quinta-feira, dezembro 02, 2010

João Correia da Cunha

João Correia da Cunha, presidente do Santa Maria, diz ter uma missão impossível para cumprir: cortar 15% nos custos operacionais do maior hospital do País. Com uma equipa de 1.300 médicos e 1.900 enfermeiros, um orçamento de 1.400 milhões de euros e 1.100 urgências para atender diariamente, Correia da Cunha não sabe como responder aos cortes impostos pelo Ministério das Finanças. Mas há uma coisa de que não tem dúvidas: “No dia em que eu tiver de dizer que não podemos tratar um doente porque o custo é muito elevado, deixo de estar disponível”.

O Hospital de Santa Maria tem margem para reduzir no desperdício?

Quando se fala em “gorduras” estamos a falar de custos, em fazer o mesmo com menos ou com o mesmo fazer mais e melhor. Se olharmos para o Centro Hospitalar Lisboa Norte [que engloba os hospitais Santa Maria e Pulido Valente] as grandes áreas são os recursos humanos, consumos e fornecimentos de serviços externos. No casos dos recursos humanos, em particular dos médicos, diria que poderíamos fazer o mesmo com menos pessoas mas num enquadramento diferente: tenho uma procura das urgências desajustada, estamos com 1.100 episódios de urgência por dia. Isto consome uma brutalidade de horas de trabalho médico. Nos últimos cinco anos conseguimos fazer mais com o mesmo. Se me perguntar se fizemos melhor eu diria que nalgumas áreas sim. Agora não nos peçam para reduzir massa salarial, reduzir efectivos e continuar a tratar todos os doentes que nos procuram.Tenho alguma dificuldade em acreditar que isso seja possível.

Mas de acordo com o OE/2011 vai ter de cortar 5% nos custos com pessoal.

Isso é um corte governamental ao qual nós não nos podemos opor. É transversal e cobre todas as empresas públicas. É um corte e não uma “gordura”.

Mas há áreas onde pode fazer o mesmo com menos?

Na área dos consumos, que contempla o grande bolo dos medicamentos, a evidência é que se pode sempre gastar menos. Mas isso é um pouco teórico. O CHLN é uma unidade de fim de linha que não manda doentes para outros hospitais e ainda recebe doentes que deviam ser tratados noutras unidades. E é preciso não esquecer que as pessoas vivem cada vez mais, as terapêuticas são cada vez mais efectivas, mas também muito mais caras. Diria que nesta área é possível cortar, mas não é fácil cortar 15% sem comprometer o tratamento dos doentes.

Já sabe se é mesmo 15% que vai ter de cortar?

Não sei. Neste momento, ninguém sabe. É muito difícil assumir um corte de 15%. Ganhos de eficiência nos serviços externos podem-se sempre obter mas são pontuais. A EDP pode fazer uma atenção de 5% ou 10%na factura da electricidade, mas já fizemos isso anteriormente e há um limite. Quais são as luzes que eu apago no hospital para reduzir custos? Não tenhamos ilusões: não posso manter a operatividade de uma estrutura tão complexa como este hospital com cortes de 15%.

Está a dizer que é impossível?

Digo-lhe claramente: eu não sei como é que se faz um orçamento com um corte de 15%. A outra versão, do Ministério da Saúde, que diz que temos de cortar 5% nos custos com pessoal, que não podemos crescer nos serviços externos e nos consumos podemos crescer até 1,5% parece-me mais ao nosso alcance.

Admite por o seu lugar à disposição se for obrigado a cortar 15%?

Não admito nem deixo de admitir. Se o CHLN foi chamado ao Ministério das Finanças é porque somos uma das grandes empresas nacionais. É evidente que é uma empresa especial. Estamos disponíveis a dar um contributo nesse sentido, agora construir um modelo credível que não quebre a prestação de cuidados, que é o essencial, tenho dúvidas. Já o disse anteriormente e mantenho: o meu desempenho está estritamente ligado à possibilidade de prestar os cuidados de saúde indicados a cada momento segundo as regras técnico-científicas. No dia em que eu tiver de dizer que não podemos tratar um doente porque o custo é muito elevado, deixo de estar disponível.

A Ministra da Saúde garante que este corte na dotação não implicará redução no acesso e na qualidade dos serviços. Isto é possível?

Assistimos no tempo do ministro Correia de Campos a uma coisa que era racional, e que depois não correu muito bem, talvez por ser mal explicado, que foi o caso das urgências. Mas sejamos claros: qual é a racionalidade de eu manter aberto um atendimento nocturno para seis ou quatro doentes em que eu não tenho nada para lhes dar a não ser a presença de um médico e um enfermeiro? O mesmo raciocínio se pode fazer para as maternidades e para os hospitais. Há possibilidade de, com grande dificuldade e até com desconforto para muita gente, fazer mudanças no sentido de não prejudicar os cuidados de saúde e eventualmente até melhorá-los. Fazendo este caminho eu diria que podemos ter resultados com as margens citadas atrás.

Nos últimos cinco anos o CHLN apresentou contas equilibradas. Mas este ano foi-lhe retirado 11 milhões de euros ao orçamento. Isto não é contraditório? Os bons resultados não deviam ser incentivados e não penalizados?

Foi mais que 11 milhões. E acresce a esse número o novo modelo de contratualização da ADSE que nos tirou mais uma fatia representativa, porque a ADSE representa cerca de 12% da nossa produção. Este ano, fomos claramente financiados abaixo do ano passado de uma maneira que para nós não nos parece muito adequada, muito justa.

Qual é a previsão para o final do ano?

Nas estimativas de custos falta saber o impacto das medidas que introduzimos desde Abril, no primeiro pedido para que elaborássemos medidas de contenção. Por outro lado, na parte dos proveitos há aspectos de negociação com a indústria que podem ser maiores ou menores. Não estou muito optimista que se consiga chegar ao equilíbrio conseguido nos anos anteriores. Também não estou pessimista ao ponto de dizer que vamos ter um buracão. Há um défice assegurado há partida.

Porque é que os hospitais que tiveram melhores resultados são aqueles que sofrem maior corte no financiamento?

Eu tenho uma explicação para isso. Mas deixaria isso para a ARS responder. Não é um ‘dossier’ muito simples para nós. Não virámos a cara, estamos disponíveis, a equipa é muito coesa e não desiste facilmente. Mas o cenário tornou-se pior claramente. Nós não estamos aqui para ganhar dinheiro mas é muito melhor estar numa posição de equilíbrio. Ficar a acumular défices sucessivos é uma situação muito pouco confortável porque inviabiliza o investimento.

Quantos médicos é que pediram reforma antecipada este ano no CHLN?

Não sei os números exactos mas são números limitados.

Sabe se algum vai regressar?

Também não tenho essa informação porque é um processo que ainda está em desenvolvimento. Mas devo dizer-lhe que o pedido de reforma antecipada de médicos não é para nós um problema significativo. Assim como a contratação de médicos aposentados não é uma prioridade. Mal vai uma instituição com a dimensão do CHLN que não olhe atempadamente para o futuro. Mal vai se um hospital que fique dependente de alguém que já cumpriu o seu ciclo profissional, que já está na década dos 60 ou 70, que se quer reformar e que depois se lhe pede que não se vá embora senão o serviço entra em colapso.

O Santa Maria não tem falta de médicos?

Não tem. Temos até uma grande possibilidade de renovação porque temos um internato que cobre todas as especialidades hospitalares.

Catarina Duarte, DE 29.11.10

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