Saúde que chegue a todos
O editorial de André Macedo (AM), sob o título “A Saúde importa” – (DE, 03.08.06) é uma peça importante para um debate ainda não lançado entre nós mas já registado em outros países. Direi que concordo com muito do que afirma o autor, mas não posso aceitar a sua mensagem central. Ela é incorrecta factualmente, omissa quanto ao essencial e, pior que tudo, injustamente geradora de desconfiança no sistema público de saúde. Além do mais, surpreende face à linha editorial do jornal, sendo difícil reconhecer no texto pensamento anterior do seu autor.
Vamos às concordâncias: cortar despesa de forma racional e igualitária é um imperativo público. Utilizar os recursos escassos para os programas que alcancem mais portugueses e mais ganhos em saúde é um truísmo, quase uma banalidade. Reconhecer o esforço da investigação farmacêutica e não fechar as portas à inovação é não só um imperativo de modernidade, como de cidadania europeia.
Garantir que a todos – e não só a alguns – é possível o melhor tratamento que a ciência médica consente exige prévio acordo sobre o adjectivo “melhor”. Acordo que tem que ser sustentado em evidência clínica, a demonstrar através de sólidos ensaios clínicos aleatórios.
O crescimento descontrolado da factura farmacêutica hospitalar não garante: (a) que todos os portugueses tenham acesso a toda a terapêutica adequada, pois para uns terem acesso acrítico, outros ficarão sem acesso; (b) que todo o esforço da indústria merece o prémio da qualidade científica, pois infelizmente o mercado é mais acessível que o conhecimento, sendo desnecessário lembrar alguns dos mais graves e recentes erros da indústria; (c) que toda a inovação terapêutica seja necessariamente segura, eficaz e de melhor qualidade que a anterior, quantas vezes a sobriedade mais conservadora acabando por vencer a inovação, quando esta é agressiva e de valor insuficientemente demonstrado; (d) finalmente, o custo de cada nova terapêutica não é apenas financeiro, é também o valor do que se sacrificou para nela gastar, ou seja o custo de oportunidade, uma vez que finitos são os recursos e infinitas as necessidades.
A decisão do Governo de, em 2006, limitar o crescimento da despesa pública nas farmácias a zero por cento e nos hospitais a quatro por cento significa o reconhecimento de, em um ano de enorme dificuldade financeira, conceder cerca de 32 milhões de euros adicionais à inovação terapêutica hospitalar. Se nada se fizesse, gastar-se-iam mais 10%, isto é, mais 80 milhões de euros que em 2005. A diferença de 68 milhões tem muito onde possa ser bem utilizada: radioterapia, fisiatria, depressão, obesidade infantil, saúde de cidadãos idosos e dependentes, apoio a diabéticos, consulta a tempo e horas, conforto hoteleiro nos hospitais, formação de pessoal em acolhimento, educação de médicos, enfermeiros e técnicos, prevenção contra o cancro, apoio a crianças deficientes, um nunca acabar de necessidades.
A convicção, rigor e consciência social com que os hospitais do SNS estão corajosamente a lutar contra o desperdício e crescimento descontrolado e acrítico são essenciais para a confiança dos cidadãos no SNS, ao contrário do que o editorialista escreveu. Os maiores ganhos em saúde no cancro do pulmão, do recto ou da mama, para nos situarmos em exemplo do editorial, obtiveram-se com a prevenção e o diagnóstico precoce e certamente com melhores fármacos, cirurgia, radioterapia, informação bem dirigida e apoio psicológico eficaz. Não são só os fármacos que custam dinheiro. Acontece que são, da lista, o que custa mais dinheiro. Se não usarmos bem os fármacos, não teremos para o resto.
Finalmente, o editorial surpreende pela posição maximalista do autor: tudo para cada doente. Subitamente, o prestigiado e reformista DE converteu-se no paladino do despesismo “à conta do Estado”. Tem, contudo o imenso mérito de chamar a atenção para o problema das prioridades em saúde, as quais têm que reunir toda a informação disponível para que a escolha seja racional. Com informação independente, haja quem decida. Só assim se cumpre a solidariedade social, base do Serviço Nacional de Saúde. Só assim a Saúde chegará a todos.
