domingo, fevereiro 03, 2008

A ânsia de reformar de CC

O direito à saúde das populações não pode ser sacrificado em nome da sustentabilidade das finanças públicas .
O primeiro-ministro foi ontem ao Parlamento assegurar que a remodelação do ministro da Saúde não significa a remodelação da política que tem vindo a ser aplicada no sector. A saída de Correia de Campos, cuja permanência no executivo era insustentável nas últimas semanas, devido às trapalhadas do socorro pré-hospitalar e ao recrudescimento dos protestos das populações, não se traduz no cancelamento da reorganização das urgências, como a oposição gostaria de ouvir.
No entanto, o discurso de ontem do primeiro-ministro contém algumas nuances. Ao anunciar, por exemplo, um novo centro de saúde para Alijó, onde encerrou um serviço de atendimento permanente, e onde a descoordenação entre emergência médica e bombeiros esteve particularmente à vista no último fim-de-semana. Ou ao garantir que nenhuma outra urgência será encerrada sem que tenham sido gizadas as devidas alternativas. No fundo, trata-se de uma correcção que o próprio Correia de Campos pretendera fazer: o último protocolo que celebrou com uma autarquia (São João da Madeira, neste caso, na última segunda-feira) condicionou o fecho do serviço de urgência local à criação de certas condições, entre as quais a cobertura integral da população com médicos de família. Só que já foi tarde de mais.

Devem-se reconhecer a Correia de Campos muitas medidas positivas num sector de enorme desgaste e contestação, nomeadamente a redução do crónico défice do Serviço Nacional da Saúde, que anteriores ministros tentaram, em vão, conter. O seu contributo foi decisivo para que o desejo de interrupção voluntária da gravidez fosse garantido nos hospitais, a propriedade das farmácias fosse liberalizada ou a despesa hospitalar deixasse de ser um objectivo sistematicamente ignorado na gestão hospitalar pública. Contudo, a saída de Correia de Campos não se deve apenas a uma questão de estilo ou a uma menor facilidade de comunicação numa temática que se presta a todas as demagogias e reacções emocionais.
Não basta, pois, dizer, como fez Sócrates na Assembleia, que a nomeação de Ana Jorge se destina a reforçar a confiança da população no Serviço Nacional de Saúde, algo que se perdera nos últimos meses com o reformador Correia de Campos. É preciso dizer também que a reforma das urgências, sugerida por um grupo de peritos e que tropeçou na ânsia reformadora do próprio ministro, deve ser seguida de forma mais racional e prudente. E que o direito à saúde das populações não pode ser sacrificado em nome da sustentabilidade das finanças públicas.
A verdade é que, em muitos casos, a reforma das urgências foi avançando com a pressa necessária a quem fez do défice do sector um objectivo primordial e relegou para segundo plano algo tão importante como a articulação dos meios de socorro. Regresse-se ao exemplo de Alijó: este concelho com 300 quilómetros quadrados possui seis corporações de bombeiros e nenhuma delas tem protocolo com o Instituto de Emergência Médica. E, como vimos por este e outros episódios recentes, o sistema de emergência pré-hospitalar é deficiente e foi necessária uma reunião de emergência, na última segunda-feira, para tentar reparar o mal. Não importa apenas mudar o estilo. Sócrates não quer que ninguém pense que o Estado está a fechar as portas e prestes a ir-se embora. Mas é o que parece. Convencer alguém do contrário será bastante difícil no interior deste país.
Amílcar Correia, JP 31.01.08
Notícias do SNS
Que um editorialista de um jornal de referência, como o Público de hoje, insista no truismo de que o «direito à saúde das populações não pode ser sacrificado em nome da sustentabilidade das finanças públicas», para dizer obviamente que era isso que estava a suceder com as políticas de Correia de Campos, mostra o dificuldade de fazer triunfar na opinião pública um discurso reformista sério sobre o SNS.
Três notas a este respeito:
a) o encerramento das pseudo-urgências não afectou nenhum direito à saúde, antes visou garantir um direito a melhores cuidados de saúde, o que, como mostrou o encerramento dos blocos de partos, na altura tão vilipendiado, não se assegura com maus serviços ao pé da porta;
b) o reordenamento territorial dos serviços de urgência não obedece a nenhuma lógica de poupança financeira, pois os encargos da nova rede de urgências e dos meios de transporte são muito maiores do que os custos dos serviços encerrados;
c) como é sabido, a salutar contenção do crescimento (insustentável) dos gastos do SNS deve-se sobretudo a ganhos de eficiência (ver o caso do Santa Maria) e a poupanças na factura dos medicamentos.
Nesta altura do campeonato, e consumada a saída do "culpado", tudo isto deveria ser pacífico. E o mínimo de homenagem que se deve ao ex-ministro da Saúde consiste em não lhe imputar o infamante projecto de querer "poupar dinheiro à custa da saúde dos portugueses". Para demagogia, basta o que basta!
Vital Moreira, causa nossa