sábado, janeiro 26, 2008

CC em entrevista ao Expresso


"Quero valorizar a sigla SNS"
O gabinete do ministro cheira a maçãs. Foi uma oferta de "um amigo" do Oeste, grato pelo anúncio da construção da nova unidade hospitalar na região. Afinal, nem todos os portugueses estão descontentes com Correia de Campos.


Entrevista de Cristina Bernardo Silva e Cristina Figueiredo

O Serviço Nacional de Saúde (SNS), "universal e geral, tendencialmente gratuito", como define a Constituição, tem os dias contados?

De maneira nenhuma. O SNS universal, geral e tendo em conta as condições económicas e sociais da população - é assim que está escrito na Constituição - é uma das maiores conquistas sociais depois do 25 Abril e das que têm demonstrado maior sucesso. Fomos o país que mais progrediu - segundo um estudo de 2000 da OMS - em termos de saúde e esse movimento continua nos últimos três anos. O que estamos a fazer no SNS, estes aperfeiçoamentos, ganhos de eficiência, racionalizações, concentrações de serviços e hospitais, esta batalha da qualidade, são essenciais para mantermos e reforçarmos o SNS. Se não o fizéssemos, ao fim destes três anos, o SNS estava mais gordo, menos eficiente, de menor qualidade, igualmente gastador mas com piores resultados. A política que adoptámos é a do rejuvenescimento e prolongamento do SNS.

Estamos a falar do mesmo SNS de que falávamos há 30 anos?

Estamos. Apesar das diferenças brutais de exigência. Em 1978 nascia muito mais gente mas morria-se muito mais, sobretudo de doenças infecciosas. Hoje morre-se cada vez menos de doenças transmissíveis, muitíssimo menos de acidentes de trabalho, de acidentes nas estradas...

E isso devido ao SNS?

Então não? Quando há um controlo do alcoolismo nas estradas e dos acidentes de trabalho isso não é promoção da saúde e prevenção da doença? Quando a vacinação atinge 98% da população isso não é a redução ao limite mais baixo possível das mortes? É um ganho absolutamente espectacular! Esta campanha do AVC e do enfarte (mostra os folhetos): "Ligue de imediato o 112"...O SNS é uma conquista nacional do 25 de Abril em cuja construção participei activamente desde o início. O nome de António Arnaut é importante, mas outros nomes devem ser salientados: os especialistas Gonçalves Ferreira, Arnaldo Sampaio... O meu nome não é para incluir nesse registo, eu era um jovem assistente (mas porventura o que mais papéis escrevia). Arnaut teve a coragem de avançar com o projecto como deputado.

Mas há uma transferência de encargos para o bolso dos utentes, as taxas moderadoras...

Não. As taxas moderadoras representam uma percentagem ínfima (1%) do financiamento do SNS. Moderam a procura e não incidem sobre pessoas com dificuldades económicas: há 55% isentos de taxas moderadoras. Quanto ao que cada um paga... o SNS foi talvez o factor que mais igualdade trouxe à sociedade e isso fez-se com uma transferência poderosa de recursos públicos para servir as famílias: os gastos públicos com saúde são de10 milhões de euros, que representam 7,2% do PIB, enquanto a parte correspondente aos gastos privados representa 3%. A parte privada já foi muito mais alta: entre 1980 e 1985 a comparticipação privada nos gastos totais com a saúde atingia os 40% e neste momento estamos abaixo dos 28%.

O senhor fala de "aperfeiçoamento" do SNS, António Arnaut fala de "tentativa de descaracterização" e Manuel Alegre de "grande machadada".

Não comento minimamente essas afirmações. De vez em quando, sempre que posso, faculto-lhes informação para eles lerem. É que eu não respondo perante Arnaut ou Alegre, por muito respeito que lhes tenha, respondo perante os portugueses. Uma reforma destas faz-se em muito tempo, para chegarmos à cobertura geral de centros de saúde levámos 25 anos. Agora não vamos levar 25 anos a implementar as Unidades de Saúde Familiar (USF), mas em cinco anos teremos o país coberto de USF. O que vos recomendo é que vão pelo país, visitem as USF, falem com as pessoas inscritas numa USF. E vêem a diferença logo.

