sexta-feira, dezembro 01, 2006

Assiduidade

Hospital fiscaliza horários através de impressões digitais
Alexandra Campos
A Inspecção da Saúde concluiu que esmagadora maioria dos serviços públicos controla assiduidade com livros de ponto
É o princípio do fim dos livros de ponto nos serviços de saúde. A partir de hoje, o cumprimento dos horários dos médicos e de todos os outros funcionários da Unidade Local de Saúde de Matosinhos (ULSM) passa a ser fiscalizado através do reconhecimento das suas impressões digitais. Ainda a título experimental, mas efectiva a partir de Janeiro, a medida adivinha-se polémica. "Se querem propor um sistema tipo apito de fábrica, a nossa recomendação é a seguinte: cumpram escrupulosamente os horários, quer à entrada, quer à saída", defende Carlos Arroz, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos.
Para avançar com o mecanismo de controlo, a administração da ULSM (que integra o Hospital de Pedro Hispano e os quatro centros de saúde de Matosinhos) refugia-se nas recomendações da Inspecção-Geral da Saúde (IGS), que concluiu estarem quase todos os estabelecimentos públicos a desrespeitar uma lei já com oito anos - por se limitarem a controlar a assiduidade dos trabalhadores através de livros de ponto (ver caixa).
No relatório da acção temática concluída em Agosto, a IGS sustenta que, apesar de o Decreto-Lei n.º 259/98, que regula esta problemática, estipular que a assiduidade e pontualidade devem ser verificadas por sistemas de registo automáticos, mecânicos ou de outra natureza, o legislador erigiu como preferenciais os dois primeiros. E referiu expressamente que nos serviços com mais de 50 trabalhadores este controlo deve ser efectuado com mecanismos mecânicos, "salvo casos excepcionais, devidamente fundamentados".
"Estranhamente, ou nem tanto, na esmagadora maioria das instituições optou-se pelo método escrito em impressos ou em livros, estando este sistema, além de ultrapassado, destituído de rigor, porventura de seriedade", acrescenta, defendendo a adopção de sistemas automáticos ou mecânicos, "especialmente naquela parte em que a prestação de trabalho é mais onerosa", como sucede com as horas extraordinárias. A IGS avisa, entretanto, que tenciona fazer com que este processo se acelere, através de "visitas inspectivas a várias instituições".

Maternidade de Alfredo da Costa já controla o acesso
Em Matosinhos, a experiência começa hoje, com a instalação de três terminais na entrada do hospital (onde os profissionais vão digitar o respectivo número mecanográfico e pôr o dedo para validar a informação). É um mecanismo "muito mais rápido", frisa Nuno Morujão, presidente do Conselho de Administração da ULSM, lembrando que "não retira competências às chefias intermédias," que continuam a ter a última palavra no controlo da assiduidade. Mais tarde serão colocados terminais noutros pontos da ULSM.
Este é um dos primeiros hospitais a avançar com o sistema, depois de há poucos meses a Maternidade de Alfredo da Costa (MAC), em Lisboa, ter instituído um mecanismo de fiscalização através de cartões digitais. "Neste momento só controlamos o acesso, mas, dentro de três meses, o sistema já deve estar a funcionar em pleno", explica Jorge Branco, director da MAC.
A tradição, na função pública, é que a fiscalização do cumprimento dos horários dos funcionários superiores, como é o caso dos médicos, seja feita manualmente, contrapõe Sollari Allegro, presidente do Conselho de Administração do Hospital Geral de Santo António, que tem um sistema por marcação de dedos para todos os funcionários (incluindo os médicos) apenas na Urgência, serviço que está completamente informatizado. "Mudar esta tradição vai causar conflitos, não sei se vale a pena ter esta guerra agora", afirma, cauteloso.
O que está em questão não é a legalidade da medida, mas o facto de a administração da ULSM parecer "não confiar nos directores de serviço que nomeou", destaca Carlos Arroz. Nuno Morujão contrapõe que, das 51 chefias intermédias que responderam a um inquérito sobre esta matéria, 76,5 por cento concordaram com a medida.
Mas a questão mais complexa, segundo Carlos Arroz, é o facto de este tipo de controlo, se for interpretado à letra, poder pôr em causa, por exemplo, a realização de intervenções cirúrgicas. E exemplifica: se se souber à partida que uma operação se vai prolongar para além do horário normal de trabalho, esta poderá não começar sequer.
Só duas unidades têm mecanismos electrónicos
Na acção temática sobre os mecanismos de controlo e assiduidade nos estabelecimentos do SNS - que incidiu sobre 82 hospitais e 18 sub-regiões de saúde - , a Inspecção-Geral da Saúde (IGS) concluiu que 76 hospitais usavam apenas livros de ponto ou impressos para fiscalizar o cumprimento dos horários. Apenas duas instituições tinham sistemaselectrónicos, a Maternidade de Alfredo da Costa e o Hospital de Peniche. Havia ainda quatro estabelecimentos com sistemas mistos - manuais e mecânicos: o Hospital Geral de Santo António, os hospitais de Estarreja e de Ovar e o Centro de Medicina de Reabilitação da Tocha. O problema é que, nestas três últimas unidades, os médicos continuavam a ter de assinar apenas o livro de ponto, enquanto os restantes funcionários eram controlados através de sistemas mecânicos. Uma discriminação que não se entende, segundo a IGS, que concluiu ainda que apenas sete hospitais tinham regulamentos internos sobre horários de trabalho, apesar de 16 possuírem normas internas sobre a matéria.
Jornal Público 02 dezembro 2006