domingo, maio 10, 2009

Alerta contra a gripe A

é mais político do que médico

Especialistas reconhecem que o agente da gripe A (HIN1) não é muito perigoso. OMS concorda, mas acredita que o pânico pode ser positivo “Causam pânico e medo colectivo”
O alerta pode ser exagerado mas serve como medida preventiva para evitar males maiores. Peritos portugueses, a própria ministra Ana Jorge e até a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhecem que, afinal, o vírus da gripe A (H1N1) não é tão letal como se acreditava. Ainda assim, a OMS adianta que não deverá reduzir o alerta — a um passo do máximo — porque “embora possa causar medo injustificado, assegura que estamos preparados para o pior”, disse ao Expresso o porta-voz Steven Lauwers.
A mudança de atitude tem sido sustentada por dados epidemiológicos, como o número de mortes pouco elevado e a dispensa de internamento ou antivíricos no tratamento de muitos dos doentes. O único caso português confirmado é disso exemplo. A jovem de 30 anos teve os primeiros sintomas da infecção após regressar do México e recuperou em casa sem sequer tomar Tamiflu ou Relenza. “Olhando para o panorama mexicano ficámos assustados, mas percebemos que os óbitos relacionados com o vírus são menores e que a maioria dos casos tem sido tratada em ambulatório. Entendemos que a letalidade (número de mortos pelo total de casos) é menor e a doença mais benigna do que se pensava”, explica a epidemiologista do Instituto Ricardo Jorge, Cristina Furtado.
Pneumologista no Hospital Pulido Valente e coordenador da Comissão de Infecciologia da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, Filipe Froes, é peremptório: “A situação está calma e este alerta da OMS tem muito mais implicações políticas do que sanitárias”. O especialista faz parte do grupo de acompanhamento constituído pela ministra da Saúde, que esta semana fez eco das convicções dos cientistas. Numa das sessões de informação aos jornalistas, Ana Jorge explicou que, “apesar da grande disseminação, tudo indica que o vírus mantenha a baixa gravidade”. E a mensagem está a surtir efeito. Uma sondagem Expresso/SIC/RR da Eurosondagem (ficha técnica na página 5), revela que 70,6% dos inquiridos não alteraram os seus comportamentos e que 50% confiam na capacidade de resposta portuguesa, mesmo com Os sociólogos Boaventura Sousa Santos e Felismina Mendes advertem que os constantes alertas da Organização Mundial de Saúde sobre a Gripe A estão a instigar uma onda de medo, pânico e ansiedade. “As autoridades deviam procurar as causas e não alarmarem mais a população”, defende Boaventura Sousa Santos. Felismina Mendes discorda das “medidas extremistas usadas em nome da saúde”, como a quarentena, que vão contra a Constituição e põem em causa os direitos mais básicos dos cidadãos. “Nem consigo imaginar o que as autoridades irão fazer quando surgir uma epidemia mais grave”. O psicólogo Miguel Tecedeiro mostra-se preocupado com o impacto destes alertas sobre as crianças e acrescenta que uma sucessão de notícias deste tipo vai “descredibilizar e banalizar” as próximas pandemias. “Será como a parábola do Pedro e do Lobo. Às tantas, as pessoas deixarão de ligar, o que poderá ser muito perigoso”. H.F. Há 44 vítimas mortais no México (segundo o governo) e duas nos EUA O número total de infecções atestadas pelos responsáveis locais de Saúde é de 2400. O México lidera a lista com 1160 casos, seguido pelos Estados Unidos (896) e pelo Canadá (214) Alemanha, Argentina, Áustria, Brasil, Canadá, China/Hong Kong, Colômbia, Coreia, Costa Rica, Dinamarca, El Salvador, Espanha, EUA, França, Guatemala, Holanda, Irlanda, Israel, Itália, México, Nova Zelândia, Polónia, Portugal, Reino Unido, Suécia, Suíça 69,5% de pessoas a reconhecerem estar preocupadas com a epidemia. Ao Expresso, a OMS reconheceu que o actual nível de alerta 5, que nunca fora declarado até 29 de Abril, se baseia na expansão geográfica da infecção, mas admite que o público o possa associar, erradamente, à gravidade da doença. “Temo-nos esforçado por clarificar isto nos media. É preocupante que as pessoas interpretem mal a escala, mas é bom que ela exista, pois tem força legal e os países são obrigados a tomar medidas adequadas a cada fase”.
A isto junta-se a prudência. “Estes vírus são imprevisíveis”, salienta o infecciologista do Hospital Curry Cabral e também consultor da ministra, Fernando Maltez. Mas o coordenador da ONU para a gripe aviária e humana, David Nabarro, vai mais longe: “O vírus pode mudar facilmente e tornar-se muito mais feroz”. Os cálculos da OMS estimam que possam ser infectadas dois mil milhões de pessoas — um terço da população mundial — caso o vírus se torne resistente a medicamentos e vacinas, que podem surgir em breve. Investigadores do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA admitiram ontem que a vacina estará pronta para ensaios clínicos dentro de duas a três semanas. Se tudo correr bem, estará a ser produzida daqui a alguns meses. “A evolução do vírus nos próximos tempos é fundamental. Neste momento, o genoma está estável e a vacina poderá ter mais hipóteses de ser eficaz”, explica Raquel Guimar, virologista do Ricardo Jorge. A par, 50 laboratórios continuam à procura de respostas sobre o novo vírus, por exemplo, se o aumento da temperatura e a redução da humidade — que não existiu no México — são um escudo protector.
Por cá, muitos turistas têm sido aconselhados a permanecer em casa durante sete dias. As farmacêuticas dos antivirais e a Associação Nacional das Farmácias dizem que houve um aumento da procura de medicamentos e máscaras, mas sem rupturas. Aliás, que não deverá acontecer face às orientações contra a automedicação e o uso de máscaras sem que o modelo adequado seja definido pelas autoridades de Saúde.
Vera Lúcia Arreigoso e Pedro Cordeiro, semanário expresso 09.05.09