Sistema vai responder em 2009
ACSS evita comprometer-se com 2010
Manuel Teixeira garante que há um «dique de eficiência» no SNS. Isto para dizer que as necessidades dos utentes, apesar da conjuntura conturbada, estão asseguradas em 2009. Em contrapartida, ainda «há que ver» como será para ano, confessou.
Em ano de crise, o financiamento da Saúde deverá aguentar o embate. Até um economista como Silva Lopes, normalmente acusado de ser demasiado pessimista, perspectiva os tempos mais próximos sem receios. A margem permitida por Bruxelas para agravar o défice dá uma ajuda. O problema será depois. Aqui o discurso, na esteira de fiscalistas como Medina Carreira, volta a carregar-se de nuvens negras. Nem o presidente da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) se compromete de «peito aberto» relativamente a 2010.
«Nos últimos anos foi criado um dique de eficiência no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Permite-nos pensar que o sistema, em 2009, vai responder bem às necessidades dos utentes», anteviu primeiro Manuel Teixeira, no passado dia 26, em Lisboa, durante as segundas Tertúlias do Alto. O responsável reforçou mesmo que «não é expectável haver um corte» ou «menosprezo» das referidas necessidades.
Na qualidade de comentador da iniciativa, acabaria por deixar-se contagiar pelo tom dos convidados principais: «Obviamente que, em 2010, há que ver» como será. E mais não disse sobre o assunto, deixando as pontas soltas. Designadamente quanto a um eventual corte. Contudo, teve de repetir a frase a pedido de Helena Garrido, moderadora da discussão acerca do «Financiamento e sustentabilidade em Saúde». Quem ficou com dúvidas da primeira vez, ficou esclarecido quanto à falta de previsão mais substantiva ou de garantia igual à de 2009.
Focando a sua atenção no passado recente, o presidente da ACSS detectou no SNS «uma estabilização da despesa em relação ao PIB (produto interno bruto) nos últimos quatro anos». Isto comparando com o «disparar» dos números entre 1990 e 2004, altura em que a despesa pública passou de 4,2% para 6,2% do PIB. Segundo a informação prestada, a situação está agora estabilizada. «Há aqui um dique de eficiência», repisou Manuel Teixeira, atribuindo-lhe um efeito positivo «nos momentos em que a crise é uma espécie de soltar de águas».
Além do «bom» comportamento da despesa no SNS, o presidente do organismo que administra os respectivos recursos, humanos e financeiros, destacou o financiamento levado a cabo: «A transferência do Orçamento do Estado para o SNS tem-se mantido constante desde 2006 -- cerca de 4,7% do PIB. Em 2009 cresce, porque o PIB tem um crescimento inferior.»
Reticências e perplexidade
Medina Carreira foi lesto a colocar «algumas reticências» na «estabilização» propalada pelo responsável da ACSS e Silva Lopes também se confessou «um bocado perplexo» com os números deixados por Manuel Teixeira.
«Quando o pagode se cala deve estar a gastar mais dinheiro», atirou o fiscalista, provocando o riso na sala. Uma constante, aliás. É que se o cenário pintado era bem negro, o discurso ia saindo colorido -- «Comprou-se aquela malta?», perguntou, por exemplo, Medina Carreira, aludindo aos presidentes de câmara e suscitando nova gargalhada geral.
«O problema a discutir em Portugal não é a Saúde. É a economia. Com esta economia, mudem o que mudarem, a Saúde não tem dinheiro», defendeu, considerando por isso «relativamente irrelevante» o tema em debate nas Tertúlias do Alto, iniciativa promovida pelas empresas Círculo Médico e Ideias ao Quadrado, e pelo «TM».
Para sustentar a sua tese, o antigo ministro das Finanças municiou-se de um gráfico de barras e verificou: «Estamos hoje em termos de progresso económico como nos últimos 10 anos da Monarquia e como nos primeiros 10 anos da República». Silva Lopes, outro antigo titular da pasta das Finanças, calcularia, por seu turno, que a contracção da riqueza, em 2009, deverá andar na casa dos 3%.
