Um Pacto Mais Saudável
O repto está lançado. Quem está disponível para uma verdadeira discussão sobre o SNS e o estabelecimento de um pacto sobre o SNS que queremos? Os farmacêuticos, naturalmente, já estão...
Asociedade portuguesa deve ao SNS um inestimável contributo em relação ao alcance de assinaláveis ganhos em saúde. De facto, volvidas menos de três décadas sobre a sua instituição, o Serviço Nacional de Saúde traduz uma cobertura universal de saúde, acessível a todos os cidadãos, e com dados objectivos sobre o impacte favorável na melhoria do nível de saúde no nosso país, como se constata pelo 12º lugar que detém na comparação instituída pela OMS, em relação aos sistemas de saúde a nível mundial.
O contexto e as condições da prestação de cuidados de saúde sofreram igualmente uma assinalável evolução, com um consequente acréscimo de encargos, em contraciclo com a situação económica de países desenvolvidos.
Manter a sustentabilidade dos encargos com a saúde, continuando a assegurar aos cidadãos o acesso a cuidados modernos e adequados, é o desafio que se coloca presentemente e que está em debate em inúmeros países.
No nosso país, é urgente encontrar novas soluções, face à rápida evolução das despesas com a saúde, que, actualmente, rondam os 10 por cento do nosso PIB, e tornam insustentável a ausência de medidas estruturantes que racionalizem o uso de cada euro que generosamente os contribuintes portugueses investem na saúde. No que concerne aos medicamentos, os dados são também elucidativos da necessidade de intervenção, uma vez que, presentemente, representam 23,2 por cento do orçamento da saúde. Na revisão da política do medicamento encerra-se um relevante potencial de racionalização, muito embora o alcance de economias sustentadas dependa mais de medidas estruturadas do que de meras aritméticas de contenções administrativas.
Intervir na qualidade da prescrição, na promoção da adesão à terapêutica, no recurso a medicamentos genéricos e no combate ao desperdício do medicamento é uma actuação inadiável que requer a solidariedade de todos os intervenientes no circuito do medicamento (produtores, médicos, farmacêuticos, doentes), promovendo esforços equitativos e ajustados.
Um gasto em saúde não pode, redutoramente, ser considerado uma despesa. Trata-se de um investimento perfeitamente documentável através da redução da morbilidade e da mortalidade, de combate ao absentismo por motivos de doença, provendo, em suma, um bem-estar social. No fundo, a promoção de ganhos em saúde será sempre uma meta universal da sociedade, determinante no desenvolvimento económico e de acentuado impacte na produtividade.
Coloca-se, assim, o paradigma de encontrar respostas coesas em relação ao aumento previsível de despesas com saúde. O aumento dos encargos com saúde devem-se, resumidamente: ao aumento da esperança de vida dos cidadãos (com prolongamento das necessidades de apoio na saúde); à evolução da complexidade das tecnologias de prevenção e tratamento disponíveis (com maior onerosidade e custos associados à sua disponibilização aos cidadãos).
No entanto, há um factor perturbador que tem ditado a ausência de medidas verdadeiramente estruturantes, inerente ao processo de decisão política e sua contingência em relação à tomada de medidas. Refiro-me, em concreto, à coerência e consistência de directrizes que, também no sector da saúde, têm vagueado em função do titular da pasta da Saúde nas últimas décadas, e, curiosamente, mesmo entre titulares de uma mesma maioria governante.
É difícil explicar a qualquer cidadão, e muito menos justificar, que, ao longo da última década, tenhamos: hospitais que passam a SA e logo a EPE; se aposte estrategicamente em medicamentos genéricos, esquecendo-se de imediato e se pareça esquecer logo depois a sua utilidade; se construam e desconstruam listas de espera; se criem entidades de regulação da saúde independentes que praticamente não saiam do papel e se mudem os respectivos titulares; se anunciem taxas, impostos, descontos e poupanças que afinal não se concretizam; se promovam encerramentos de serviços e unidades para abertura de outras; se envolvam análises técnicas em discussões políticas, etc., etc. E sob o pano de fundo desta animação continua a crescer, mais ou menos silenciosamente, o espectro da insustentabilidade da prestação de cuidados de saúde a curto prazo.
