segunda-feira, dezembro 04, 2006

Entrevista Carmen Pignatelli

Entrevista com Carmen Pignatelli, Secretária de Estado Adjunta e da Saúde, Jornal de Negócios, 29 de Novembro 2006.

“Estou certa de que vamos dar novas funções às pessoas dos serviços extintos”.
Mais do que reduzir o número de funcionários, Carmen Pignatelli defende a necessidade de colmatar as carências de pessoal existentes no Ministério e instituições do SNS. A secretária de Estado adjunta de Correia de Campos revela até que no próximo ano deverão entrar mais 1.100 pessoas ao abrigo da regra de uma entrada por cada duas saídas.

Jornal Negócios (JN) - Além das 18 sub-regiões já tem noção de quantas micro-estruturas vão ser extintas no âmbito do PRACE?
Carmen Pignatelli (CP)- Não tenho a noção por uma razão simples: estamos na fase da feitura das leis orgânicas dos diversos organismos. Lá para Dezembro podemos avançar com esta informação e com o número de dirigentes (segundo nível) que vão desaparecer.
Quantos dirigentes de segundo nível existem hoje no Ministério da Saúde?
Não tenho o número porque esse levantamento nunca foi feito no Ministério. E portanto vamos aproveitar este processo para fazer a quantificação do existente e do número que vamos ter.
Presumo então que também não saberá ainda quantos funcionários vão para o quadro de supranumerários?
Não tenho dados nem tenho essa preocupação. Não estou preocupada em pôr funcionários no quadro de excedentes. A minha preocupação é a mobilidade dos profissionais. A mobilidade não quer dizer que se vai parar aos excedentes.
Aliás, ainda carece de ser provado... pode acontecer num caso ou noutro que nós não consigamos colocar a pessoa de um serviço que for extinto noutro serviço do Ministério ou do SNS. Agora, estou certa que há tantas necessidades no Ministério e nas instituições do SNS que há imensas possibilidades de, com ou sem formação de reconversão, conseguir atribuir novas funções às pessoas dos serviços extintos.
Vou lhe dar um exemplo: imagine que um serviço central aqui de Lisboa é extinto e que lá trabalham 30 administrativos. Estou certa que esses 30 administrativos poderão ser acolhidos em centros de saúde onde há grande carência de pessoal.
A comissão de revisão do sistema de carreiras defende que qualquer reforma deve passar por uma redução do número de administrativos e auxiliares na Educação e Saúde. A Educação já disse que não. Pelo que me está a dizer na Saúde também não vai haver uma redução.
Não posso dizer sim ou não. Não estou preocupada. O que me motiva não é mandar as pessoas para os excedentes. A minha preocupação é dotar os serviços do pessoal que necessitam. Se me aparecerem 300 administrativos excedentários, estes 300 não são só um número. São pessoas com família e a vida organizada. Vou utilizar todos os mecanismos previstos na lei da mobilidade.
Como é que vai convencer os médicos, onde eles estão a mais, a irem para onde eles são precisos?
Eu não tenho de os convencer. Só tenho de aplicar o que está previsto na lei da mobilidade.
Os médicos estão quase todos concentrados no litoral. Como é que os vai levar para o interior?
Vamos conseguir não só a partir da distribuição dos profissionais e dos instrumentos que ficarem previstos na lei. Podemos arranjar várias maneiras. Se não conseguirmos no limite deslocar um médico porque há disposições legais que não o permitam então teremos de deslocar os doentes. E isso obriga-nos a trabalhar noutra área que é o acesso aos cuidados de saúde.
O que é nós precisamos? Nós já temos um sistema de informação com a lista de inscritos para a cirurgia. Agora quero isso para as consultas da especialidade e depois também para os meios complementares de diagnóstico e terapêutica (MCDT).
Nas consultas de especialidade, no dia em que tiver a lista de todos os que estão em espera para oftalmologia, urologia ou ginecologia, a partir daí é possível fazer gestão, pois fico a saber não só o número de inscritos mas também os tempos de espera. E posso chegar à conclusão que com o número de oftalmologistas de um hospital posso resolver o assunto de outra maneira.
Ainda é um programa que está a ser gizado no meu gabinete. Para operacionalizarmos este programa, precisamos de criar condições no terreno para o fazer. Não vou dizer mais nada para não dizer em que estou a fazer propaganda e depois daqui a seis meses não virem dizer que não cumpri.
Não quer cair na mesma situação das Unidades de Saúde Familiares, em que não vão conseguir cumprir a promessa de abrir 100 até ao final do ano?
As USF têm condições no terreno que permitem concretizar mais rapidamente do que aquilo que queremos fazer em relação ao acesso, nomeadamente em relação às consultas. Mas porque é que não olham mais para os resultados alcançados?
A minha preocupação não são as metas mas criar as condições no terreno.
Será possível ainda nesta legislatura?
Seguramente, não tenho dúvidas.
Chegou a ler o relatório da ERSE sobre as convenções?
Por acaso ainda não li.
