segunda-feira, janeiro 21, 2008

Desfechos Previsíveis


Não se ouve o Governo debater qual o novo modelo de financiamento da Saúde

1Nem demorou muito tempo a acontecer. Esta semana foi noticiado que um grupo de empresários, que já possui unidades de saúde, vai abrir, em Chaves, um hospital privado com serviço de maternidade. Precisamente na cidade onde o Governo decidiu fechar a maternidade pública, que funcionava no hospital estatal. Para quem tivesse dúvidas, passou a ser transparente o desfecho da chamada "reforma da saúde" em Portugal, que se tem traduzido, na prática, na aposentação de serviços de saúde pública.
A reportagem apresentada pela SIC sobre o assunto era cristalina. A população de Chaves dizia aquilo que é central neste assunto: o serviço prestado pela futura maternidade será pago, ou seja, aquilo que até hoje tinha sido, em Chaves, um direito passa agora a ser um negócio.
É certo que existem alternativas públicas. É certo que quem vive em Chaves e quiser ter filhos através do sistema público pode ir a hospital estatal de Vila Real. E há até a alternativa de ir a Espanha, que nem fica longe. Mas não é preciso ser especialista ou estudar muito o assunto para se perceber que, para muitas pessoas será preferível pagar, mesmo até recorrendo a crédito bancário, e ter os filhos na terra onde vivem do que deslocarem-se de carro ou de ambulância a uma cidade próxima. É, aliás, sabendo isso que um serviço que foi fechado pelo Estado, porque não justificava o investimento público a que obrigava, é visto como aliciante e potencialmente lucrativo por um grupo de empresários do sector da saúde, que decidiram investir na abertura de um hospital em Chaves.
O desfecho era previsível. É lógico que o objectivo da dita "reforma da saúde" não passa senão por poupar dinheiro no Orçamento do Estado, desinvestindo no sector público, retirando direitos sociais aos cidadãos e, por contraposição, beneficiando o lucro privado, transformando direitos em negócios. A questão e o objectivo é tão-só esse, quanto não se ouve o Governo, nem o PS, partido de cujo apoio parlamentar o Governo teoricamente depende, debaterem quais as novas formas de financiamento, ou qual o novo modelo de financiamento da Saúde que deve ser adoptado. Apenas e só se assiste ao protesto das populações perante o fecho de serviços.
A situação tem sido generalizada. E, depois das maternidades, é agora a vez das urgências. Perante o protesto das populações que se sentem desamparadas, abandonadas pelo Estado democrático. Estado que teoricamente existe para os servir e para garantir o tratamento em igualdade de circunstâncias e também a redistribuição da riqueza através da cobrança de impostos que deveriam alimentar os serviços de apoio aos cidadãos. Como resposta aos seus protestos, as populações têm tido a explicação - ingénua ou cínica? - do ministro de que passará a haver uma ambulância para tratar de levar os casos realmente urgentes ao hospital com serviço de urgência mais próximo.
Perante solução tão cândida como a de substituir uma urgência por uma ambulância do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), pergunta-se: e se na mesma noite, sensivelmente à mesma hora, houver um acidente de viação (coisa que em Portugal é mato como os números mostram) e um enfarte agudo do miocárdio ou um acidente vascular cerebral, para que vítima se vira o INEM? Qual é a prioridade para transporte urgente? Qual o critério para escolher a quem o INEM tenta salvar a vida e quem pode morrer?

2PS e PSD começaram esta semana a resolver aquilo que vêem como o problema da governabilidade nas grandes câmaras, nomeadamente na Câmara de Lisboa e Porto, ou seja, quando a diversidade de representatividade inviabiliza a decisão, a solução que corta a direito é a de acabar com essa diversidade. Ora, a melhor maneira que os dois maiores partidos portugueses encontraram para fazer face a entraves na decisão de câmaras governadas em maioria relativa foi aprovar uma lei eleitoral que garante que quem ganhar as eleições, mesmo que por uma maioria escassa de votos, terá sempre o poder da maioria absoluta dos mandatos na vereação.
Em democracia todas as leis eleitorais, que garantam o pluripartidarismo, são democráticas. Esta é uma chamada "verdade de La Palisse". Outra verdade de La Palisse é que todas as leis eleitorais são representativas, mesmo aquelas que regulam eleições não democráticas em regime de partido único. Há sempre quem vote e, por isso, esteja representado pelo eleito. O problema que se coloca em relação aos sistemas eleitorais e à representatividade que os mesmos garantem prende-se com a diversidade dessa representatividade. E é incontestável que uma lei eleitoral quanto mais garante o respeito da proporcionalidade directa, mais representativa da diversidade do eleitorado é.
As mudanças em curso, ao introduzirem a regra de que o partido vencedor tem à partida, pelo menos, metade mais um dos lugares da vereação e que os restantes lugares serão distribuídos pelos partidos da oposição, de acordo com a proporcionalidade dos resultados, criam uma distorção da representatividade muito superior à que acontecia com a aplicação do método de Hondt.
Daí que estas mudanças possam conduzir à bipartidarização do sistema de governo municipal, uma vez que diminuem o espaço de representatividade dos partidos da oposição no executivo. E o facto de as assembleias municipais saírem reforçadas com a nova lei, pela criação da figura da moção de rejeição, não compensa, do ponto de vista da representatividade, a perda de peso e do respectivo poder das oposições na vereação. Apenas assegura uma coisa: que quem ganha governa sem ter de dar justificações e sem negociar com a oposição.
Por isso, esta lei facilita a vida ao partido que ganha. E assenta que nem uma luva aos grandes partidos no que respeita à governabilidade de câmaras como a de Lisboa e do Porto. Mas não aumenta uma vírgula nem um ponto no que toca à representatividade do poder e à aproximação entre eleitores e eleitos.
São José Almeida, semana política, JP 19.01.08