Vai haver um controlo mensal dos hospitais
Tem bombons de chocolate na mesa, uma prática que lhe vem dos tempos em que era directora hospitalar e tinha “reuniões difíceis” Ana Jorge, ministra da Saúde desde Janeiro 2008, diz que o chocolate, desde que não em demasia, diminui a tensão arterial e até faz bem. Dá a entrevista em dia de greve geral, reconhecendo com bonomia que é presença assídua na lista dos remodeláveis – algo que entende não como um ataque pessoal mas como parte de uma campanha contra o Serviço Nacional de Saúde (SNS), de que se mantém inabalável defensora. É em nome dele, de resto, que garante ir cumprir as difíceis metas orçamentais para 2011, para tanto prometendo pulso férreo sobre as administrações hospitalares. Não diz que não confia nos gestores dos hospitais, mas admite que a liberdade de acção de que eles dispõem nem sempre tem sido bem usada.
Expresso: O ministro das finanças diz que há um buraco, não orçamentado, de 500 milhões de euros na Saúde, culpando este ministério pela má execução orçamental de 2010.
Ana Jorge: Nunca se prestaram cuidados a tanta gente como agora. Há um aumento da produção dos hospitais e centros de saúde e, do ponto de vista da execução orçamental do SNS, temos tido uma redução de ano para ano. Em 2009 tínhamos um défice de 395 milhões e esperamos fechar 2010 com 199 milhões.
Mas a dívida dos hospitais-empresa (EPE) será superior à de 2009?
Será com certeza, mas é uma dívida controlada e inferior aos valores de que se fala. Temos hospitais que poderiam ter algumas facturas pagas mas que, pela prátia e pela autonomia de gestão, decidem pagar só no fim do ano. Em 2011 vamos fazer um acompanhamento mais rígido e mais próximo.
Porque só agora?
Porque nos primeiros anos estivemos muito envolvidos na produção e em aumentar a eficiência dos serviços. Face à crise exigem-se medidas adicionais.
Não confia nas administrações?
Gostaria de não dizer isso porque, se foram nomeadas por nós, são pessoas em quem temos confiança. Têm feito trabalho positivo nalgumas áreas. Noutras teremos de acompanhar de perto para garantir que concretizam as medidas definidas, porque a liberdade de acção nem sempre é bem usada.
Como é que conseguirá o acompanhamento mais rígido e mais próximo ?
Está a ser pensado um controlo mensal e rigoroso da execução das metas. E sempre que se encontrarem desvios, haverá discussão das medidas correctivas.
E a responsabilização dos gestores?
Podemos sempre substituí-los. Se não cumprirem a carta de missão e o compromisso que assinaram na posse, terão de ser substituídos. A substituição por não cumprirem as metas não tem sido muito frequente e é prática que tem de ser retomada, acompanhada pela avaliação dos conselhos de administração.
O respeito, pelas administrações hospitalares, das orientações é essencial para cumprir o orçamento de 2011
No próximo ano tenho dois objectivos: cumprir a execução orçamental e não diminuir a actividade nem a prestação de cuidados. Farei tudo para que isso não aconteça. Não podemos reduzir o acesso à Saúde, mas podemos gerir a saúde das pessoas de uma forma diferente.
Como é que não se reduz o acesso quando, por exemplo, há tectos de crescimento para os medicamentos?
Temos de introduzir mecanismos racionais de escolha e de compra dos produtos. O que temos vindo a fazer são compras mais centralizadas, capacidade de negociação e redução dos custos - porque não há razão para Portugal ter, do ponto de vista de alguns medicamentos hospitalares, uma média acima da Europa.
O médico não poderá prescrever o medicamento que quiser?
Não. Só poderá sair do protocolo com uma justificação clínica, validada pelo superior hierárquico clínico, ou o medicamento não é comparticipado.
Estes protocolos também vão ser aplicados aos exames.
Os exames não podem ser a pedido, são um complemento para confirmar, ou não, um diagnóstico. Em Portugal criámos o hábito dos exames a pedido, mas é o médico que tem de decidir, de acordo com as boas práticas, se o doente prcisa, ou não, de fazer exames.
E esses manuais estão prontos?
Estão a ser construídos e espero ter os primeiros no princípio do ano.
Há um ano, num comício em Coimbra, disse: “Um voto no PS nos próximos quatro anos e todas as pessoas terão médico de família”. Hoje não faria esta afirmação com a mesma assertividade.
Teria receio de a fazer com a mesma força, embora seja um objectivo a cumprir. De há um ano para cá houve alguns mecanismos que nos vieram atrapalhar, como as reformas antecipadas.
Disse que seria bom se regressassem 200 dos 600 médicos que já saíram, mas ainda só 80 o fizeram.