António Correia de Campos
Ministro da Saúde , DE, 04.08.06
Vamos às concordâncias: cortar despesa de forma racional e igualitária é um imperativo público. Utilizar os recursos escassos para os programas que alcancem mais portugueses e mais ganhos em saúde é um truísmo, quase uma banalidade. Reconhecer o esforço da investigação farmacêutica e não fechar as portas à inovação é não só um imperativo de modernidade, como de cidadania europeia.
Garantir que a todos – e não só a alguns – é possível o melhor tratamento que a ciência médica consente exige prévio acordo sobre o adjectivo “melhor”. Acordo que tem que ser sustentado em evidência clínica, a demonstrar através de sólidos ensaios clínicos aleatórios.
O crescimento descontrolado da factura farmacêutica hospitalar não garante: (a) que todos os portugueses tenham acesso a toda a terapêutica adequada, pois para uns terem acesso acrítico, outros ficarão sem acesso; (b) que todo o esforço da indústria merece o prémio da qualidade científica, pois infelizmente o mercado é mais acessível que o conhecimento, sendo desnecessário lembrar alguns dos mais graves e recentes erros da indústria; (c) que toda a inovação terapêutica seja necessariamente segura, eficaz e de melhor qualidade que a anterior, quantas vezes a sobriedade mais conservadora acabando por vencer a inovação, quando esta é agressiva e de valor insuficientemente demonstrado; (d) finalmente, o custo de cada nova terapêutica não é apenas financeiro, é também o valor do que se sacrificou para nela gastar, ou seja o custo de oportunidade, uma vez que finitos são os recursos e infinitas as necessidades.
A decisão do Governo de, em 2006, limitar o crescimento da despesa pública nas farmácias a zero por cento e nos hospitais a quatro por cento significa o reconhecimento de, em um ano de enorme dificuldade financeira, conceder cerca de 32 milhões de euros adicionais à inovação terapêutica hospitalar. Se nada se fizesse, gastar-se-iam mais 10%, isto é, mais 80 milhões de euros que em 2005. A diferença de 68 milhões tem muito onde possa ser bem utilizada: radioterapia, fisiatria, depressão, obesidade infantil, saúde de cidadãos idosos e dependentes, apoio a diabéticos, consulta a tempo e horas, conforto hoteleiro nos hospitais, formação de pessoal em acolhimento, educação de médicos, enfermeiros e técnicos, prevenção contra o cancro, apoio a crianças deficientes, um nunca acabar de necessidades.
A convicção, rigor e consciência social com que os hospitais do SNS estão corajosamente a lutar contra o desperdício e crescimento descontrolado e acrítico são essenciais para a confiança dos cidadãos no SNS, ao contrário do que o editorialista escreveu. Os maiores ganhos em saúde no cancro do pulmão, do recto ou da mama, para nos situarmos em exemplo do editorial, obtiveram-se com a prevenção e o diagnóstico precoce e certamente com melhores fármacos, cirurgia, radioterapia, informação bem dirigida e apoio psicológico eficaz. Não são só os fármacos que custam dinheiro. Acontece que são, da lista, o que custa mais dinheiro. Se não usarmos bem os fármacos, não teremos para o resto.
Finalmente, o editorial surpreende pela posição maximalista do autor: tudo para cada doente. Subitamente, o prestigiado e reformista DE converteu-se no paladino do despesismo “à conta do Estado”. Tem, contudo o imenso mérito de chamar a atenção para o problema das prioridades em saúde, as quais têm que reunir toda a informação disponível para que a escolha seja racional. Com informação independente, haja quem decida. Só assim se cumpre a solidariedade social, base do Serviço Nacional de Saúde. Só assim a Saúde chegará a todos.
António Correia de Campos
Ministro da Saúde , DE, 04.08.06
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