O que vemos nesta altura é as manifestações!

Não, desculpe. Vêem manifestações insistentemente num sítio! Não tomem a nuvem por Juno. Isso não representa o País. O que representa o País é o número de USF, o entusiasmo dos participantes nelas. Ainda há dias visitei duas e a satisfação das pessoas é outra, devido ao mecanismo da inter-substituição (doente que tem consulta marcada e que é atendido mesmo que o seu médico de família não possa) e à ligação pessoal com o médico. Quem se inscreve numa USF vem de lá com o telemóvel e o endereço electrónico do médico. Isto nunca existiu. E muda tudo

É uma ideia errada a de que o SNS é dirigido cada vez mais a quem não tem meios de recorrer à medicina privada, ao mesmo tempo que proliferam os seguros de saúde e, por todo o País, abrem cada vez mais clínicas e hospitais privados?

Não, não. O recurso à medicina privada já foi muito maior do que é hoje. Um exemplo: há dez anos quando se queria fazer uma operação às cataratas tinha de se ir a Lisboa, ao Porto ou a Coimbra, hoje faz-se nos hospitais distritais, de graça! Temos claramente um défice de oferta a nível de oftalmologia, urologia e otorrino e estamos a lutar para o combater, nem que seja com métodos excepcionais, com convenções excepcionais. Este mundo não é o melhor dos mundos, não sou um optimista nato, mas olho para trás e sou optimista e olho para a frente e vejo que temos ainda um longo caminho a percorrer.

Mas concorda que existe um sentimento de desamparo social com o fecho de urgências hospitalares, blocos de parto e SAP?

Não. Acho que há um sentimento na comunicação social. Agora, quanto a saber se esse é um sentimento partilhado pelos portugueses intimamente, tenho algumas dúvidas. O meu papel é lutar contra ele, se ele existe. É demonstrar o que estamos a fazer. Demonstrar que estamos no terreno a fazer coisas que previnem qualquer hipótese de desamparo social.

Não há um incómodo político em lidar com o conceito de Serviço Nacional de Saúde, precisamente pela carga histórica que ele tem? Como o senhor disse, é uma conquista de Abril e está inscrito no código genético do Partido Socialista... Não há como que um tabu em assumir as coisas e dizer que o SNS se calhar é uma realidade em mutação?

Não. Ele chama-se sempre Serviço Nacional da Saúde. Em Inglaterra, é o NHS. Aliás, os ingleses valorizam muito a sigla Serviço Nacional de Saúde. E eu ainda não tive tempo para fazer isso, mas também do ponto de vista simbólico quero valorizar a sigla.

Para apaziguar os ânimos...

Não é para apaziguar ânimos nenhuns. Vamos ver se tenho tempo para concentrar a mensagem numa coisa que é extremamente valiosa para os portugueses, que é o SNS.

A próxima revisão constitucional, e o processo pode ser aberto já para o ano, deve alterar os termos em que o artigo 64 está redigido extirpando, por exemplo, o controverso "tendencialmente gratuito"?

