sábado, junho 24, 2006

Auto-estima

Portugal, soma e segue em auto-estima. Com três vitórias na primeira fase do Mundial espera passar a difícil barreira dos oitavos-de-final. O país tem orgulho. Imenso orgulho. Pendura a Pátria à janela e anda com os pulmões cheios de egrégios avós. Contra a Holanda marchar, marchar.
Não me interpretem mal. Festejei cada vitória e vibrei com cada golo. E tenho pouca paciência para os que, como Pacheco Pereira, defendendo sempre que os portugueses devem fazer imensos sacrifícios e nunca se incluindo no lote dos sacrificáveis, nem estes dias de alguma alegria toleram à maralha. Pensam como o senhor Ulrich, venerável cavaquista e presidente do Conselho de Administração do BPI, que escrevia há uns anos: «Os Portugueses não estão mobilizados nem preocupados com a competitividade, querem é passar mais tempo na praia». E na bola, dirá agora para os seus botões de punho. E eu, português, me confesso: neste momento preocupa-me a produtividade, sim, mas a do Cristiano Ronaldo. Tanta finta para tão pouca uva.
Por isso, já perceberam, a minha irritação não é com o Mundial. É mesmo com a auto-estima. É o próprio conceito que me deixa nervoso. É que na senda de Jorge Sampaio, que fez dos seus mandatos um manual de auto-ajuda. Cavaco Silva tem-se dedicado aos tradicionais «tours» pelo «Portugal positivo». Esse Portugal que teima em se mostrar apenas em presidências abertas só para nos aumentar o astral. A intenção desses psicólogos da Nação é boa: pensarmos positivo para atrair boas vibrações e, espera-se, algum investimento. Lamentavelmente, só para contrariar, o resto do país vive no outro Portugal, o que o Presidente não visita.
Auto-estima a sério é esta, a que nos chega pelos pés de Maniche, Deco e Pauleta. E enquanto vier do relvado, sempre são noventa minutos bem passados. O que, nos dias que correm, não é pouco. Já quando vem da boca do chefe de Estado é má notícia pela certa. Quer dizer que já não há nada a fazer. Só ter fé. Muita fé.
daniel oliveira, semanário expresso 24.06.06