Para Medina Carreira, não faz sentido falar no curto prazo. A «desgraça» e a «tragédia» são apontadas para daqui a 10 anos, quando a economia não suportar o sistema social. Em metade desse tempo, em 2014, prevê que as despesas sociais absorvam a totalidade dos impostos e contribuições. Daí que, na sua óptica, a Saúde seja uma questão conexa com as pensões, a educação e os subsídios como o de desemprego.
«Não prevejo grandes catástrofes na Saúde», assumiu, por outro lado, Silva Lopes, cingindo-se a 2009. «Para o ano já é diferente», acautelou. Na sua opinião, em 2010 os salários no sector devem ficar congelados. Em nome do financiamento e da sustentabilidade do sistema, preconizou uma série de mais medidas «impopulares» -- segundo os cálculos que apresentou, a despesa da Saúde chegará, em 2015, a 14% do PIB.
Aumentar substancialmente as taxas moderadoras para os utentes com mais rendimentos; limitar as deduções fiscais relativas às despesas da Saúde -- «sem limites não faz sentido nenhum»; puxar ainda mais pelo lado da produtividade; e impedir que os médicos exerçam simultaneamente no SNS e no privado -- «poupávamos muito dinheiro» -- foram as propostas avançadas.
Seguindo as contas do antigo governador do Banco de Portugal, o défice orçamental em 2009 poderá chegar aos 6%. Se for 8% também não faz mal. «Em períodos de crise, na minha convicção, é preciso ter défices maiores para combater o desemprego e animar a economia», explicou.
Uma ideia que entrou em choque frontal com a posição do economista Pita Barros, que alertou para o «perigo» de usar a despesa e depois ser difícil voltar para trás. Mesmo em tempo de crise, o professor da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa mostrou-se apologista da aplicação do dinheiro disponível da «melhor maneira» possível.
Reconhecendo estar do lado dos pessimistas, no que diz respeito ao crescimento económico, o autor do livro Economia da Saúde lembrou: «Mesmo no tempo das vacas gordas dos outros, não conseguimos fazer crescer a nossa economia.»
Mendes Ribeiro, outro dos convidados, admitiu igualmente ter sido «contagiado» pelo pessimismo reinante na tertúlia. «A situação já era preocupante antes. A crise, eventualmente, só agrava. Aliás, fico com a sensação de que ela pode ajudar a disfarçar a urgência do problema», desconfia o antigo encarregado da Unidade de Missão Hospitais SA. A sustentabilidade tem pela frente, identificou, uma «enorme dimensão de custos rígidos».
Operação de 20 euros
Silva Lopes é uma das poucas vozes, na praça pública, a bater-se pela existência das taxas moderadoras no acesso à prestação de cuidados de saúde no âmbito do SNS. Sugere inclusivamente o respectivo aumento. A crise, de acordo com os seus argumentos, dá ainda mais sustentação e esta ideia.
«Num aperto destes precisamos de graduar as taxas em função da capacidade contributiva das pessoas», advoga. Ou seja, quem tem salários mais altos deveria pagar taxas mais elevadas. Mas o antigo ministro das Finanças ficou a falar sozinho nas Tertúlias do Alto. Ninguém o acompanhou na teoria, mas houve quem manifestasse «forte discordância». Designadamente Pita Barros. O economista contestou particularmente o facto de a proposta «forçar» o doente a pagar nessa condição. Se a arquitectura do sistema tivesse por base a diferenciação das taxas em função do rendimento, então, retorquiu o professor da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, a formulação deveria ser a seguinte: «Contribuam quando não estão doentes.» O que significa pagar mais, ou menos, através do sistema de impostos.
