CC, satisfeito
Ex-ministro satisfeito com o trabalho que desenvolveu no Governo
Correia de Campos diz-se em «processo de canonização»
Correia de Campos diz-se em «processo de canonização»
Se pudesse voltar atrás, Correia de Campos diz que não alteraria quase nada na sua política, a não ser, talvez, a data escolhida para o anúncio do encerramento das Urgências da Anadia. Afinal, as políticas que traçou estão a ser seguidas fielmente, naquilo a que chama de «processo de canonização».
Com excepção de «alguns pormenores», Correia de Campos repetiria tudo o que fez, se voltasse a ser ministro da Saúde. Convidado pela Associação Ara Solis (uma agremiação cívica e cultural portuense) para falar sobre os «30 anos de história do Sistema Nacional de Saúde — uma reforma necessária», no passado dia 16, no Porto, o ex-governante acabaria por fazer um balanço da sua actividade enquanto ministro da Saúde, regozijando-se pelo facto de, cerca de um ano depois, todas as políticas que traçou continuarem a ser seguidas.
«Eu estava à espera de passar seis meses na verdadeira latrina social, ultrajado e insultado, e que, depois disso, alguém começasse a dizer “oh, aquele tipo que cá estava é que era”. A minha grande surpresa é que o processo não foi de beatificação, foi de canonização, e isso é que é surpreendente!», afirmou Correia de Campos perante mais de 200 pessoas e já depois de Manuel Pizarro, actual secretário de Estado da Saúde, ter abandonado a sala, sem ouvir os conselhos que o ex-governante guardou para aquele a que chamou de «candidato a ministro».
Afirmando não se ter sentido «empurrado para sair», o ex-titular da pasta da Saúde disse que o fez por achar que a relação de confiança que deve existir entre o ministro e os que executam o serviço tinha-se esgotado e «não era mais possível prosseguir, porque estava tudo dividido entre dois grupos: o amor ou o ódio, e o ódio era mais visível».
Recusando o acto «primário» de «dizer que foram os jornalistas que deram cabo do ministro» ou que «inventaram partos nas ambulâncias ou velhos a cair das macas», admitiu existir por baixo disso «um enorme factor de desagrado social» de que, assumiu, «tinha bem a noção».
Pormenores com muita importância
No entanto, se voltasse atrás, «faria tudo exactamente igual… à excepção de alguns pormenores». O mais importante seria, com certeza, alterar a data em que anunciou o encerramento das Urgências da Anadia que, concordou, «foi um erro político claro». E contou: «Depois de, por sete vezes, ter tentado oferecer ao autarca da Anadia uma solução, exactamente aquela que ele hoje tem — encerramento nocturno das Urgências, com consultas da especialidade das 9 às 18 horas, cirurgia de ambulatório e unidade de cuidados continuados —, entendi que tinha de agir, tinha de adoptar uma posição dura.» O problema, reconheceu, é que «adoptei-a na semana entre o Natal e o Ano Novo, convencido de que passava despercebida», o que foi «um erro de cálculo absolutamente fatal». Nessa semana, lembrou, «havia muitos feriados e a população estava naturalmente ociosa e, não tendo o que fazer, falava do encerramento das Urgências». Por isso, «é evidente que, se tivesse de voltar atrás, talvez escolhesse outra data».
O antecessor de Ana Jorge na pasta da Saúde reconhece outros erros de governação, nomeadamente em termos de conduta, apontando a si próprio «uma certa impaciência e incapacidade para voltar a explicar aquilo que já havia dito 20 vezes».
Taxas moderadoras valorizam serviços
Outra medida polémica no mandato de Correia de Campos foi o aumento das taxas moderadoras e o seu alargamento ao internamento e ao ambulatório. Mais uma vez, o ex-ministro justificou a medida com a necessidade de moderar o acesso ao sistema, apesar de, no livro em que fez um balanço do trabalho governativo, Reformas da Saúde — O Fio Condutor, ter admitido que «a razão mais importante para o alargamento das taxas moderadoras ao internamento e à cirurgia do ambulatório não foi nem o objectivo moderador, nem o objectivo financiador, mas sim uma preparação da opinião pública para a eventualidade de todo o sistema de financiamento ter de ser alterado, caso as medidas de boa gestão que tínhamos adoptado no SNS não se revelassem suficientes para garantir a sustentabilidade financeira do sistema».
