sexta-feira, setembro 24, 2010

A nova lei de gestão hospitalar

“pára-quedistas” porquê?

O preâmbulo do DL 16/87, de 9 de Janeiro, sobre gestão hospitalar, afirma, expressamente, a vontade de reforçar os “princípios de natureza empresarial, já contidos no DL nº 129/77.
Um dos meios que o legislador encostou, para atingir esse objectivo, foi o de alargar o campo de recrutamento para o cargo de Administrador Geral – até aqui reservado a profissionais da Carreira de Administração Hospitalar – a “gestores de reconhecido mérito, vinculados ou não à Função Pública”.
Quer dizer, 17 anos decorridos sobre a criação, no nosso País, do Curso de Administração Hospitalar, quando em todo o Mundo moderno se aceita pacificamente a necessidade do Administrador Hospitalar possuir formação específica, vem a nova lei consagrar o princípio oposto.

Admitamos, de boa fé, que o Ministério da Saúde está convencido da vantagem em recrutar novos gestores, como meio de vencer a resistência dos hospitais à implantação dos “princípios de natureza empresarial”.
O que está aqui em causa, portanto, é saber qual a probabilidade desse possível recrutamento vir a constituir uma boa decisão.
A actividade empresarial, nas instituições de serviço público, tem sido tema para vários estudos e alguns autores reflectiram, especificamente, sobre o problema em apreço.
Será pois de evidente interesse conhecer o pensamento de Peter Drucker , um autor de renome mundial, consultor de grandes empresas americanas e inglesas e professor universitário em Nova Iorque.

A propósito das culpas que os críticos da burocracia atribuem aos “burocratas tímidos” , pela resistência que as instituições de serviços públicos oferecem ao espírito empresarial e à inovação, diz Drucker:
“ É uma litania muito antiga; na verdade, já era velha quando Maquiavel a entoou há quase quinhentos anos. No princípio do nosso século, ela era o slogan dos liberais, agora é o slogan dos chamados neoconservadores.”
Só que as coisas não são assim tão simples e “pessoas mais competentes”, acrescenta Drucker, “são apenas uma miragem”.
E completa então o seu raciocínio, afirmando: ”Pessoas com o melhor espírito empresarial e inovador comportam-se como o pior dos burocratas oportunistas, ou dos políticos famintos do poder, seis meses depois de terem assumido a direcção duma instituição de serviços públicos, particularmente se se tratar de um organismo estatal”.
Citado por Gelinier, A.Gouldner, um sociólogo também americano, explica-nos o porquê desse facto, ao descrever o processo pelo qual um chefe caído de pára-quedas”- a expressão é sua – numa Administração, sem ter o conhecimento prévio da engrenagem interna e dos problemas específicos, se refugia, muitas vezes, em método de direcção burocrática.
“ Incapaz de manejar a incerteza, foge ao face a face e age pela via regulamentar”.
Desse modo reforça uma característica do sistema burocrático cujas disfunções Merton pôs em evidência e que a nova lei pretenderia obviar.
Entendamo-nos: a abordagem do hospital enquanto empresa não sofre hoje qualquer contestação. Foi tema que esteve em voga há décadas atrás e que nos anos 60 tinha ganho definitivos direitos de cidade.

Os administradores hospitalares não ignoram essa abordagem, conhecem-lhe as potencialidades e também os limites e são quem, apesar de tudo, conseguiu introduzir, no hospital português, conceitos, métodos e regras de gestão de tipo empresarial.
Por isso se não compreende a opção do legislador.
A forma de nomeação do Administrador Geral, possibilitando a figura do “pára-quedista” é tecnicamente um erro.
Mas é, para além disso, moralmente injusta, para todos quantos da Administração Hospitalar têm feito profissão exclusiva, em tempo completo e, quantas vezes, bastante prolongado.

Meneses Correia, Administrador Hospitalar

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