Ficámos aquém, mas ainda acredito que alguns voltem a trabalhar por mais algum tempo porque é cedo para fechar o processo. O médio tem sempre onde trabalhar.
Os sindicatos dizem que o SNS está desagregado e que é ainda mais grave dado a ministra ser médica e do SNS
É verdade, no entanto ainda há negociações em curso. Conseguimos fechar o acordo das carreiras e falta-nos uma peça fundamental que é a grelha salarial, mas que neste momento de crise financeira não há condições.
Quer dizer: não há dinheiro.
Sim. O que vamos fazer, quase hospital a hospital, é um cálculo da gestão das horas extraordinárias, saber qual é a repercussão financeira detalhada e organizar o trabalho para que esse valor possa reverter para a “casa”.
Essas auditorias já estão a ser feita?
Estamos a começar.
A adenda do OE, que prevê descidas administrativas dos preços dos medicamentos, é um aviso à navegação para a indústria farmacêutica?
É evidente que sim. Os delegados de informação médica têm uma influência muito forte nos médicos e a prescrição tem muito a ver com isso. Esta crise pode ser uma grande oportunidade para introduzirmos racionalidade dentro do sistema, não só para a indústria como para os profissionais. As administrações têm de ter uma espécie de polícia: quando eu era directora de serviço andava muitas vezes a apagar luzes, a desligar computadores ou a controlar as fotocópias.
Dizer que sou remodelável faz parte da campanha contra o SNS
É a última entrevista como ministra?
É?
O seu nome aparece sempre na lista dos remodeláveis.
Só nos últimos tempos. Faz parte, a meu ver, de uma campanha contra o Serviço Nacional de Saúde (SNS).
São boas as suas relações com o ministro Teixeira dos Santos?
São. Há um rumor muito grande, que é explorado pela comunicação social, e por algumas pessoas que têm interesse em passar essas mensagens. No fundo, o objectivo do Governo e de todos os ministros é comum: a execução orçamental e o controlo da despesa.
Em Janeiro de 2008 dizia que tinha aceitado ser ministra como “uma missão para defender o SNS”. Mas às vezes toma medidas que parecem contrárias a isso.
Admito que algumas medidas possam parecer contrárias, mas têm a ver com a sustentabilidade do SNS no futuro. O objectivo mantém-se, portanto.
Ao fim e ao cabo está a dizer o mesmo que o líder do PSD quando ele afirma que “não temos dinheiro para pagar este sistema, há que racionalizá-lo”.
Não, é diferente. Bem diferente. Eu defendo um SNS público, tendencialmente gratuito, aberto a todos e de qualidade para todos. Se introduzimos medidas de racionalidade é para este objectivo. O PSD defende o pagamento diferenciado em função das possibilidades das pessoas e no ato da doença. Eu entendo que as pessoas não devem pagar a saúde no momento em que estão doentes. Todos contribuímos para o SNS através dos nossos impostos, e pagamo-los em função dos nossos rendimentos, assim é que é justo, mas o acesso é igual para todos.
Há um ano dizia: “Se o PSD chegar ao Governo é garantidamente o fim da saúde para todos”. Mantém?
Até há bem pouco tempo o que o líder do PSD defendia era o fim do SNS de qualidade para todos. Dar o básico da saúde não quer dizer que sede de qualidade. E para termos um SNS de qualidade temos de ter serviços fortes, abertos a todos e com um leque de grande diferenciação. Se eu limito, dizendo que quem tem posses pode ser tratado noutro local que não nas instituições públicas, estou a descapitalizar estas e a favorecer o outro.
Passos Coelho quer “mecanismos mais eficientes de gestão”. Que se abandone o preconceito entre privado e público, que o Estado contrate, não interessa a quem, desde que o serviço seja de qualidade e mais barato.
Essa é exactamente a grande diferença entre nós. Eu penso que o sector privado deve ser complementar, não concorrencial, do sector público.
Em 2006 não era ministra e apoiou Manuel Alegre nas presidenciais. E agora?
Apoiarei como apoiei. Pelo facto de estar no Governo não deixei de confiar em Manuel Alegre, que ainda para mais é o candidato apoiado pelo PS.
Um dos rumores de remodelação dizia que ia sair do Governo para apoiar a candidatura de António Nobre.
(risos) Essa nunca tinha ouvido! Fernando Nobre é um colega médico, já o recebo aui ni ministério como presidente da AMI, mas não me revejo nas suas opções.
Acredita que este Governo cumprirá o mandato até ao fim?
Não temos maioria parlamentar, o que tem as suas vicissitudes. Mas confio que as vamos conseguir ultrapassar.
Se fosse embora amanhã, saía com o sentimento de missão cumprida ou o de “fiz o que pude”?
