos de Bruxelas, apesar da ligeiríssima folga orçamental, apesar das exportações, apesar da recorrente falta de pontaria do FMI também terá mais pedras e curvas pelo caminho.
Sócrates está proibido de o assumir – seria um suicídio político – mas conhece bem os riscos. Neste cenário de incerteza, sabe também que ficou mais vulnerável à agitação das ruas. Correia de Campos era, neste sentido, o elo mais fraco. Há muitos anos que um ministro não juntava tantos ódios. Um joelho esfolado bastava para que se fizesse uma manifestação à porta de um hospital. A hemorragia era evidente: quanto mais o ministro falava, mais se afogava. Não que dissesse asneiras, simplesmente já ninguém confiava nele. Manuel Alegre explorou a ferida para se promover. As críticas não rimavam, mas o alvo era fácil e não tinha quem o defendesse.
Por tudo isto, é o momento certo para o sublinhar: Correia de Campos foi um bom ministro. Encerrou as maternidades e as urgências sem qualidade; controlou, pela primeira vez, o horário e a assiduidade dos médicos; atacou o lóbi das farmácias; apostou nos médicos de família e nos cuidados primários; controlou com mão de ferro as despesas hospitalares e responsabilizou os gestores. Tudo medidas oportunas. Poderia ter sido mais prudente, menos conflituoso, mais sereno e menos precipitado. Falhou várias vezes e dificilmente poderia continuar, mas deixou uma marca: serviu o país com seriedade, coragem e conhecimento. O epitáfio está escrito: saiu o ministro que, logo na tomada de posse, simbolizou a luta do Governo contra os grupos de interesse e de pressão.
Um assunto a voltar: Paulo Macedo, primeiro, e agora Amaral Tomaz deixaram a máquina fiscal. Duas baixas de peso. Veremos com que consequências nas receitas públicas.
André Macedo, DE 30.01.08
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