domingo, novembro 28, 2010

PPC, preparado para tudo

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E na Saúde qual seria o papel do Estado?

Ao contrário da Economia, em que o Estado não deve ser parte da conversa, na Saúde, na Educação e no Seguro Social o Estado tem que conviver com a economia social que inclui não apenas os privados mas muitas entidades sem fins lucrativos e com propósito social. Que é bem defendido na sociedade civil por essas organizações do que pelo Estado.

O nosso Serviço Nacional de Saúde, apesar dos erros e gestões, e deficitário, é das coisas que melhor funcionam em Portugal. É um dos melhores do mundo. Nem David Cameron ousou dar o golpe de misericórdia no SNS na Grã-Bretanha. E usou-o para tratar o filho que morreu, apesar de ter rendimentos suficientes para recorrer aos privados. Ora os nossos melhores hospitais são públicos e o privado não resolve tudo. Sempre se disse que se devia ir antes para S. José do que para a CUF em caso de doença grave. Podemos dizer que uma TAC hoje custa tanto em S. José como na CUF…

Não, custa mais. Custa mais em S. José

Não quer reduzir-nos à situação brasileira em que existe um óptimo sistema de convénios para os ricos e um péssimo para os pobres, que vão morrendo. Este é um medo real que as pessoas têm

É um medo que o PS agitou e que não conduz às soluções mais responsáveis nem mais racionais. Temos de combater o medo falando com lealdade às pessoas. Não há razão para estarmos demasiado críticos de um sistema que está entre os 14 primeiros do mundo. Para já, vou subscrever essa asserção embora haja sinais que começam a despontar que anunciam que isso se vai deteriorar no curto prazo. Respondo-lhe: não temos dinheiro para pagar este sistema. Isto tem de ser dito. E quando digo não temos, não é o Estado, são os portugueses. O Serviço de Saúde, a Educação, o Seguro Social e os salários da Administração, isto junto consome já a totalidade dos nossos impostos e contribuições sociais. E ninguém dirá que o Estado não é preciso noutras áreas. Ou olhamos para o futuro e achamos que podemos acrescentar défices e aumentar a dívida, e os nossos credores não o consentem, ou olhamos para o futuro e sabemos que vamos ter de gerir melhor as áreas e sobretudo que gastar menos. Isto significa cortar. Como o Governo socialista está a reconhecer. Ou cortamos cegamente empurrados pela extrema necessidade ou cortamos com lógica de modo a defender os que têm menos recursos e a integridade e qualidade do serviço prestado. Devemos programar a reforma e ela deve ser feita com uma garantia, que foi o que quisemos deixar bem expresso em termos de revisão constitucional: seja o Estado ou não a prestar os serviços, este não pode deixar de garantir que toda a gente que não tem rendimentos possa receber os cuidados de saúde.

Na prática como é que paga esse sistema? Como é que faz a triagem?

Temos de garantir às pessoas de baixos recursos que não são varridas para baixo do tapete, uma garantia solidária. E temos de encontrar mecanismos mais eficientes de gestão. Como é que o serviço é prestado e não tanto por quem é prestado. Veja o exemplo da ADSE. A ADSE é um serviço prestado para os funcionários públicos. Não tem hospitais nem clínicas e, contra um custo imputado aos seus funcionários e outro imputado à entidade pagadora que é o Estado, a ADSE contrata os serviços em função da qualidade e do preço e consegue ter um resultado mais eficiente do que o SNS na generalidade. Quer dizer, em função do financiamento da ADSE, as pessoas obtêm um resultado melhor.

Obtêm porque esse resultado é financiado pelos nossos impostos.

Exactamente, uma parte é paga pelo Estado.

Parece-me que ADSE é um sistema privilegiado com serviços de grande qualidade pelos quais os utentes pagam uma tuta e meia.

Não. Justamente, o Estado não paga mais pela ADSE do que paga em capitação pelo SNS. A ADSE gere melhor os serviços e custam menos ao Estado do que o SNS na sua totalidade.

Custa menos aos utentes. E a ADSE não tem utentes mais pobres.

E não são meia dúzia, estamos a falar de um universo expressivo na sociedade portuguesa, largas centenas de milhares de pessoas. Funcionários públicos.