Não. Neste momento, convivo perfeitamente, e como toda a gente diz o melhor possível do SNS pressuponho que toda a gente conviva bem, com o que está descrito na Constituição. Quando comecei este mandato, não estava absolutamente certo de conseguir garantir a sustentabilidade financeira do SNS. Neste momento, a um ano e meio do fim do mandato, posso assegurar que estou em condições de garantir a sustentabilidade financeira. Porquê? Porque fizemos a reorganização do SNS. Fizemos esta concentração de recursos, esta racionalização de meios. Feita com o mesmo sacrifício ou com tanto sacrifício como aquele com que os portugueses contribuíram para a redução do défice. Fomos todos que fizemos isto. Não foi o ministro da Saúde que fez isto. Fomos todos os portugueses, desde a indústria, que aceitou baixar o preço dos medicamentos por duas vezes, às farmácias, que aceitaram vender menos medicamentos em valor, às multinacionais, que aceitaram que os genéricos subissem de 7,9 para 17,9%. Isto é absolutamente impressionante. Claro que há muitos interesses que foram atingidos. As pessoas que tinham horas extraordinárias para estarem numa urgência sem terem grande trabalho. Era uma urgência pouco trabalhosa e muito bem paga. Essas pessoas também se sacrificaram. Os fornecedores de meios complementares de diagnóstico, que durante dois anos consecutivos vêem fixado em 0% o crescimento do valor das prestações. Tudo isso foram sacrifícios de muita gente, inclusive de grupos. É natural que haja grupos e agentes económicos que gostassem agora que viesse um novo ministro da Saúde que abandonasse este tipo de orientação e que de novo deixasse derrapar as despesas, deixasse que o SNS entrasse numa rampa inclinada e de destruição. O que estamos a fazer é justamente a salvar, a aguentar, a controlar o SNS e a torná-lo mais universal. A servir aqueles casais que não podem ter filhos para que tenham procriação medicamente assistida mais acessível do ponto de vista financeiro. Mas vamos à acessibilidade porque é importante olhar para a acessibilidade. Vamos aos hospitais, às consultas. Há bocado, eu disse que não estou satisfeito com as listas de espera das consultas. Mas o resultado das listas de espera cirúrgica é um fantástico sucesso. Nós baixámos desde Dezembro de 2005 a Outubro de 2007, de 241 mil para 206 mil os doentes em lista de espera. Podia-se dizer: "Estão a fazer mais intervenções no CIGIC (Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia), estas são pagas à parte, e portanto as dos hospitais estão a baixar. Mas não é isso que acontece. Nos hospitais, as intervenções cirúrgicas programadas subiram de 400 mil para 462 mil. Mais 62 mil por ano. As cirurgias ambulatórias passaram de 96 mil para 144 mil. Cirurgia ambulatória, que é aquilo que nós agora queremos desenvolver. Estamos ainda relativamente atrás de outros países. Estamos com 18, 20% de cirurgia ambulatória. Espanha está com qualquer coisa entre 25 e 40 mil. A Inglaterra estará em 50 mil, a França também. A cirurgia de ambulatório é uma solução de enorme futuro. E é isso o que queremos fazer dos pequenos hospitais, como Anadia, como São João da Madeira. Especializá-los naquilo que mais serve a sua população. Segundo o que eles nos dizem, aquela população precisa de consultas de especialidade para não ter que ir a Coimbra, ou ao Porto, ou a Santa Maria da Feira. Precisam que lá viesse um especialista do hospital central. Pois bem, no caso de Anadia, vamos ver dentro de poucos dias o acordo que já estabelecemos com hospitais da Universidade de Coimbra para virem à Anadia ampliar consideravelmente a oferta de consultas de especialidade. Para serem ali atendidos. Cirurgia ambulatória, Cantanhede. Cantanhede tinha feito obras, tinha baixado a cirurgia ao ponto zero. Sempre teve uma boa tradição de cirurgia, mas de cirurgia tradicional. Cantanhede começou a fazer cirurgia ambulatória em Março. Neste momento, já fez até ao fim do ano 600 intervenções de cirurgia ambulatória. Cuidados continuados a idosos, que é exactamente uma das áreas mais importantes e mais necessárias nos locais desses pequenos hospitais, que têm uma concentração tecnológica não muito avançada, mas muito boa para cuidados continuados. Por exemplo, fisiatria, medicina física de reabilitação, até alguns com unidades de tratamento imediato de acidentes vasculares cerebrais. Pois bem, é o que fizemos. Até uma unidade de paliativos, em Cantanhede. E é o que queremos fazer também na Anadia. Também já está previsto para Oliveira de Azeméis.

Mas essa mensagem não passa...

