O elo forte da política de saúde
Há um elo forte na política de saúde do actual governo? Há, inquestionavelmente. Esta peça da corrente sistémica que constitui o Serviço Nacional de Saúde (SNS) consiste na criação das Unidades de Saúde Familiar (USF). Embora só representem parte do que é necessário alterar na rede de cuidados de saúde primários para que as respostas dadas por este patamar de cuidados cubram mais ampla e continuadamente as necessidades da população, se os seus objectivos principais conseguirem ser alcançados poderemos estar na presença de um exemplo de boas práticas de gestão da mudança potencialmente replicável para outros sectores do SNS, com importantes consequências no reforço da componente pública do sistema de saúde. Até ao momento, e pelo que já se conhece da sua acção, tudo leva a crer que a Unidade de Missão para os Cuidados de Saúde Primários tem vindo a cumprir os termos de referência para que foi nomeada e que, concluída a duração do seu mandato, terá implantado no terreno e em funcionamento um conjunto significativo de USF. Porém, a complexidade dos obstáculos que esta Unidade de Missão tem pela frente exige um apoio político continuado do Governo, dos seus pares e da população.
Passados mais de vinte anos sobre a institucionalização dos Centros de Saúde de segunda geração, o processo de maturação da figura que em 1996 tomou a forma de projectos Alfa e em 1999 ficou consagrado no decreto-lei n.º 157/99 com a designação de Centros de Saúde de Terceira Geração, entretanto revogado por Luís Filipe Pereira e repristinado por actual Governo, autoriza a pensar que estão reunidas as condições básicas para um decisivo impulso no sentido de afirmar a implantação e desenvolvimento das USF.
A criação das USF constitui o elo forte da actual política de saúde por dois motivos. Em primeiro lugar, porque pela sua dimensão, mecanismos de transacção, responsabilização pelo cumprimento de uma carteira de serviços e de um orçamento-programa, constituem uma figura de maior proximidade e com maior capacidade de interactividade do que são os Centros de Saúde na sua configuração tradicional, cabendo-lhe prestar cuidados de saúde integrais e continuados, melhorando o acesso aos cuidados de saúde e cobertura da população. Em segundo lugar, porque as USF correspondem a uma forma inclusiva e convergente da organização do trabalho, centrada na autonomia gestionária e auto-regulação dos seus profissionais. Reunidas e satisfeitas estas premissas, é legítimo esperar que os parâmetros de prestação de cuidados vejam melhorados os seus indicadores, num espaço de tempo que os utentes desejam ser suficientemente aceitável para as expectativas criadas.
Colocando-nos exclusivamente no plano intra-sectorial identificamos três questões a reclamar clarificação urgente e simultânea. Uma questão diz respeito à natureza da relação as USF e os Centros de Saúde. Se essa relação tiver um estatuto equivalente à que os Centros de Responsabilidade Integrados mantêm com as Administrações Hospitalares seria desejável que essas regras ficassem desde já previstas, de forma a prevenir a emergência de potenciais forças centrífugas e o consequente enquistamento das USF.
A segunda questão reporta-se à circulação dos utentes inscritos nas USF dentro o sistema de referenciação hospitalar: vão ser as necessidades em saúde, o dinheiro ou ambas a seguir os utilizadores? Este é um aspecto particularmente sensível porque dependente da alternativa escolhida assim os mecanismos de financiamento e regulação desta interface serão mais orientados para o cidadão ou para os serviços. A terceira questão, mais sistémica, relaciona-se com o lugar que as USF vão ocupar na rede de cuidados continuados. Se a opção for no sentido de serem criados três segmentos verticalizados de prestação directa de cuidados com lógicas autónomas – Unidades de Saúde Familiares, Hospitais e Cuidados Continuados - , os custos de transacção entre eles e a logística necessária para manter estável e fluida a sua articulação serão bastante diferentes da opção centrada nas respostas integradas a cada momento do ciclo vital dos seus utilizadores.
De momento, interessa acompanhar a dinâmica criada em torno das mudanças que se estão a operar nos cuidados de saúde primários e confiar no desempenho da respectiva Unidade de Missão .
Cipriano Justo , semanário expresso 26.08.06
Passados mais de vinte anos sobre a institucionalização dos Centros de Saúde de segunda geração, o processo de maturação da figura que em 1996 tomou a forma de projectos Alfa e em 1999 ficou consagrado no decreto-lei n.º 157/99 com a designação de Centros de Saúde de Terceira Geração, entretanto revogado por Luís Filipe Pereira e repristinado por actual Governo, autoriza a pensar que estão reunidas as condições básicas para um decisivo impulso no sentido de afirmar a implantação e desenvolvimento das USF.
A criação das USF constitui o elo forte da actual política de saúde por dois motivos. Em primeiro lugar, porque pela sua dimensão, mecanismos de transacção, responsabilização pelo cumprimento de uma carteira de serviços e de um orçamento-programa, constituem uma figura de maior proximidade e com maior capacidade de interactividade do que são os Centros de Saúde na sua configuração tradicional, cabendo-lhe prestar cuidados de saúde integrais e continuados, melhorando o acesso aos cuidados de saúde e cobertura da população. Em segundo lugar, porque as USF correspondem a uma forma inclusiva e convergente da organização do trabalho, centrada na autonomia gestionária e auto-regulação dos seus profissionais. Reunidas e satisfeitas estas premissas, é legítimo esperar que os parâmetros de prestação de cuidados vejam melhorados os seus indicadores, num espaço de tempo que os utentes desejam ser suficientemente aceitável para as expectativas criadas.
Colocando-nos exclusivamente no plano intra-sectorial identificamos três questões a reclamar clarificação urgente e simultânea. Uma questão diz respeito à natureza da relação as USF e os Centros de Saúde. Se essa relação tiver um estatuto equivalente à que os Centros de Responsabilidade Integrados mantêm com as Administrações Hospitalares seria desejável que essas regras ficassem desde já previstas, de forma a prevenir a emergência de potenciais forças centrífugas e o consequente enquistamento das USF.
A segunda questão reporta-se à circulação dos utentes inscritos nas USF dentro o sistema de referenciação hospitalar: vão ser as necessidades em saúde, o dinheiro ou ambas a seguir os utilizadores? Este é um aspecto particularmente sensível porque dependente da alternativa escolhida assim os mecanismos de financiamento e regulação desta interface serão mais orientados para o cidadão ou para os serviços. A terceira questão, mais sistémica, relaciona-se com o lugar que as USF vão ocupar na rede de cuidados continuados. Se a opção for no sentido de serem criados três segmentos verticalizados de prestação directa de cuidados com lógicas autónomas – Unidades de Saúde Familiares, Hospitais e Cuidados Continuados - , os custos de transacção entre eles e a logística necessária para manter estável e fluida a sua articulação serão bastante diferentes da opção centrada nas respostas integradas a cada momento do ciclo vital dos seus utilizadores.
De momento, interessa acompanhar a dinâmica criada em torno das mudanças que se estão a operar nos cuidados de saúde primários e confiar no desempenho da respectiva Unidade de Missão .
Cipriano Justo , semanário expresso 26.08.06
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