Para Correia de Campos, com o fim das taxas moderadoras o SNS seria «invadido por procura desnecessária, sem nenhuma capacidade de seleccionar e sem a valorização mínima que os actos podem ter para quem paga um poucochinho». A este propósito, sugere que o valor real dos serviços prestados em cada unidade do SNS figure na factura das taxas moderadoras, juntamente com o valor destas. «As pessoas acham que pagam muito. Talvez mudassem de opinião quando vissem o valor real dos serviços prestados», considerou.
De dor de cabeça a motivo de orgulho
«A minha saga no Ministério da Saúde foi demonstrar que o sistema era sustentável», afirma o ex-ministro que declarou guerra ao desperdício, nomeadamente no que respeita às despesas com pessoal e medicamentos, dois factores preponderantes no aumento exponencial dos gastos com a Saúde entre 1990 e 2004, período durante o qual subiram à taxa média anual de 5,7%, bem acima do crescimento da economia.
O aumento de efectivos, as horas extraordinárias, os SAP e estruturas de gestão «repetitiva e redundante» eram alguns dos «pontos fracos» do sistema, que Correia de Campos atacou. «Foram extintas duas mil chefias e as instituições não deixaram de funcionar», sublinha, assumindo, no entanto, que na altura em que aceitou a pasta não tinha esta convicção.
E o principal receio prendia-se com a administração dos hospitais de S. João e Santa Maria, cuja indisciplina financeira «não augurava nada de bom». «Eram dois elefantes brancos que ninguém era capaz de administrar bem» e que, por acção de chefias fortes, se transformaram nos «exemplos mais positivos» dos últimos 30 anos, salienta.
Políticas mantêm-se
Convicto de que saiu no momento certo, Correia de Campos regozijou-se por ver que as reformas que gizou «estão todas, uma a uma, a ser executadas». A Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, o programa de saúde oral, a aposta na cirurgia de ambulatório ou as unidades de saúde familiar são motivo de orgulho para o ex-ministro, que vê na reforma dos cuidados de saúde primários a pedra-de-toque da reorganização de toda a administração pública. «Pela primeira vez em 30 anos consegui que fosse aprovada uma legislação que previa retribuição proporcional ao desempenho, uma coisa que o Ministério das Finanças em parte alguma da história tinha aceite», sublinhou.
Paula Mourão Gonçalves, Tempo de Meicina 23.02.09
Com excepção de «alguns pormenores», Correia de Campos repetiria tudo o que fez, se voltasse a ser ministro da Saúde. Convidado pela Associação Ara Solis (uma agremiação cívica e cultural portuense) para falar sobre os «30 anos de história do Sistema Nacional de Saúde — uma reforma necessária», no passado dia 16, no Porto, o ex-governante acabaria por fazer um balanço da sua actividade enquanto ministro da Saúde, regozijando-se pelo facto de, cerca de um ano depois, todas as políticas que traçou continuarem a ser seguidas.
«Eu estava à espera de passar seis meses na verdadeira latrina social, ultrajado e insultado, e que, depois disso, alguém começasse a dizer “oh, aquele tipo que cá estava é que era”. A minha grande surpresa é que o processo não foi de beatificação, foi de canonização, e isso é que é surpreendente!», afirmou Correia de Campos perante mais de 200 pessoas e já depois de Manuel Pizarro, actual secretário de Estado da Saúde, ter abandonado a sala, sem ouvir os conselhos que o ex-governante guardou para aquele a que chamou de «candidato a ministro».
Afirmando não se ter sentido «empurrado para sair», o ex-titular da pasta da Saúde disse que o fez por achar que a relação de confiança que deve existir entre o ministro e os que executam o serviço tinha-se esgotado e «não era mais possível prosseguir, porque estava tudo dividido entre dois grupos: o amor ou o ódio, e o ódio era mais visível».
Recusando o acto «primário» de «dizer que foram os jornalistas que deram cabo do ministro» ou que «inventaram partos nas ambulâncias ou velhos a cair das macas», admitiu existir por baixo disso «um enorme factor de desagrado social» de que, assumiu, «tinha bem a noção».