Desculpe, mas essa mensagem foi por mim repetidas vezes transmitida. Nos 15 hospitais com os quais discutimos e nos 13 hospitais com os quais fechámos acordo, incluindo terça-feira com Peniche, essa proposta está escrita no protocolo. Criar cuidados continuados, quer sejam de convalescença, quer sejam de média duração, ou até de cuidados paliativos.

Deixe-me recordá-lo de uma frase que disse à Rádio Renascença no início do ano: "Os portugueses não estão a perceber a política do Governo porque, se estivessem a perceber, eu seria o ministro mais popular em vez de ser o menos popular".

Não posso dizer se foi exactamente nesses termos, mas vamos admitir que sim. Que mal é que tem essa afirmação?

Nenhum. O que lhe pergunto é: o que é que falha?

O que falha é muito simples. Uma mensagem aparentemente tida como uma amputação é muito difícil de ser comunicada. Foi comunicada em 12 sítios, dos 15, e houve dois (Anadia e Peso da Régua) onde o nosso interlocutor não aceitou a mensagem. Estava no seu direito, embora ache que fez mal porque incutiu nas populações a ideia errada de que o que iríamos transformar naquele hospital não seria bom. Vamos e estamos a demonstrar, e porque não somos retaliadores nem coisa nenhuma, que a nossa mensagem é a mensagem correcta. E vai ver que daqui a algum tempo as populações de Anadia e de Peso da Régua perceberão isso.

Já que estamos a falar de Anadia, não posso deixar de lhe perguntar isto. Vamos para as bancas no sábado, mas hoje, quarta-feira, é o tema do dia. Trata-se da questão do telefonema que alegadamente terá feito a uma familiar do presidente da Câmara de Anadia.

Não, não. Foi ao familiar, mas para encontrar o próprio presidente da Câmara. Tive uma informação telefónica do meu pessoal que estava dentro da ambulância SIV (Suporte Imediato de Vida), que estavam com a população à volta, com grande agressividade e com tentativas, inclusive, de empurrar a ambulância. E foram-me telefonando para eu agir. Contactei o senhor governador civil, mas tive mais dificuldade em contactá-lo. Decidi então contactar o senhor presidente da Câmara. E disse-lhe: "Senhor presidente da Câmara, tem que me garantir, e será responsabilizado se porventura houver alguma agressão física ao meu pessoal ou se houver alguma agressão ao equipamento do Estado. O senhor presidente garantiu-me que a manifestação estava controlada, que isso já teria passado, e eu depois confirmei isso na televisão. Aliás, vimos todos na televisão a GNR a impedir ainda algumas pessoas de se aproximarem. E eu disse-lhe: "Muito bem, muito obrigado, fico muito satisfeito". E fiquei muito satisfeito por o senhor presidente me ter dado essas garantias.

E o facto de ele vir agora divulgar esse telefonema pode fazer parte de algum tipo de aproveitamento político, na sua opinião?

Não. Não faz parte de aproveitamento nenhum. Não tenho nenhum comentário sobre isso. O meu desejo é que o senhor presidente perceba que vamos transformar o Hospital de Anadia num bom hospital. O que eu não posso aceitar é a exploração absolutamente inaceitável que foi feita por forças partidárias e por alguns dos vossos colegas da comunicação social, transformando um não-facto, que não teve nenhuma ligação com a reorganização do hospital, como se fossemos nós os culpados disso.

Está a referir-se ao caso do bebé que morreu na semana passada?

Sim. Isso é inaceitável. Em qualquer sociedade democrática isso tem que ser denunciado. Foi isso o que fez o senhor primeiro-ministro, foi isso o que eu fiz, e denunciarei sempre toda essa manobra, toda essa utilização oportunística daquele palco rotativo, por diferentes líderes partidários. Felizmente, já passou porque toda a gente já percebeu que não havia nenhuma associação entre um facto e o outro. Até o próprio senhor presidente veio já a público dizer isso. Portanto, espero que passada esta fase de emoção as pessoas entendam o apelo que o senhor Presidente da República fez terça-feira. Entendam o apelo como uma chamada ao bom-senso.

E quanto ao caso da bebé do Carregal do Sal, que morreu quase na mesma altura?