O Estado demitiu-se da sua função de fiscalização...
Por essa razão é que no âmbito do PRACE, a IGS passa a ser Inspecção-Geral das Actividades de Saúde. O seu braço pode ir aos privados, convencionados, ao sector social.
O quadro de pessoal da inspecção vai ser reforçado?
Admito que sim. Não porque esteja a preparar alguma coisa, mas porque se um organismo vê a sua missão alargada obviamente que precisa demais inspectores.
Como é que “jogam” isso com as restrições do ponto de vista de pessoal?
Nós já aplicamos as orientações em relação às entradas de pessoal.
Cumpriram com a regra do 2 por 1?
Exactamente. Fizemos as contas e sabemos quantas pessoas podem entrar no Ministério no próximo ano, cumprindo escrupulosamente essa regra: cerca de 1.100. Tenho a certeza que entre estes 1.100 conseguimos reforçar o corpo inspectivo.
Outras necessidades?
Pessoal de informática... Mas só vamos tomar decisões quando acertarmos a reestruturação do Ministério da Saúde.
Há dias admitiu que os sistemas de informação eram caóticos e numa entrevista em Abril disse que “não podíamos ter um sistema de informação semelhante a uma mercearia de bairro”. É esta a realidade no terreno?
O Ministério da Saúde é uma grande organização, tem 125 mil trabalhadores e há sectores da governação que têm de encarar isto como um grande desafio. As grandes organizações empresariais fizeram as transformações, algumas delas há 20 anos.
Como ex-gestora do Programa Operacional da Saúde sabe que há muitos anos que se fala disso e já se gastaram milhões...
Foram gastos e alguns deles muito bem feitos. Em 1997, comecei a negociar com a Comissão Europeia a captação de fundos para a informatização dos centros de saúde. Aquilo que falhou não foi o sistema mas o modelo de governação [gestão] do sistema de informática.
Os sistemas dos centros de saúde e dos hospitais não ligam entre si e com os do Instituto de Gestão Informática e Financeira da Saúde (IGIF)...
Bem, isso aí é um problema. Mas o grande problema é que quando as pessoas começaram a trabalhar na informática enveredaram por ter uma softwarehouse dentro do IGIF, fizeram bem na altura porque não havia empresas que fizessem. Como não havia mercado, o IGIF teve de se organizar para dar resposta a essa necessidade.
A partir do momento em que há mercado, o IGIF tem de recuar em termos de desenvolvimento aplicacional e tem de se centrar naquilo que nunca se pode entregar a uma empresa: a regulação, a normalização e a certificação.
O IGIF está a falhar aí...
Talvez devido à grande instabilidade na área da informática. Não sei se sabe mas a permanência média desde 1996 do responsável informático no IGIF é de 16 meses.
Não basta comprar computadores...
Exactamente. Os resultados não se conseguem só com computadores. É preciso ter um ‘help desk’ que não temos. Era bom que tivesse acontecido antes, mas está na hora de redefinir o perfil da informática na saúde, centrarmo-nos no que jamais deve ser delegado no privado e delegar nos privados, nas empresas, aquilo que deve ser das empresas.
Quantas pessoas há no IGIF?
No departamento de informática, à volta de 80 pessoas. Se contabilizar aquelas que nas ARS e sub-regiões estão classificados como pessoal de informática, sendo que algumas não são, dá à volta de 200. Sei que há outro ministério que tem cerca de 300 pessoas dentro e 200 em ‘outsourcing’.
Que outras áreas vão externalizar?
Estamos tranquilos em relação à extinção das 18 sub-regiões por uma razão simples: há actividades que podem ser entregues a outras empresas, como a conferência de facturas de medicamentos e dos MCDT. É uma actividade feita por centenas de pessoas nas sub-regiões e o secretário de estado da Saúde já está a tratar do concurso. Temos de aprender com os privados, importar do sector privado as boas práticas, acautelando obviamente outras questões que não são preocupações dos privados, nomeadamente o cumprimento das regras públicas, a transparência, etc.
QREN vai ter verbas para a construção de novos hospitais distritais
O Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN) vai ter dinheiro para a construção de novos hospitais a nível distrital e para grandes remodelações de unidades distritais e centrais. Esta é a convicção de Carmen Pignatelli, ex-gestora do Programa Operacional da Saúde (Saúde XXI) e actual responsável do Ministério pelo dossier do próximo Quadro Comunitário de Apoio.
A secretária de Estado adjunta e da Saúde salienta, porém, que “ainda falta decidir o modelo de governação do QREN”, o qual, lembra, vai deixar de ter programas operacionais sectoriais e passará a ter apenas três eixos temáticos e cinco programas regionais (sem contar com as regiões autónomas). “Sabemos que não vai haver Saúde XXI, mas os agentes podem aceder aos programas temáticos e regionais”, afirma Carmen Pignatelli, revelando que, numa reunião recente com os secretários de Estado do Desenvolvimento Regional, Rui Baleiras, e do Emprego, Fernando Medina, ficou assente que “praticamente todos os projectos de saúde cabem” no QREN. E do ponto de vista de verbas? Vai haver mais dinheiro para a Saúde ou menos do que no actual QCA? “Neste momento, ninguém pode dizer quando é que vai ser para a Saúde, ou para o Ambiente”, assegura a governante.