O defensor do aumento diferenciado das taxas moderadoras até concede que a solução de Pita Barros possa ser «mais razoável». Com uma condição: «Se entendermos que a distribuição pelo lado dos impostos é suficiente, tornando a distribuição pelo lado da despesa desnecessária.»
De qualquer forma, aponta a medida da sua preferência como tendo «mais eficácia em muitos casos». Como não há dinheiro para tudo, acabou por chegar à conclusão de que trabalharia «com as duas» soluções.
Procurando fontes de financiamento para o SNS, Silva Lopes chegou ao aumento das taxas ao relatar uma das suas experiências na pele de utente. «Há pouco tempo, fiz uma operação que no sector privado me custaria à volta de 12 mil euros. Sabem quanto paguei? Vinte euros. Isto não pode ser. É absurdo. A um tipo com o meu nível de rendimento deviam ter pedido, no mínimo, seis mil euros. Já era metade do privado», comparou.
«Uma enorme ADSE»
A comparação de custos entre o SNS e a ADSE -- como se sabe, o subsistema de saúde dos funcionários públicos -- foi um assunto trazido à baila por Mendes Ribeiro. A segunda, constatou o actual vogal do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, leva a melhor sobre o primeiro. De acordo com os dados que lançou para a discussão, está em causa uma capitação de 648 euros contra 927 euros, respectivamente. «Uma diferença muito grande», conforme realçou.
Nomeando a ADSE como o modelo «mais próximo do mercado», Mendes Ribeiro notou que os dois sistemas têm «convivido» ao longo dos últimos 30 anos. «A oportunidade do financiamento e da redução da despesa pública há-de, com certeza, passar por aqui», perspectivou.
Adalberto Campos Fernandes, presidente do Centro Hospitalar Lisboa Norte, foi o primeiro a questionar Mendes Ribeiro. E quis mesmo saber em que estudos se baseava para tirar tais conclusões. Nomeadamente se era informação científica ou, pelo contrário, retirada «de jornais». Tinha em mente aferir se, por exemplo, as populações abrangidas eram iguais e se a natureza dos consumos era a mesma.
O responsável, no consulado de Durão Barroso, pela Unidade de Missão Hospitais SA verificou então que a ADSE publica resultados e relatórios. Reconheceu foi a inexistência de um levantamento exaustivo que permitisse saber se as características da respectiva população coincidem, ou não, com as dos utentes abrangidos pelo SNS. «Sou um defensor do SNS. Não sou é um defensor do desperdício», distinguiu, pedindo para que se olhe para a experiência da ADSE.
Socorrendo-se do Inquérito Nacional de Saúde, apesar de não ser a melhor informação, Pita Barros fez saber, por seu lado, que o subsistema não consumirá mais recursos. Notou, no entanto, haver um maior número de consultas de especialidade. O que, para o mesmo estado de saúde, depois de controlado o aspecto sociocultural dos utentes -- são «diferentes» de quem procura os cuidados no SNS -- acaba por «onerar» mais a despesa.
Confrontado com o facto de a capitação da ADSE ser menor, o economista explicou que o subsistema tem menos idosos, crianças e desempregados.
Na qualidade de comentador da tertúlia, António Barreto, confessando-se beneficiário «relativamente satisfeito» da ADSE, disse gostar da ideia de Mendes Ribeiro. Este, todavia, teria de demonstrar-lhe a vantagem de «transformar o SNS numa enorme ADSE».
Com os convidados principais a dizerem que a crise não afectará o financiamento da Saúde, o sociólogo contrapôs que nestas alturas nunca vê efeitos positivos. Falou nas dificuldades de vários sectores para se preocupar com o futuro: «Não sei se temos economia para fazer o que quer que seja.»
Ana Escoval, também como comentadora, abordou igualmente a crise. No sentido de que trará problemas de saúde mental e má nutrição. «São questões que têm de ser ponderadas no SNS. Temos de estar bastante mais atentos», avisou a professora da Escola Nacional de Saúde Pública.
