quinta-feira, outubro 26, 2006

Não é o melhor pai

que poupa a vara ao filho.
O Estado deve apostar no papel de regulador e dar hipótese aos privados de mostrar que são mais eficientes que o sector público.
Numa altura em que por toda a Europa se assiste a uma crescente preocupação com a sustentabilidade financeira do sector da saúde tal como o conhecemos hoje – universal, tendencialmente gratuito e onde o Estado se assume simultaneamente como financiador e prestador de cuidados – assume particular relevância a discussão sobre qual deverá ser a actuação do Estado, sobretudo no seu papel de financiador dos cuidados.
A simples observação da realidade permite concluir que, grosso modo, existem duas correntes de pensamento: aqueles que acreditam que o sector da saúde deve continuar a ser poupado a medidas de combate ao desperdício e de racionalização de recursos – i.e. os que clamam que a saúde não tem preço – e aqueles que, sabendo que a saúde não tem preço, sabem que esta tem definitivamente um custo e que os recursos não são, infelizmente, ilimitados.
Os primeiros parecem acreditar que não é possível controlar a despesa e que podemos continuar a fazer face ao aumento da despesa afectando fatias cada vez maiores de orçamento do Estado ao sector e, quando tal não for mais possível, aumentar os impostos. Os segundos, talvez mais persistentes, mais racionais ou simplesmente menos sonhadores, sabem que o sector público vai ter de prosseguir uma estratégia feroz de combate ao desperdício e de racionalização dos recursos, baseada em critérios e decisões estritamente técnicas e não políticas, num esforço sem precedentes de mudar uma organização habituada a gastar, a não ser avaliada nem responsabilizada e, cheia de interesses instalados .
A tarefa revela-se tanto mais difícil quanto o sector público prestador, por não viver num ambiente concorrencial, não ter tensão criativa nem uma cultura de avaliação correlativa. Mais, no final do dia, mesmo que seja mal gerido o dinheiro desperdiçado acabará sempre por aparecer. As administrações até podem cair, mas o resto da organização fica e não é responsabilizada nem prejudica a sua carreira. Quem nunca ouviu a frase “ os Ministros vêm e vão, nós ficamos”.
Não fazer nada constitui uma verdadeira irresponsabilidade ética porque o risco de colapso financeiro do sistema é real e, se nada se fizer, este condicionará, a prazo, a capacidade de acesso dos menos favorecidos ao sistema. Antes disso, será lícito pedir à população activa do país que pague mais impostos não para financiar a equidade do acesso à saúde, mas para fazer face ao desperdício.
É este o desafio – e não outro – que neste momento se coloca ao sector da saúde em Portugal. É chegado o momento de lhe fazer frente com seriedade, profissionalismo e honestidade intelectual.
Em síntese, resta continuar à espera de uma definição clara, e sobretudo consistente ao longo dos ciclos políticos, sobre o caminho que o Estado quer prosseguir no sector: manter o “status quo” ou tentar refundar um SNS, onde terá necessariamente que repensar o seu papel, provavelmente muito mais focado na gestão financiamento e contratualização dos cuidados e muito menos na sua prestação directa. Tal implicará uma maior preocupação em promover a concorrência entre os vários prestadores e a regulação efectiva do sector, onde os operadores menos eficientes e de qualidade abaixo dos referenciais definidos não deverão ter lugar, sejam eles públicos ou privados.
isabel vaz, DE 24.10.06