domingo, outubro 15, 2006

Taxas Moderadoras

Oposição Rejeita Taxas Moderadoras Diferenciadas na Saúde
Por PAULA TORRES DE CARVALHO, com B.W.
Segunda-feira, 13 de Setembro de 2004
A ideia defendida no sábado pelo primeiro-ministro, Pedro Santana Lopes, de adoptar diferentes taxas moderadoras no Serviço Nacional de Saúde (SNS) está a ser fortemente contestada pelos partidos da oposição.
Os três candidatos à liderança do PS são unânimes em discordar da aplicação desta medida. Para Manuel Alegre, defender que "aqueles que têm mais poder económico devem pagar a taxa moderadora que corresponde aos seus rendimentos" é inconstitucional. Durante um debate na TSF, Alegre considerou que a ideia de concretizar esta medida "põe em causa o princípio da universalidade, o que é inconstitucional". Por outro lado, acrescentou, "agrava a injustiça fiscal". "Normalmente, quem paga mais impostos são aqueles que trabalham por conta de outrem - e também já dão mais dinheiro para a prestação dos serviços públicos de saúde", afirmou.
Também João Soares contestou a ideia apresentada por Pedro Santana Lopes como uma das formas de financiar o défice do SNS, calculado em mais de um bilião de euros por ano. "Não tenho nenhuma confiança neste Governo quando vem propor medidas que abrem a porta para que os serviços de saúde passem a ser pagos. Porque aquilo que eu tenho visto é este Governo, que é uma continuação do anterior, tomar sempre posição a favor daqueles que menos precisam e em prejuízo daqueles mais precisam. E essa é que é a questão central para mim", disse na TSF.
"Discordo profundamente", afirmou, por seu turno, José Sócrates. "O que o primeiro-ministro anunciou não são taxas moderadoras diferenciadas mas um aumento das taxas moderadoras", considerou... E concretizou: "Na prática, é um novo imposto sobre a saúde, o que me parece muito errado e um motivo de grande discordância". Para Sócrates, se o primeiro-ministro quer aumentar as receitas, tem "uma forma fácil de o fazer, que é combater a fraude e a evasão fiscal", em vez de "lançar um novo imposto sobre a saúde".
A estas críticas junta-se a do Bloco de Esquerda. "Assim se retoma, mais uma vez, a política de agressividade social do anterior Governo", disse ao PÚBLICO João Teixeira Lopes. "Traduz-se num ataque à universalidade dos serviços de saúde" e é "um incentivo para que a um pagamento diferenciado corresponda um tratamento diferenciado", o que, em sua opinião, é "absolutamente inconstitucional".
Para Bernardino Soares, do PCP, o anúncio desta ideia é uma forma de "disfarçar o mais que previsível aumento das taxas moderadoras", disse ao PÚBLICO. "O SNS não tem de recolher receitas próprias", nota, frisando que o que se iria repetir no sector da saúde seria a "injustiça que já existe no sistema fiscal", o que se traduziria no pagamento, por parte da maioria da população que trabalha por conta de outrem, de "uma taxa acrescida dos cuidados de saúde".
Também Manuel Delgado, presidente da Associação dos Administradores Hospitalares, já se manifestou discordante quanto ao pagamento de taxas diferenciadas em função dos rendimentos. Entrevistado pela TSF, defendeu que as taxas moderadoras "fazem sentido para moderar o consumo de cuidados de saúde", não para "autofinanciar o sistema". Por outro lado, notou que "os cidadãos devem pagar a saúde quando, em princípio, estão saudáveis e não quando adoecem", o que constitui "o bom princípio do financiamento da saúde".
Na sua opinião, "quem tem mais rendimento, em princípio, paga mais impostos. E, portanto, financia não só a saúde como a educação e outros sistemas públicos". Na perspectiva de Delgado, se esta medida for aplicada, verificar-se-á uma "dupla tributação injusta". O resultado é que vão ser "os cidadãos que estão em maior situação de dificuldade, que são os doentes e os mais idosos, a contribuir mais para o sistema de saúde quando já pagam provavelmente mais impostos, porque são aqueles que têm a obrigação de declarar os seus rendimentos".
Esta medida também não se revelará de grande importância nem para o bom funcionamento nem para o orçamento dos hospitais, sustenta Manuel Delgado. "Quando o senhor primeiro-ministro vem dizer que as receitas próprias são poucas, o que está em causa não é uma taxa moderadora para melhorar o consumo. O que está em causa é o desejo de financiamento por parte dos doentes, e isto é que é grave", considera o presidente da Associação dos Administradores Hospitalares.
Ouvida ontem pelo PÚBLICO, uma fonte do MInistério da Saúde (MS) explicou que as taxas só poderão ser aplicadas depois da criação do novo cartão de utente do serviço de saúde. A ideia apresentada por Santana Lopes no sábado não é nova, sublinhou a mesma fonte, uma vez que já estava prevista no programa do Governo e está em fase de estudo.
As novas taxas, que prevêm que os utilizadores do SNS paguem consoante os seus rendimentos, só podem entrar em vigor depois de os ministérios da Saúde e das Finanças definirem os escalões (com base nos rendimentos declarados pelos contribuintes). Como a criação de um novo cartão de utente está previsto para o próximo ano, só nessa altura é que as taxas poderão entrar em vigor.
As Taxas de Fim de Verão
Por CORREIA DE CAMPOS
Segunda-feira, 20 de Setembro de 2004
O argumento é sedutor, antigo, mas falacioso: por que razão, um milionário português paga o mesmo que o motorista da minha escola, para fazer uma operação às coronárias, ou seja, nada? Daqui até ao argumento do utilizador-pagador vai um pequeno passo. Quem usa auto-estradas deve pagá-las, supõe-se que tenha dinheiro, pelo menos para um carro. Quem entra na universidade deve pagar propinas, está a investir para subir na escala social. Parecem situações iguais, mas são diferentes.