Em bom rigor, concedemos que algo se tem feito em relação às contas públicas da saúde, muito embora qualquer acção desencadeada não tenha ido além de alinhavadas medidas administrativas, de contabilidade duvidosa, unicamente e com a função de preencher os actos e "entretantos" das discussões do Orçamento de Estado. Assim, ao chegar o momento da dura análise da realidade, nada mais poderá fazer-se além de racionar o acesso a cuidados de saúde, aniquilando, deste modo, todos os ganhos em saúde sustentados pelo SNS ao longo dos últimos anos.
As hipotéticas divergências existentes num debate sobre estas questões, esbatem-se significativamente ao analisarmos os conteúdos dos programas eleitorais dos partidos candidatos à governação do país. De facto, são quase unanimemente apontados os seguintes vectores de intervenção: valorização e foco nos cuidados primários; articulação entre diferentes cuidados; reorganização da rede hospitalar; implementação de cuidados continuados, racionalização no uso de medicamentos e promoção de genéricos; recurso a sistemas de informação; implementação de sistemas de gestão da qualidade; desenvolvimento de recursos humanos; articulações regionais e locais com autarquias e outras entidades, bem como a implementação de regulação em saúde independente.
Na verdade, apesar das aparentes discrepâncias, sempre acentuadas por qualquer discussão pública, existe um núcleo alargado de medidas e posições coerentes em todo o espectro político. Sendo assim, coloca-se a legítima questão: estando definida uma convergência objectiva de temas e medidas, o que falta para um amplo acordo para a saúde, traduzido, se possível, num pacto?
O SNS merece-nos o esforço de retribuição e aposta na sua viabilização. A sustentabilidade é um desígnio nacional a que ninguém pode estar indiferente. Neste sentido, a consolidação de um acordo alargado, baseado num debate sereno, sério e objectivo, parece-me ser a única forma de ultrapassarmos um desgaste de energias em medidas e contra-medidas, anúncios e críticas, que, em larga medida, apenas ilustram a vida pública, sem cuidar de garantir aos cidadãos um verdadeiro direito à saúde.
A urgência nesta concertação única obriga a extravasar a responsabilização política e envolver no consenso o Parlamento, o Governo, os profissionais de saúde, os actores económicos, as autarquias e, naturalmente, os doentes.
O repto está lançado. Quem está disponível para uma verdadeira discussão sobre o SNS e o estabelecimento de um pacto sobre o SNS que queremos? Os farmacêuticos, naturalmente, já estão... bastonário da Ordem dos Farmacêuticos
Asociedade portuguesa deve ao SNS um inestimável contributo em relação ao alcance de assinaláveis ganhos em saúde. De facto, volvidas menos de três décadas sobre a sua instituição, o Serviço Nacional de Saúde traduz uma cobertura universal de saúde, acessível a todos os cidadãos, e com dados objectivos sobre o impacte favorável na melhoria do nível de saúde no nosso país, como se constata pelo 12º lugar que detém na comparação instituída pela OMS, em relação aos sistemas de saúde a nível mundial.
O contexto e as condições da prestação de cuidados de saúde sofreram igualmente uma assinalável evolução, com um consequente acréscimo de encargos, em contraciclo com a situação económica de países desenvolvidos.
Manter a sustentabilidade dos encargos com a saúde, continuando a assegurar aos cidadãos o acesso a cuidados modernos e adequados, é o desafio que se coloca presentemente e que está em debate em inúmeros países.
No nosso país, é urgente encontrar novas soluções, face à rápida evolução das despesas com a saúde, que, actualmente, rondam os 10 por cento do nosso PIB, e tornam insustentável a ausência de medidas estruturantes que racionalizem o uso de cada euro que generosamente os contribuintes portugueses investem na saúde. No que concerne aos medicamentos, os dados são também elucidativos da necessidade de intervenção, uma vez que, presentemente, representam 23,2 por cento do orçamento da saúde. Na revisão da política do medicamento encerra-se um relevante potencial de racionalização, muito embora o alcance de economias sustentadas dependa mais de medidas estruturadas do que de meras aritméticas de contenções administrativas.
Intervir na qualidade da prescrição, na promoção da adesão à terapêutica, no recurso a medicamentos genéricos e no combate ao desperdício do medicamento é uma actuação inadiável que requer a solidariedade de todos os intervenientes no circuito do medicamento (produtores, médicos, farmacêuticos, doentes), promovendo esforços equitativos e ajustados.
Um gasto em saúde não pode, redutoramente, ser considerado uma despesa. Trata-se de um investimento perfeitamente documentável através da redução da morbilidade e da mortalidade, de combate ao absentismo por motivos de doença, provendo, em suma, um bem-estar social. No fundo, a promoção de ganhos em saúde será sempre uma meta universal da sociedade, determinante no desenvolvimento económico e de acentuado impacte na produtividade.