Em cada dia faz-se o que é possível fazer. Mas tenho uma mágoa. Acredito profundamente que o SNS depende dos seus profissionais. As profissões nobres da saúde deviam ser reconhecidas também do ponto de vista remuneratório e não há condições financeiras para o fazer. Isso deixa-me algum amargo de boca.
Cristina Figueiredo e Vera Lúcia Arreigoso, Semanário Expresso, 27.11.10
Expresso: O ministro das finanças diz que há um buraco, não orçamentado, de 500 milhões de euros na Saúde, culpando este ministério pela má execução orçamental de 2010.
Ana Jorge: Nunca se prestaram cuidados a tanta gente como agora. Há um aumento da produção dos hospitais e centros de saúde e, do ponto de vista da execução orçamental do SNS, temos tido uma redução de ano para ano. Em 2009 tínhamos um défice de 395 milhões e esperamos fechar 2010 com 199 milhões.
Mas a dívida dos hospitais-empresa (EPE) será superior à de 2009?
Será com certeza, mas é uma dívida controlada e inferior aos valores de que se fala. Temos hospitais que poderiam ter algumas facturas pagas mas que, pela prátia e pela autonomia de gestão, decidem pagar só no fim do ano. Em 2011 vamos fazer um acompanhamento mais rígido e mais próximo.
Porque só agora?
Porque nos primeiros anos estivemos muito envolvidos na produção e em aumentar a eficiência dos serviços. Face à crise exigem-se medidas adicionais.
Não confia nas administrações?
Gostaria de não dizer isso porque, se foram nomeadas por nós, são pessoas em quem temos confiança. Têm feito trabalho positivo nalgumas áreas. Noutras teremos de acompanhar de perto para garantir que concretizam as medidas definidas, porque a liberdade de acção nem sempre é bem usada.
Como é que conseguirá o acompanhamento mais rígido e mais próximo ?
Está a ser pensado um controlo mensal e rigoroso da execução das metas. E sempre que se encontrarem desvios, haverá discussão das medidas correctivas.
E a responsabilização dos gestores?
Podemos sempre substituí-los. Se não cumprirem a carta de missão e o compromisso que assinaram na posse, terão de ser substituídos. A substituição por não cumprirem as metas não tem sido muito frequente e é prática que tem de ser retomada, acompanhada pela avaliação dos conselhos de administração.
O respeito, pelas administrações hospitalares, das orientações é essencial para cumprir o orçamento de 2011
No próximo ano tenho dois objectivos: cumprir a execução orçamental e não diminuir a actividade nem a prestação de cuidados. Farei tudo para que isso não aconteça. Não podemos reduzir o acesso à Saúde, mas podemos gerir a saúde das pessoas de uma forma diferente.
Como é que não se reduz o acesso quando, por exemplo, há tectos de crescimento para os medicamentos?
Temos de introduzir mecanismos racionais de escolha e de compra dos produtos. O que temos vindo a fazer são compras mais centralizadas, capacidade de negociação e redução dos custos - porque não há razão para Portugal ter, do ponto de vista de alguns medicamentos hospitalares, uma média acima da Europa.
O médico não poderá prescrever o medicamento que quiser?
Não. Só poderá sair do protocolo com uma justificação clínica, validada pelo superior hierárquico clínico, ou o medicamento não é comparticipado.
Estes protocolos também vão ser aplicados aos exames.
Os exames não podem ser a pedido, são um complemento para confirmar, ou não, um diagnóstico. Em Portugal criámos o hábito dos exames a pedido, mas é o médico que tem de decidir, de acordo com as boas práticas, se o doente prcisa, ou não, de fazer exames.
E esses manuais estão prontos?
Estão a ser construídos e espero ter os primeiros no princípio do ano.
Há um ano, num comício em Coimbra, disse: “Um voto no PS nos próximos quatro anos e todas as pessoas terão médico de família”. Hoje não faria esta afirmação com a mesma assertividade.
Teria receio de a fazer com a mesma força, embora seja um objectivo a cumprir. De há um ano para cá houve alguns mecanismos que nos vieram atrapalhar, como as reformas antecipadas.
Disse que seria bom se regressassem 200 dos 600 médicos que já saíram, mas ainda só 80 o fizeram.
Ficámos aquém, mas ainda acredito que alguns voltem a trabalhar por mais algum tempo porque é cedo para fechar o processo. O médio tem sempre onde trabalhar.
Os sindicatos dizem que o SNS está desagregado e que é ainda mais grave dado a ministra ser médica e do SNS
É verdade, no entanto ainda há negociações em curso. Conseguimos fechar o acordo das carreiras e falta-nos uma peça fundamental que é a grelha salarial, mas que neste momento de crise financeira não há condições.