Em primeiro lugar, o Estado tem interesse social e económico na saúde pública. Nuns casos por razões públicas: se todos tivessem de pagar as vacinas, alguns poderiam descuidar-se e a doença infecciosa poderia atingir cada um de nós. Em outros, por razões privadas agregadas: tenho satisfação individual em pagar dos meus impostos a saúde materno-infantil a todas as mães e crianças. Todos desejamos acesso igual aos serviços, no ponto de encontro do doente com o SNS, sem que o rendimento, a profissão, a classe social, a raça ou a cultura nos separem. Depois, porque existe enorme consenso social na justiça distributiva de um mínimo de partida para todos, ou até um pouco mais para os que estão pior. Finalmente porque, dado o custo crescente dos cuidados, seria catastrófico, mesmo para um remediado, pagar 20 por cemto de um "bypass" das coronárias, o qual custa hoje, em Portugal, cerca de 50 mil euros.
Com base no argumento pretensamente igualitário, o primeiro-ministro, ligeiro como uma andorinha, vem propor co-pagamentos na saúde. Quando o informaram que as taxas moderadoras moderavam, não financiavam, retorquiu que não propunha aumentos nas taxas, mas sim verdadeiros co-pagamentos, proporcionais ao rendimento declarado para fins fiscais. Ou seja, defendeu várias coisas de uma só penada: (a) a mudança da Constituição, nesta matéria: em nome do princípio do utilizador-pagador, propõe mudar a natureza do SNS, de universal e tendencialmente gratuito, financiado por impostos, passando a ser também financiado pelo utilizador, quando este se encontra mais fragilizado, ou seja, praticar-se-ia a maldição da vítima, já que não se vai parar ao hospital como se vai em viagem, numa auto-estrada; (b) depois, o utilizador, mesmo da classe média ou alta, não podendo suportar o risco aleatório da doença, transferi-lo-ia para uma seguradora; teríamos em breve serviços de saúde com duas portas de diferente qualidade: uma para a classe média baixa e baixa, sem dinheiro para o seguro, outra para aqueles cujos co-pagamentos estariam cobertos por um seguro, seu ou do empregador; (c) dada a lógica irrefragável da dedução fiscal, surgiria nova injustiça, ou seja, para corrigirmos um aparente excesso da universalidade, criávamos em cascata uma desigualdade de acesso e uma nova injustiça fiscal; (d) injustiças fiscais corrigem-se no sistema fiscal, não pelo sistema de saúde, sempre mau aprendiz de feiticeiro nessas matérias.
Não haverá, então, espaço para modernizar a administração das taxas moderadoras, ganhando em receita, sem perder em justiça social? Sim, há. Em primeiro lugar elas devem ser actualizadas anualmente em função do salário mínimo e não abandonadas longos anos sem alteração; devem ser revistas algumas isenções menos justificáveis; realizado um esforço sério de cobrança, o que o Governo tarda em fazer, certamente pela pequenez da receita, uma vez que as cobranças cresceram no primeiro semestre deste ano muito menos do que haviam crescido em anos anteriores; diferenciado o valor das taxas, mais em função inversa da gravidade da doença, que em função do custo do serviço; finalmente, elas devem ser diferenciadas em funções das alternativas: se o doente prefere ir à urgência hospitalar onde, entre duas a quatro horas, é visto por um especialista e recebe uma bateria de exames de diagnóstico, em situação não grave nem seguida de internamento, então nada de injusto aconteceria se a sua preferência temporal e de conforto em relação à rotina e demoras do Centro de Saúde fosse diferenciada por uma taxa moderadora bem mais elevada que a do acesso a uma consulta. Do argumento constitucional cuidaram outros, bem melhor que eu o faria.
Neste fim de Verão, fica-nos a sensação de um mau filme já revisto, a que não se resiste por preguiça e complacência. A forma improvisada como o tema de novo surge, prepara-nos para o estilo deste segundo Governo. Na pressa do "sound bite", não se pensa. Sai a primeira ideia que vem à cabeça.
Professor universitário
Correia de Campos Rejeita Taxas Moderadoras Diferenciadas
LUSA , Quinta-feira, 23 de Setembro de 2004
O ex-ministro da Saúde, o socialista Correia de Campos, rejeita o pagamento das taxas moderadoras consoante o rendimento, defendendo que se alargue a isenção para os doentes efectivamente graves e os beneficiários do rendimento mínimo e social. Em declarações à Lusa, o ministro que antecedeu o social-democrata Luís Filipe Pereira, admitiu que chegou, durante o seu mandato, em 2002, a ter uma reunião com a CGTP para abordar uma possível alteração das taxas moderadoras, mas explicou que a sua intenção era a de que estas tivessem valores diferentes consoante a gravidade do estade de saúde dos utentes. Só assim as taxas funcionariam como "uma barreira" e permitiriam que os doentes efectivamente graves não pagassem ou pagassem menos do que os que utilizam estes serviços sem uma real necessidade, justificou. Para Correia de Campos, o que o primeiro-ministro, Pedro Santana Lopes, preconiza com o recente anúncio da diferenciação das taxas consoante o rendimento dos utentes é "o financiamento do sistema".
"Não se pode aplicar na saúde o princípio do utilizador- pagador, porque, neste caso, o pagador está diminuído", afirma, acrescentando que "um utilizador de um hospital não é o mesmo que utiliza uma auto-estrada".