É um caso completamente diferente. Havia apenas um criança com graves problemas de saúde, que andava a ser acompanhada até em vários hospitais, que foi inicialmente lá socorrida e depois transferida para Viseu. Solicitei à Inspecção-Geral que averiguasse o que se passou.

Já que se fala de averiguações... Temos muitas notícias dos pedidos de averiguações e depois, se calhar, pela própria dinâmica noticiosa, que se interessa por outras coisas, perde-se o rasto.

Mas de todas as vezes chegam-me os relatórios e eu despacho sobre eles. Algumas vezes são mandados arquivar, outras vezes dão lugar a intervenções.

Não é só uma maneira de calar, de alguma forma, as populações e a comunicação social?

Por amor de Deus. A Inspecção-Geral é um órgão que tem uma força legal muito grande. Pode ouvir pessoas de todos os sectores, público e privado. Não é um instrumento político. De resto, há sempre uma certa separação nas inspecções-gerais. Eu não conheço os inspectores. Conheço apenas o inspector-geral. Fui uma vez às instalações, quando a Inspecção-Geral celebrou 25 anos, salvo erro.

Quando o Presidente da República, na mensagem de Ano Novo, diz que seria importante que os portugueses percebessem para onde vai o País em matéria de cuidados de saúde, entendeu a mensagem como estando dirigida aos receptores da política de saúde ou ao emissor?

A todos. A mim também. E deu-me uma enorme satisfação porque a mensagem do senhor Presidente tem duas afirmações que dão uma enorme satisfação a qualquer ministro da Saúde. As reformas são inadiáveis, disse o senhor Presidente. Se tivesse querido dizer o contrário, tê-lo-ia dito. Em segundo lugar, disse que temos de garantir a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde. São exactamente duas áreas fulcrais da minha intervenção. Como é que eu não hei-de estar grato, até, ao senhor Presidente?

Face a este mês de Janeiro, que tem sido bastante quente na sua área, acha que os portugueses estão a perceber para onde vai o País em matéria de cuidados de saúde?

Acho que vão percebendo. E vão percebendo também graças a vós, através de uma informação correcta e objectiva. Se conseguirmos dizer o que nós já lográmos... Por exemplo, que conseguimos ampliar as consultas hospitalares. No ano que passou, em relação a 2004, fizemos mais 1.264.000 consultas. Temos consultas em lista de espera ainda, é verdade. E se formos ao indicador de acessibilidade que são as primeiras consultas, passámos de dois milhões para 2.396.000. Ou seja, subimos 16% as consultas totais e 19,3% as primeiras consultas. E quanto à proporção das primeiras consultas nas consultas totais, já passámos de 25,2 para 26%. E queríamos chegar, no fim do mandato, aos 30%.

Têm sido tomadas medidas para evitar a saída de médicos e enfermeiros para os privados?

Sobre isso posso dizer-lhe que são mais as vozes do que as nozes. São umas dezenas. Médicos em tempo inteiro não sei se chegarão a 120.

Depreendo que, no seu entender, não estamos a formar médicos que chegados à altura em que estão aptos para exercer a profissão vão para o sector privado.

Não há nenhuma lei que os proíba de sair, depois de o Estado ter investido neles centenas de milhares de euros. Faz parte da sua liberdade. Não vejo mal nenhum nisso. Se dos 26 mil médicos que trabalham no Serviço Nacional de Saúde saíssem 20 mil eu ficava porventura atemorizado. Mas se saíram 100, em três anos...

Não é um optimista nato mas está muito satisfeito consigo próprio.

Não é comigo, é com o trabalho que tem sido desenvolvido pelo Ministério, pelos médicos, enfermeiros, pessoal administrativo. Que tem permitido em contexto de dificuldade orçamental (e só este ano é que o conseguimos) ter o programa da vacinação do colo do útero, o programa de saúde oral ou o programa de procriação medicamente assistida. E avançar mais depressa com obras do Hospital Pediátrico de Coimbra.

Não vê portanto razões para alterar a linha que vem seguindo?