Quer dizer: não há dinheiro.
Sim. O que vamos fazer, quase hospital a hospital, é um cálculo da gestão das horas extraordinárias, saber qual é a repercussão financeira detalhada e organizar o trabalho para que esse valor possa reverter para a “casa”.
Essas auditorias já estão a ser feita?
Estamos a começar.
A adenda do OE, que prevê descidas administrativas dos preços dos medicamentos, é um aviso à navegação para a indústria farmacêutica?
É evidente que sim. Os delegados de informação médica têm uma influência muito forte nos médicos e a prescrição tem muito a ver com isso. Esta crise pode ser uma grande oportunidade para introduzirmos racionalidade dentro do sistema, não só para a indústria como para os profissionais. As administrações têm de ter uma espécie de polícia: quando eu era directora de serviço andava muitas vezes a apagar luzes, a desligar computadores ou a controlar as fotocópias.
Dizer que sou remodelável faz parte da campanha contra o SNS
É a última entrevista como ministra?
É?
O seu nome aparece sempre na lista dos remodeláveis.
Só nos últimos tempos. Faz parte, a meu ver, de uma campanha contra o Serviço Nacional de Saúde (SNS).
São boas as suas relações com o ministro Teixeira dos Santos?
São. Há um rumor muito grande, que é explorado pela comunicação social, e por algumas pessoas que têm interesse em passar essas mensagens. No fundo, o objectivo do Governo e de todos os ministros é comum: a execução orçamental e o controlo da despesa.
Em Janeiro de 2008 dizia que tinha aceitado ser ministra como “uma missão para defender o SNS”. Mas às vezes toma medidas que parecem contrárias a isso.
Admito que algumas medidas possam parecer contrárias, mas têm a ver com a sustentabilidade do SNS no futuro. O objectivo mantém-se, portanto.
Ao fim e ao cabo está a dizer o mesmo que o líder do PSD quando ele afirma que “não temos dinheiro para pagar este sistema, há que racionalizá-lo”.
Não, é diferente. Bem diferente. Eu defendo um SNS público, tendencialmente gratuito, aberto a todos e de qualidade para todos. Se introduzimos medidas de racionalidade é para este objectivo. O PSD defende o pagamento diferenciado em função das possibilidades das pessoas e no ato da doença. Eu entendo que as pessoas não devem pagar a saúde no momento em que estão doentes. Todos contribuímos para o SNS através dos nossos impostos, e pagamo-los em função dos nossos rendimentos, assim é que é justo, mas o acesso é igual para todos.
Há um ano dizia: “Se o PSD chegar ao Governo é garantidamente o fim da saúde para todos”. Mantém?
Até há bem pouco tempo o que o líder do PSD defendia era o fim do SNS de qualidade para todos. Dar o básico da saúde não quer dizer que sede de qualidade. E para termos um SNS de qualidade temos de ter serviços fortes, abertos a todos e com um leque de grande diferenciação. Se eu limito, dizendo que quem tem posses pode ser tratado noutro local que não nas instituições públicas, estou a descapitalizar estas e a favorecer o outro.
Passos Coelho quer “mecanismos mais eficientes de gestão”. Que se abandone o preconceito entre privado e público, que o Estado contrate, não interessa a quem, desde que o serviço seja de qualidade e mais barato.
Essa é exactamente a grande diferença entre nós. Eu penso que o sector privado deve ser complementar, não concorrencial, do sector público.
Em 2006 não era ministra e apoiou Manuel Alegre nas presidenciais. E agora?
Apoiarei como apoiei. Pelo facto de estar no Governo não deixei de confiar em Manuel Alegre, que ainda para mais é o candidato apoiado pelo PS.
Um dos rumores de remodelação dizia que ia sair do Governo para apoiar a candidatura de António Nobre.
(risos) Essa nunca tinha ouvido! Fernando Nobre é um colega médico, já o recebo aui ni ministério como presidente da AMI, mas não me revejo nas suas opções.
Acredita que este Governo cumprirá o mandato até ao fim?
Não temos maioria parlamentar, o que tem as suas vicissitudes. Mas confio que as vamos conseguir ultrapassar.
Se fosse embora amanhã, saía com o sentimento de missão cumprida ou o de “fiz o que pude”?
Em cada dia faz-se o que é possível fazer. Mas tenho uma mágoa. Acredito profundamente que o SNS depende dos seus profissionais. As profissões nobres da saúde deviam ser reconhecidas também do ponto de vista remuneratório e não há condições financeiras para o fazer. Isso deixa-me algum amargo de boca.
Cristina Figueiredo e Vera Lúcia Arreigoso, Semanário Expresso, 27.11.10
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