O novo mundo que aí vem
O mundo de abundância e prosperidade em que vivemos desde a II Guerra Mundial está a ruir fragorosamente. Há, contudo, quem pense que, passada a tempestade, tudo voltará ao mesmo. Pois a má notícia é que não voltará. A boa é que, mesmo sendo um mundo mais pobre aquele que aí vem, pode ser um mundo melhor. Explico-me.
O que se está a passar é o empobrecimento das sociedades ocidentais. Os nossos padrões de consumo serão inferiores àqueles que temos praticado até agora. Haverá menos emprego nos sectores da agricultura, indústria e serviços. E será insustentável que se mantenham e agravem as fortíssimas desigualdades sociais que se criaram desde os anos 80.
É bom que ninguém se esqueça que o que começou por ser uma crise imobiliária, passou para uma crise financeira, tornou-se uma crise da economia real, está já a transformar-se numa enorme crise social e vai descambar inevitavelmente em crises políticas, cujos desfechos são completas incógnitas.
Por isso, não podemos cair nos vários erros que nos conduziram até aqui. Não podemos pedir às pessoas que se endividem para aumentar o consumo — foi precisamente o excesso de endividamento das pessoas, das famílias, das empresas, dos bancos, dos Estados que nos conduziu ao beco em que nos encontramos. Não podemos pedir aos bancos que emprestem dinheiro a tudo e a todos para manter as economias a funcionar — porque a probabilidade de grande parte desse dinheiro não ser recuperado é agora muito maior. Não podemos pedir às empresas que invistam para aumentar a produção — quando os mercados não conseguem absorver a produção existente. Não podemos pedir às autarquias que façam obras desnecessárias porque é preciso que o dinheiro chegue à economia — sob pena de agravarmos o seu desequilíbrio financeiro. Não podemos pedir aos Governos que deitem dinheiro para cima de todos os problemas — porque estamos a agravar os défices excessivos e os desequilíbrios comerciais fortíssimos e a passar uma factura pesadíssima para os nossos filhos.
O que precisamos é de algo que não se compra mas que tem um valor incalculável: bom senso. O bom senso que se espera dos que ganham mais é que reduzam os seus salários para evitar despedimentos. O bom senso que se espera dos gestores é que abdiquem de bónus que, na fase que atravessamos, são ofensivos. O bom senso que se espera dos banqueiros é que não apresentem lucros pornográficos nem tenham remunerações indecorosas. O bom senso que se espera dos trabalhadores é que não agravem o problema das empresas com reivindicações irrealistas.
É por tudo isto que é um bálsamo para a alma a decisão do Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, de taxar a 90% os bónus dos administradores de empresas que recorreram a empréstimos do Estado. Se os próprios administradores não tiveram o bom senso de recusar esses bónus (o que diz muito da estupidez da natureza humana), que haja, da parte do poder político, decisões que moralizem a sociedade. Esperemos que o exemplo se espalhe e frutifique. Porque a alternativa é um mundo a caminho de convulsões sociais cada vez mais violentas.
Nicolau Santos, semanário expresso, 21.03.09
O que se está a passar é o empobrecimento das sociedades ocidentais. Os nossos padrões de consumo serão inferiores àqueles que temos praticado até agora. Haverá menos emprego nos sectores da agricultura, indústria e serviços. E será insustentável que se mantenham e agravem as fortíssimas desigualdades sociais que se criaram desde os anos 80.
É bom que ninguém se esqueça que o que começou por ser uma crise imobiliária, passou para uma crise financeira, tornou-se uma crise da economia real, está já a transformar-se numa enorme crise social e vai descambar inevitavelmente em crises políticas, cujos desfechos são completas incógnitas.
Por isso, não podemos cair nos vários erros que nos conduziram até aqui. Não podemos pedir às pessoas que se endividem para aumentar o consumo — foi precisamente o excesso de endividamento das pessoas, das famílias, das empresas, dos bancos, dos Estados que nos conduziu ao beco em que nos encontramos. Não podemos pedir aos bancos que emprestem dinheiro a tudo e a todos para manter as economias a funcionar — porque a probabilidade de grande parte desse dinheiro não ser recuperado é agora muito maior. Não podemos pedir às empresas que invistam para aumentar a produção — quando os mercados não conseguem absorver a produção existente. Não podemos pedir às autarquias que façam obras desnecessárias porque é preciso que o dinheiro chegue à economia — sob pena de agravarmos o seu desequilíbrio financeiro. Não podemos pedir aos Governos que deitem dinheiro para cima de todos os problemas — porque estamos a agravar os défices excessivos e os desequilíbrios comerciais fortíssimos e a passar uma factura pesadíssima para os nossos filhos.
O que precisamos é de algo que não se compra mas que tem um valor incalculável: bom senso. O bom senso que se espera dos que ganham mais é que reduzam os seus salários para evitar despedimentos. O bom senso que se espera dos gestores é que abdiquem de bónus que, na fase que atravessamos, são ofensivos. O bom senso que se espera dos banqueiros é que não apresentem lucros pornográficos nem tenham remunerações indecorosas. O bom senso que se espera dos trabalhadores é que não agravem o problema das empresas com reivindicações irrealistas.
É por tudo isto que é um bálsamo para a alma a decisão do Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, de taxar a 90% os bónus dos administradores de empresas que recorreram a empréstimos do Estado. Se os próprios administradores não tiveram o bom senso de recusar esses bónus (o que diz muito da estupidez da natureza humana), que haja, da parte do poder político, decisões que moralizem a sociedade. Esperemos que o exemplo se espalhe e frutifique. Porque a alternativa é um mundo a caminho de convulsões sociais cada vez mais violentas.
Nicolau Santos, semanário expresso, 21.03.09
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