Sérgio Gouveia, Tempo de Medicina, 06.04.09
Manuel Teixeira garante que há um «dique de eficiência» no SNS. Isto para dizer que as necessidades dos utentes, apesar da conjuntura conturbada, estão asseguradas em 2009. Em contrapartida, ainda «há que ver» como será para ano, confessou.
Em ano de crise, o financiamento da Saúde deverá aguentar o embate. Até um economista como Silva Lopes, normalmente acusado de ser demasiado pessimista, perspectiva os tempos mais próximos sem receios. A margem permitida por Bruxelas para agravar o défice dá uma ajuda. O problema será depois. Aqui o discurso, na esteira de fiscalistas como Medina Carreira, volta a carregar-se de nuvens negras. Nem o presidente da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) se compromete de «peito aberto» relativamente a 2010.
«Nos últimos anos foi criado um dique de eficiência no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Permite-nos pensar que o sistema, em 2009, vai responder bem às necessidades dos utentes», anteviu primeiro Manuel Teixeira, no passado dia 26, em Lisboa, durante as segundas Tertúlias do Alto. O responsável reforçou mesmo que «não é expectável haver um corte» ou «menosprezo» das referidas necessidades.
Na qualidade de comentador da iniciativa, acabaria por deixar-se contagiar pelo tom dos convidados principais: «Obviamente que, em 2010, há que ver» como será. E mais não disse sobre o assunto, deixando as pontas soltas. Designadamente quanto a um eventual corte. Contudo, teve de repetir a frase a pedido de Helena Garrido, moderadora da discussão acerca do «Financiamento e sustentabilidade em Saúde». Quem ficou com dúvidas da primeira vez, ficou esclarecido quanto à falta de previsão mais substantiva ou de garantia igual à de 2009.
Focando a sua atenção no passado recente, o presidente da ACSS detectou no SNS «uma estabilização da despesa em relação ao PIB (produto interno bruto) nos últimos quatro anos». Isto comparando com o «disparar» dos números entre 1990 e 2004, altura em que a despesa pública passou de 4,2% para 6,2% do PIB. Segundo a informação prestada, a situação está agora estabilizada. «Há aqui um dique de eficiência», repisou Manuel Teixeira, atribuindo-lhe um efeito positivo «nos momentos em que a crise é uma espécie de soltar de águas».
Além do «bom» comportamento da despesa no SNS, o presidente do organismo que administra os respectivos recursos, humanos e financeiros, destacou o financiamento levado a cabo: «A transferência do Orçamento do Estado para o SNS tem-se mantido constante desde 2006 -- cerca de 4,7% do PIB. Em 2009 cresce, porque o PIB tem um crescimento inferior.»
Reticências e perplexidade
Medina Carreira foi lesto a colocar «algumas reticências» na «estabilização» propalada pelo responsável da ACSS e Silva Lopes também se confessou «um bocado perplexo» com os números deixados por Manuel Teixeira.
«Quando o pagode se cala deve estar a gastar mais dinheiro», atirou o fiscalista, provocando o riso na sala. Uma constante, aliás. É que se o cenário pintado era bem negro, o discurso ia saindo colorido -- «Comprou-se aquela malta?», perguntou, por exemplo, Medina Carreira, aludindo aos presidentes de câmara e suscitando nova gargalhada geral.
«O problema a discutir em Portugal não é a Saúde. É a economia. Com esta economia, mudem o que mudarem, a Saúde não tem dinheiro», defendeu, considerando por isso «relativamente irrelevante» o tema em debate nas Tertúlias do Alto, iniciativa promovida pelas empresas Círculo Médico e Ideias ao Quadrado, e pelo «TM».
Para sustentar a sua tese, o antigo ministro das Finanças municiou-se de um gráfico de barras e verificou: «Estamos hoje em termos de progresso económico como nos últimos 10 anos da Monarquia e como nos primeiros 10 anos da República». Silva Lopes, outro antigo titular da pasta das Finanças, calcularia, por seu turno, que a contracção da riqueza, em 2009, deverá andar na casa dos 3%.