Somos 10 milhões

Mas a ADSE entre directos e familiares, tem para cima de um milhão de pessoas nesse sistema. Segundo aspecto: a ADSE quando contrata os serviços contrata-os numa lógica de não preconceito entre público e privado e é aqui que a primeira fractura conceptual se regista. Está bem patente no diferendo que opôs na altura a ministra da Saúde ao ministro das Finanças. A ADSE está dependente do Ministro das Finanças. Na altura, tinha a actual ministra da Saúde tomado posse há pouco tempo, o ministro tinha autorizado a ADSE a fazer um contrato com o Hospital da Luz que era para A ADSE melhor do que o anterior . Ia pagar menos por um serviço melhor. E a decisão racional do ministro das Finanças foi essa e a ministra da Saúde disse publicamente que lamentava que o Estado estivesse a financiar privados com a ADSE quando precisava de investir na rede pública. Aqui tem, num Governo socialista duas concepções diferentes. Eu estou com o ministro das Finanças e não me interessa saber se o serviço é público ou privado ou cooperativo. Interessa-me se é um serviço certificado ou não. E se é mais caro ou mais barato. E repare que não saí da órbita pública, não estou a dizer que o Estado vai deixar de pagar, estou a dizer que o Estado tem de saber como gasta o dinheiro. Gerindo melhor as instituições públicas e contratando serviços a privados ou instituições não lucrativas. Temos de ter bons serviços na área não pública. Em 74, a grande rede hospitalar em Portugal era não pública, eram os hospitais das Misericórdia. Tínhamos os hospitais centrais e a rede da Misericórdia. Depois do 25 de Abril, o Estado apropriou-se de toda essa rede e na prática tornou-se o embrião da rede pública hospitalar. Durante muitos anos os serviços, se exceptuarmos os meios complementares de diagnóstico, de cuidados primários e da rede diferenciada, eram públicos. Os privados pouca coisa tinham, ou de pouca qualidade. E, como diz, durante muitos anos, sempre que as coisas se complicavam era o Estado que tinha essa capacidade. Isso tem vindo a ser alterado e muitos privados fizeram um investimento em serviços de ponta que rivalizam com os públicos. Claro que me pode dizer que rivalizam com os públicos porque podem captar recursos humanos na área pública. O próprio Estado, para poder garantir estes serviços a um número mais alargado de pessoas e como não tem oferta pública suficiente, recorrer à oferta privada através das convenções. É um princípio útil e que defendo.

Que regras? Porque a tendência é para o Estado ficar com o resíduo

O Estado não deve absolutizar porque ou diz que tem uma rede ampla e oferece tudo de graça, ou admite outras ofertas. As coisas têm um preço e este “de graça” é uma ilusão fiscal. Veja este orçamento. O Estado decidiu que ia cortar fortemente os apoios que dá a algum sector privado na Educação. Escolas com alunos pagos pelo sector público. Não são muitos, uns 50 a 70 mil jovens. Mas sempre que está apertado de dinheiro o Estado prefere concentrar o dinheiro na área pública e não deixar margem de escolha. Assim, o Estado tem de tomar conta de tudo. E só há escola pública. Ou escola privada para gente mais rica. Só há hospitais públicos. E os privados ficam apenas para os muito ricos. Não tem de ser assim. É saudável para os serviços públicos, não que haja competição, como na economia tradicional. Mas que haja o fundamento económico para que o Estado não esteja sozinho no mercado social. Os mecanismos de gestão pública têm de estar em linha com a privada e foi isso que se tentou fazer com as EPE (empresas participadas do estado), mas o accionista não pede responsabilidades. Todos os anos aparece uma dívida escondida no SNS nunca inferior a 500 ou mil milhões de euros.

Porque é que os privados iriam gerir áreas públicas sem lucro? Quem iria pagar isso?

Pense ao contrário, suponha que exista um conjunto de contratos, como existe na economia privada, com success fee. Tem uma despesa de X, se poupar 20% na despesa dá-me uma percentagem de poupança. Se tiver um serviço público que pode ser gerido com menos despesa, do que poupo devo pagar um prémio ao gestor. Se houver um desperdício de 15% a 20% e se o gestor consegue reduzir para metade este desperdício, faz sentido pagar um prémio. Menos impostos e maior oferta. Não ponho de parte que hospitais públicos tenham gestão privada. O Estado tem de ter benchmarks.
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Entrevista de Clara Ferreira Alves, semanário expresso, revista, 27.11.10

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