Questionada sobre eventuais alterações em termos de prioridades face ao QCA III, a secretária de Estado adjunta do ministro da Saúde revela que “as prioridades do Saúde XX acabam por aparecer no QREN, só que organizadas de outra maneira, e dando mais enfoque a outras áreas da governação na área da saúde, designadamente a requalificação das urgências e a reforma dos cuidados primários (centros de saúde) tendo em vista a melhoria do acesso dos cidadãos ao sistema”. Carmen Pignatelli faz questão de frisar ainda que relativamente à orientação das verbas a aplicar nos projectos prioritários “caberá à autoridade que vai gerir os programas regionais avaliar o que é mais prioritário: se é um novo hospital ou a remodelação de uma unidade já existente, a construção de uma escola ou uma rede de saneamento básico”.
Ministério ainda não sabe como vai avaliar os médicos
Aplicação do SIADAP também não está a correr bem na Saúde
Quantos funcionários já foram avaliados no âmbito do Sistema de Avaliação de Desempenho na Administração Pública (SIADAP)?
Por acaso não tenho aqui as estatísticas, mas está contabilizado.
Mas está a correr bem? Ou está como no resto da AP, em que os últimos números apontavam para 32%?
Está a decorrer conforme os dados que lhe foram transmitidos. 2005 foi um ano de transição política. Acha que os últimos anos foram propiciadores para a implementação de um sistema de avaliação?
O SIADAP não deveria funcionar independentemente das mudanças ao nível do Governo?
É isso que este Governo pretende fazer. Por isso é que vão ser introduzidos ajustamentos no SIADAP.
Mas na Saúde não é conhecido nenhum número.
Olhe por exemplo no gabinete de gestão Saúde XXI o SIADAP foi aplicado a 100%.
Deve ser uma ilha. A ideia que há é que os próprios dirigentes não estão interessados na avaliação.
Você está a falar do passado.
E do presente...
Por essa razão é que no âmbito da reforma da AP o Governo vai reformular o SIADAP.
Como é que vão avaliar os médicos?
O SIADAP prevê a adaptação do sistema de avaliação aos corpos especiais.
Mas como?
Não vou dizer como é que se avalia pois ainda não tenho o sistema de avaliação gizado, mas garanto-lhe que é possível avaliar. Qual é o problema? Se nas empresas os consultores e gestores são avaliados, o médico não pode ser avaliado?
É uma profissão mais difícil...
Tenho a certeza de que vai ser possível construir um modelo.
Sei que não gosta de se comprometer com metas, mas qual é o timing?
Isto é uma reforma conduzida pelas Finanças. E nós não fazemos nada que não esteja articulado com o esforço das Finanças. A minha grande preocupação é, uma vez que tenho luz verde das Finanças, tratar das carreiras do pessoal da saúde.
O que vai mudar?
Vai mudar muita coisa. Tudo aquilo que resultar em melhores soluções para a população que precisa de melhores cuidados de saúde.
Ou seja?!!!...
O Governo governa para os que estão do lado de fora e não para dentro. Mas quem governa sabe que só pode tratar das necessidades dos cidadãos com os seus profissionais empenhados. Também temos de atender às suas necessidades e expectativas. E é por essa razão que tudo o que tem a ver com carreiras exige um processo negocial que vai começar a breve prazo.
Os serviços também serão avaliados?
Na saúde far-se-á aquilo que ficar previsto na lei geral com adaptações.
Os resultados serão públicos?
Está-me a perguntar coisas para as quais ainda não tenho respostas.
Os serviços nem os relatórios de actividades divulgam...
Faz-me lembrar um conselho de ministros de há 20 anos em que se decidiu obrigar os serviços a fazer relatórios e planos de actividades .
A maioria não faz.
Não me pergunte quantos têm e não têm. Não estou a controlar o processo. Mas talvez tenhamos que insistir para que os façam.
Serviços partilhados
“Não temos ainda ideias assentes”
Carmen Pignatelli admite nesta entrevista ao Jornal de Negócios que os responsáveis políticos do Ministério ainda não têm “ideias assentes” sobre o que vai acontecerem matéria de serviços partilhados. A secretária de Estado adjunta de Correia de Campos salienta, porém, que “independentemente daquilo que possa vir a acontecer ao nível do Ministério, há hospitais que começam a organizar-se para terem serviços partilhados em determinadas áreas, como nas compras, gestão de frotas automóveis, e processamento de vencimentos”. “Alguns estão a organizar-se como Serviço de Utilização Comum dos Hospitais (SUCH) – organismo privado composto por vários hospitais e misericórdias tutelado pelo Ministério – para terem esses serviços partilhados”.
Entrevista de: João d'Espiney
Fonte: Jornal de Negócios, 29 de Novembro de 2006