Para Medina Carreira, não faz sentido falar no curto prazo. A «desgraça» e a «tragédia» são apontadas para daqui a 10 anos, quando a economia não suportar o sistema social. Em metade desse tempo, em 2014, prevê que as despesas sociais absorvam a totalidade dos impostos e contribuições. Daí que, na sua óptica, a Saúde seja uma questão conexa com as pensões, a educação e os subsídios como o de desemprego.
«Não prevejo grandes catástrofes na Saúde», assumiu, por outro lado, Silva Lopes, cingindo-se a 2009. «Para o ano já é diferente», acautelou. Na sua opinião, em 2010 os salários no sector devem ficar congelados. Em nome do financiamento e da sustentabilidade do sistema, preconizou uma série de mais medidas «impopulares» -- segundo os cálculos que apresentou, a despesa da Saúde chegará, em 2015, a 14% do PIB.
Aumentar substancialmente as taxas moderadoras para os utentes com mais rendimentos; limitar as deduções fiscais relativas às despesas da Saúde -- «sem limites não faz sentido nenhum»; puxar ainda mais pelo lado da produtividade; e impedir que os médicos exerçam simultaneamente no SNS e no privado -- «poupávamos muito dinheiro» -- foram as propostas avançadas.
Seguindo as contas do antigo governador do Banco de Portugal, o défice orçamental em 2009 poderá chegar aos 6%. Se for 8% também não faz mal. «Em períodos de crise, na minha convicção, é preciso ter défices maiores para combater o desemprego e animar a economia», explicou.
Uma ideia que entrou em choque frontal com a posição do economista Pita Barros, que alertou para o «perigo» de usar a despesa e depois ser difícil voltar para trás. Mesmo em tempo de crise, o professor da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa mostrou-se apologista da aplicação do dinheiro disponível da «melhor maneira» possível.
Reconhecendo estar do lado dos pessimistas, no que diz respeito ao crescimento económico, o autor do livro Economia da Saúde lembrou: «Mesmo no tempo das vacas gordas dos outros, não conseguimos fazer crescer a nossa economia.»
Mendes Ribeiro, outro dos convidados, admitiu igualmente ter sido «contagiado» pelo pessimismo reinante na tertúlia. «A situação já era preocupante antes. A crise, eventualmente, só agrava. Aliás, fico com a sensação de que ela pode ajudar a disfarçar a urgência do problema», desconfia o antigo encarregado da Unidade de Missão Hospitais SA. A sustentabilidade tem pela frente, identificou, uma «enorme dimensão de custos rígidos».
Operação de 20 euros
Silva Lopes é uma das poucas vozes, na praça pública, a bater-se pela existência das taxas moderadoras no acesso à prestação de cuidados de saúde no âmbito do SNS. Sugere inclusivamente o respectivo aumento. A crise, de acordo com os seus argumentos, dá ainda mais sustentação e esta ideia.
«Num aperto destes precisamos de graduar as taxas em função da capacidade contributiva das pessoas», advoga. Ou seja, quem tem salários mais altos deveria pagar taxas mais elevadas. Mas o antigo ministro das Finanças ficou a falar sozinho nas Tertúlias do Alto. Ninguém o acompanhou na teoria, mas houve quem manifestasse «forte discordância». Designadamente Pita Barros. O economista contestou particularmente o facto de a proposta «forçar» o doente a pagar nessa condição. Se a arquitectura do sistema tivesse por base a diferenciação das taxas em função do rendimento, então, retorquiu o professor da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, a formulação deveria ser a seguinte: «Contribuam quando não estão doentes.» O que significa pagar mais, ou menos, através do sistema de impostos.
O defensor do aumento diferenciado das taxas moderadoras até concede que a solução de Pita Barros possa ser «mais razoável». Com uma condição: «Se entendermos que a distribuição pelo lado dos impostos é suficiente, tornando a distribuição pelo lado da despesa desnecessária.»