Há uma crítica que me fazem, dizem que não tenho linha política. É a mesma desde o primeiro dia! Está no programa do Governo! Três prioridades: unidades de saúde familiar como forma de resolver os cuidados de saúde primários; lugares de cuidados continuados para idosos; reorganização do sistema. Lembra-se de Lisboa há três anos? O que hoje se chama Centro Hospitalar Central era um conjunto de hospitais: Estefânia, São José, Capuchos, Desterro e Santa Marta, cada um com as suas administrações, as suas regras, as suas contas. Até Santa Maria, que era um hospital dito ingovernável, em dois anos e meio tornou-se um dos nossos hospitais de excelência gestionária: é um dos mais bem geridos do País. Juntou-se ao Pulido Valente e tornou-se Centro Hospitalar de Lisboa Norte. No Porto, juntámos o Santo António, Maria Pia e Maternidade Júlio Dinis. Fizemos isto por todo o País, em três anos. Conseguimos empresarializar os hospitais, torná-los mais autónomos e responsáveis.

Já tem os resultados das contas dos hospitais?

Estão publicados no Portal da Saúde. Reconhecemos muito bem a questão que o Tribunal de Contas nos coloca de que os hospitais empresas públicas têm de ter uma gestão transparente. Publicámos os resultados ao fim do primeiro semestre, ao fim do terceiro trimestre, devem estar a sair os do quarto. Se em 2006 de 31 EPE que então havia só quatro tiveram resultados não negativos, em 2007, em 34, já nove tiveram esses resultados. E em 2008 de certeza que haverá mais.

Quando as coisas estão mais agitadas, como aconteceu neste mês de Janeiro, é quando o vemos mais nas televisões, nas rádios, nos jornais. Trata-se de aproveitar o 'tempo de antena' para explicar a sua política ou é um sinal de desespero, de fuga para a frente?

Cada crise gera uma oportunidade e eu não posso desperdiçar uma oportunidade de explicar aos portugueses directamente e com toda a frontalidade os resultados , que são extremamente positivos, do que estamos a fazer. Se o fizer como informação de rotina ela não passa.

Sente-se um ministro debaixo de fogo?

Não sei se a expressão é correcta. Não sinto o fogo, nem sinto que esteja debaixo.

A impopularidade é o "karma" dos ministros da Saúde?

Não sinto isso. Este é um momento de mais difícil explicação, mas é exactamente igual ao das maternidades. Lembram-se? Tivemos em Lisboa 11 mil pessoas de Barcelos a fazerem uma manifestação impressionante, com políticos nacionais a aproveitarem a onda, como o Francisco Louçã. Tenho um dever cívico para com os portugueses: deram-me um mandato de confiança, através da votação no PS, através da escolha de um primeiro-ministro forte como é José Sócrates, que me escolheu a mim para ministro da Saúde...

...E que lhe terá renovado a confiança numa conversa a sós há quinze dias.

Como? Não. Essas conversas pura e simplesmente não precisam de existir.

Se tivesse de sair agora, saía de consciência tranquila?

A condicionante da sua pergunta não existe. O meu contrato não depende de mim. Depende dos portugueses e da pessoa que foi eleita pelos portugueses para governar o País.

O que é que não gostava mesmo de deixar por fazer?

Quero cumprir o programa a que me comprometi. Todo o programa para a Saúde foi feito sob minha supervisão e é equilibrado, está a ser cumprido e em muitos aspectos realizado. Mas quero chegar ao fim, sobretudo em duas áreas: dar um médico de família a cada português e ter um lugar no SNS para cada idoso que necessite de cuidados continuados.

Fala-se de Adalberto Campos Fernandes (administrador do Hospital de Santa Maria) poder ser o próximo ministro da Saúde...

Porque é que eu hei-de saber alguma coisa sobre essa matéria? É um dirigente óptimo que eu tenho muito orgulho de ter conseguido trazer do privado para o público e que está a fazer uma obra notável em Santa Maria. Conto com ele até ao fim da legislatura.