Pormenores com muita importância
No entanto, se voltasse atrás, «faria tudo exactamente igual… à excepção de alguns pormenores». O mais importante seria, com certeza, alterar a data em que anunciou o encerramento das Urgências da Anadia que, concordou, «foi um erro político claro». E contou: «Depois de, por sete vezes, ter tentado oferecer ao autarca da Anadia uma solução, exactamente aquela que ele hoje tem — encerramento nocturno das Urgências, com consultas da especialidade das 9 às 18 horas, cirurgia de ambulatório e unidade de cuidados continuados —, entendi que tinha de agir, tinha de adoptar uma posição dura.» O problema, reconheceu, é que «adoptei-a na semana entre o Natal e o Ano Novo, convencido de que passava despercebida», o que foi «um erro de cálculo absolutamente fatal». Nessa semana, lembrou, «havia muitos feriados e a população estava naturalmente ociosa e, não tendo o que fazer, falava do encerramento das Urgências». Por isso, «é evidente que, se tivesse de voltar atrás, talvez escolhesse outra data».
O antecessor de Ana Jorge na pasta da Saúde reconhece outros erros de governação, nomeadamente em termos de conduta, apontando a si próprio «uma certa impaciência e incapacidade para voltar a explicar aquilo que já havia dito 20 vezes».
Taxas moderadoras valorizam serviços
Outra medida polémica no mandato de Correia de Campos foi o aumento das taxas moderadoras e o seu alargamento ao internamento e ao ambulatório. Mais uma vez, o ex-ministro justificou a medida com a necessidade de moderar o acesso ao sistema, apesar de, no livro em que fez um balanço do trabalho governativo, Reformas da Saúde — O Fio Condutor, ter admitido que «a razão mais importante para o alargamento das taxas moderadoras ao internamento e à cirurgia do ambulatório não foi nem o objectivo moderador, nem o objectivo financiador, mas sim uma preparação da opinião pública para a eventualidade de todo o sistema de financiamento ter de ser alterado, caso as medidas de boa gestão que tínhamos adoptado no SNS não se revelassem suficientes para garantir a sustentabilidade financeira do sistema».
Para Correia de Campos, com o fim das taxas moderadoras o SNS seria «invadido por procura desnecessária, sem nenhuma capacidade de seleccionar e sem a valorização mínima que os actos podem ter para quem paga um poucochinho». A este propósito, sugere que o valor real dos serviços prestados em cada unidade do SNS figure na factura das taxas moderadoras, juntamente com o valor destas. «As pessoas acham que pagam muito. Talvez mudassem de opinião quando vissem o valor real dos serviços prestados», considerou.
De dor de cabeça a motivo de orgulho
«A minha saga no Ministério da Saúde foi demonstrar que o sistema era sustentável», afirma o ex-ministro que declarou guerra ao desperdício, nomeadamente no que respeita às despesas com pessoal e medicamentos, dois factores preponderantes no aumento exponencial dos gastos com a Saúde entre 1990 e 2004, período durante o qual subiram à taxa média anual de 5,7%, bem acima do crescimento da economia.
O aumento de efectivos, as horas extraordinárias, os SAP e estruturas de gestão «repetitiva e redundante» eram alguns dos «pontos fracos» do sistema, que Correia de Campos atacou. «Foram extintas duas mil chefias e as instituições não deixaram de funcionar», sublinha, assumindo, no entanto, que na altura em que aceitou a pasta não tinha esta convicção.
E o principal receio prendia-se com a administração dos hospitais de S. João e Santa Maria, cuja indisciplina financeira «não augurava nada de bom». «Eram dois elefantes brancos que ninguém era capaz de administrar bem» e que, por acção de chefias fortes, se transformaram nos «exemplos mais positivos» dos últimos 30 anos, salienta.
Políticas mantêm-se
Convicto de que saiu no momento certo, Correia de Campos regozijou-se por ver que as reformas que gizou «estão todas, uma a uma, a ser executadas». A Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, o programa de saúde oral, a aposta na cirurgia de ambulatório ou as unidades de saúde familiar são motivo de orgulho para o ex-ministro, que vê na reforma dos cuidados de saúde primários a pedra-de-toque da reorganização de toda a administração pública. «Pela primeira vez em 30 anos consegui que fosse aprovada uma legislação que previa retribuição proporcional ao desempenho, uma coisa que o Ministério das Finanças em parte alguma da história tinha aceite», sublinhou.
Paula Mourão Gonçalves, Tempo de Meicina 23.02.09
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