De qualquer forma, aponta a medida da sua preferência como tendo «mais eficácia em muitos casos». Como não há dinheiro para tudo, acabou por chegar à conclusão de que trabalharia «com as duas» soluções.
Procurando fontes de financiamento para o SNS, Silva Lopes chegou ao aumento das taxas ao relatar uma das suas experiências na pele de utente. «Há pouco tempo, fiz uma operação que no sector privado me custaria à volta de 12 mil euros. Sabem quanto paguei? Vinte euros. Isto não pode ser. É absurdo. A um tipo com o meu nível de rendimento deviam ter pedido, no mínimo, seis mil euros. Já era metade do privado», comparou.
«Uma enorme ADSE»
A comparação de custos entre o SNS e a ADSE -- como se sabe, o subsistema de saúde dos funcionários públicos -- foi um assunto trazido à baila por Mendes Ribeiro. A segunda, constatou o actual vogal do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, leva a melhor sobre o primeiro. De acordo com os dados que lançou para a discussão, está em causa uma capitação de 648 euros contra 927 euros, respectivamente. «Uma diferença muito grande», conforme realçou.
Nomeando a ADSE como o modelo «mais próximo do mercado», Mendes Ribeiro notou que os dois sistemas têm «convivido» ao longo dos últimos 30 anos. «A oportunidade do financiamento e da redução da despesa pública há-de, com certeza, passar por aqui», perspectivou.
Adalberto Campos Fernandes, presidente do Centro Hospitalar Lisboa Norte, foi o primeiro a questionar Mendes Ribeiro. E quis mesmo saber em que estudos se baseava para tirar tais conclusões. Nomeadamente se era informação científica ou, pelo contrário, retirada «de jornais». Tinha em mente aferir se, por exemplo, as populações abrangidas eram iguais e se a natureza dos consumos era a mesma.
O responsável, no consulado de Durão Barroso, pela Unidade de Missão Hospitais SA verificou então que a ADSE publica resultados e relatórios. Reconheceu foi a inexistência de um levantamento exaustivo que permitisse saber se as características da respectiva população coincidem, ou não, com as dos utentes abrangidos pelo SNS. «Sou um defensor do SNS. Não sou é um defensor do desperdício», distinguiu, pedindo para que se olhe para a experiência da ADSE.
Socorrendo-se do Inquérito Nacional de Saúde, apesar de não ser a melhor informação, Pita Barros fez saber, por seu lado, que o subsistema não consumirá mais recursos. Notou, no entanto, haver um maior número de consultas de especialidade. O que, para o mesmo estado de saúde, depois de controlado o aspecto sociocultural dos utentes -- são «diferentes» de quem procura os cuidados no SNS -- acaba por «onerar» mais a despesa.
Confrontado com o facto de a capitação da ADSE ser menor, o economista explicou que o subsistema tem menos idosos, crianças e desempregados.
Na qualidade de comentador da tertúlia, António Barreto, confessando-se beneficiário «relativamente satisfeito» da ADSE, disse gostar da ideia de Mendes Ribeiro. Este, todavia, teria de demonstrar-lhe a vantagem de «transformar o SNS numa enorme ADSE».
Com os convidados principais a dizerem que a crise não afectará o financiamento da Saúde, o sociólogo contrapôs que nestas alturas nunca vê efeitos positivos. Falou nas dificuldades de vários sectores para se preocupar com o futuro: «Não sei se temos economia para fazer o que quer que seja.»
Ana Escoval, também como comentadora, abordou igualmente a crise. No sentido de que trará problemas de saúde mental e má nutrição. «São questões que têm de ser ponderadas no SNS. Temos de estar bastante mais atentos», avisou a professora da Escola Nacional de Saúde Pública.
Sérgio Gouveia, Tempo de Medicina, 06.04.09
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