Está satisfeito com a aplicação da Lei do Tabaco?

Tem corrido de uma forma admirável, do ponto de vista de civismo dos portugueses, de resultados. A lei é perfeitamente clara e explícita, não oferece nenhuma dúvida de interpretação. O que tenho visto muito mediatizado são as opiniões contrárias, que não representam 30% dos portugueses. Foi um programa muito cuidadosamente lançado, começou por ser uma proposta-de-lei discutida mais de um ano antes de aprovada em Conselho de Ministros, houve uma primeira versão que circulou amplamente por todos os parceiros do sector e houve excelentes contributos. Fizemos uma sondagem nesse momento: a legislação era apoiada por 70%. Nove a dez meses depois, fizemos nova sondagem e o apoio tinha subido para 72 ou 73%. A Assembleia da República acabou por criar um regime mais flexível, que é o que está em vigor.

Disse que a rede final de urgências estaria definida até ao final desta semana.

Até ao final deste mês. E já está. Mas não é hoje a altura de a divulgar, quero fazê-lo na minha ida à Comissão Parlamentar de Saúde, no dia 30.

E a localização definitiva do IPO?

Ficará definida muito brevemente.

Ficou satisfeito com a reeleição de Pedro Nunes para a Ordem dos Médicos?

A minha posição foi de completa e absoluta neutralidade nesta matéria. Trabalharei com todo o gosto com ele como trabalharia com Miguel Leão,

O CDS propôs esta semana que se avançasse para a venda de medicamentos por unidose.

É chover no molhado. Desde sempre o Governo disse o que pretendia fazer nesta matéria. Primeiro vamos ensaiar nas farmácias hospitalares. A data da publicação da regulamentação estará condicionada à abertura ao público dessas farmácias, mas já estamos em fase de adjudicação.

O que falta para se concretizarem todos os Serviços de Urgência Básica (SUB)?

Os SUB carecem de dois médicos, dois enfermeiros e pessoal para operar radiologia digitalizada, equipamento analítico de química seca e treino de suporte básico de vida. E nalguns casos são precisas obras. Mas vão acelerar nos próximos meses, como terá ocasião de verificar.


Optimismo do ministro através dos números

São, na sua adjectivação, "valores fantásticos", ganhos "absolutamente espectaculares". Estatísticas em folhas A5 que não largou ao longo da hora e meia que durou a entrevista.

387.000 novas primeiras consultas foram realizadas em três anos (de 2004 para 2007), o que representa uma subida de 19,3%. A sua proporção no total de consultas subiu de 25,2% para 26%. O Ministério quer chegar aos 30% em 2009.

3,3 em cada mil nascimentos, é o número de 2006 para a mortalidade infantil, que se situava nos 3,7, dois anos antes. A mortalidade neonatal encontrava-se nos 2,5 em 2004, tendo baixado para os 2,1 em 2006.

105 Unidades de Saúde Familiar (USF) atribuíram um médico de família a 150 mil portugueses inscritos nos centros de saúde que não tinham acesso a estes clínicos. A meta é chegar ao final deste ano com 150 USF em funcionamento.

21,4% dos internos foram para Medicina Geral e Familiar no ano passado. Em 2004, apenas 15,8% o tinham feito. O objectivo do Ministério da Saúde é que este ano a percentagem suba para 25% e depois atinja os 35%.

6000 doentes a menos à espera de uma cirurgia em Outubro de 2007. Em Dezembro de 2005, constavam da lista de espera 241 mil utentes. Em média, os meses de espera eram 8,6 em Dezembro de 2005, passando agora para 4,4.

1885 lugares de cuidados continuados estão actualmente contratualizados com o sector privado ou social. A tutela pretende que este número aumente para cinco mil já durante o próximo ano de 2009.

24.307 chamadas de utentes foram recebidas pelos profissionais da linha telefónica Saúde24, desde 24 de Abril de 2007, dia em que o serviço foi inagurado. O ministro garante que foram evitadas muitas idas desnecessárias às urgências.
Edição 1839 de 26.01.2008

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