Coloca-se, assim, o paradigma de encontrar respostas coesas em relação ao aumento previsível de despesas com saúde. O aumento dos encargos com saúde devem-se, resumidamente: ao aumento da esperança de vida dos cidadãos (com prolongamento das necessidades de apoio na saúde); à evolução da complexidade das tecnologias de prevenção e tratamento disponíveis (com maior onerosidade e custos associados à sua disponibilização aos cidadãos).
No entanto, há um factor perturbador que tem ditado a ausência de medidas verdadeiramente estruturantes, inerente ao processo de decisão política e sua contingência em relação à tomada de medidas. Refiro-me, em concreto, à coerência e consistência de directrizes que, também no sector da saúde, têm vagueado em função do titular da pasta da Saúde nas últimas décadas, e, curiosamente, mesmo entre titulares de uma mesma maioria governante.
É difícil explicar a qualquer cidadão, e muito menos justificar, que, ao longo da última década, tenhamos: hospitais que passam a SA e logo a EPE; se aposte estrategicamente em medicamentos genéricos, esquecendo-se de imediato e se pareça esquecer logo depois a sua utilidade; se construam e desconstruam listas de espera; se criem entidades de regulação da saúde independentes que praticamente não saiam do papel e se mudem os respectivos titulares; se anunciem taxas, impostos, descontos e poupanças que afinal não se concretizam; se promovam encerramentos de serviços e unidades para abertura de outras; se envolvam análises técnicas em discussões políticas, etc., etc. E sob o pano de fundo desta animação continua a crescer, mais ou menos silenciosamente, o espectro da insustentabilidade da prestação de cuidados de saúde a curto prazo.
Em bom rigor, concedemos que algo se tem feito em relação às contas públicas da saúde, muito embora qualquer acção desencadeada não tenha ido além de alinhavadas medidas administrativas, de contabilidade duvidosa, unicamente e com a função de preencher os actos e "entretantos" das discussões do Orçamento de Estado. Assim, ao chegar o momento da dura análise da realidade, nada mais poderá fazer-se além de racionar o acesso a cuidados de saúde, aniquilando, deste modo, todos os ganhos em saúde sustentados pelo SNS ao longo dos últimos anos.
As hipotéticas divergências existentes num debate sobre estas questões, esbatem-se significativamente ao analisarmos os conteúdos dos programas eleitorais dos partidos candidatos à governação do país. De facto, são quase unanimemente apontados os seguintes vectores de intervenção: valorização e foco nos cuidados primários; articulação entre diferentes cuidados; reorganização da rede hospitalar; implementação de cuidados continuados, racionalização no uso de medicamentos e promoção de genéricos; recurso a sistemas de informação; implementação de sistemas de gestão da qualidade; desenvolvimento de recursos humanos; articulações regionais e locais com autarquias e outras entidades, bem como a implementação de regulação em saúde independente.
Na verdade, apesar das aparentes discrepâncias, sempre acentuadas por qualquer discussão pública, existe um núcleo alargado de medidas e posições coerentes em todo o espectro político. Sendo assim, coloca-se a legítima questão: estando definida uma convergência objectiva de temas e medidas, o que falta para um amplo acordo para a saúde, traduzido, se possível, num pacto?
O SNS merece-nos o esforço de retribuição e aposta na sua viabilização. A sustentabilidade é um desígnio nacional a que ninguém pode estar indiferente. Neste sentido, a consolidação de um acordo alargado, baseado num debate sereno, sério e objectivo, parece-me ser a única forma de ultrapassarmos um desgaste de energias em medidas e contra-medidas, anúncios e críticas, que, em larga medida, apenas ilustram a vida pública, sem cuidar de garantir aos cidadãos um verdadeiro direito à saúde.
A urgência nesta concertação única obriga a extravasar a responsabilização política e envolver no consenso o Parlamento, o Governo, os profissionais de saúde, os actores económicos, as autarquias e, naturalmente, os doentes.
O repto está lançado. Quem está disponível para uma verdadeira discussão sobre o SNS e o estabelecimento de um pacto sobre o SNS que queremos? Os farmacêuticos, naturalmente, já estão... bastonário da Ordem dos Farmacêuticos
J.A.Aranda da Silva,
bastonário da Ordem dos Farmacêuticos
JP 21.10.06
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