sábado, novembro 15, 2008

Cobertura esgota,

doentes não têm verba e privados ‘dão alta’ para SNS

Luísa — nome fictício — tinha um polipo em cada lado do intestino grosso e um seguro de saúde. Optou por uma das unidades privadas de Lisboa e foi prontamente operada, mas apenas do lado direito. A cobertura não chegava para mais e deram-lhe alta para o Hospital de Cascais. Três semanas depois, os médicos do Estado fizeram o que faltava: retirar a parte esquerda.
A transferência pode ser imoral, mas é legal. As seguradoras e os privados agem como empresas, gerem um negócio à procura de lucros, logo, prestam serviços a quem os paga. Quem não pode tem sempre as ‘portas abertas’ no Serviço Nacional de Saúde (SNS), que recebe cada vez mais doentes que os privados deixaram de tratar por falta de garantia de pagamento, na prática, quando esgotam os seguros. E em diagnósticos graves, como cancro ou que impliquem Cuidados Intensivos, as coberturas acabam num lapso.
Não há números sobre esta ‘migração de doentes’ porque o Estado não pode discriminar a assistência — por exemplo, sinalizando quem vem de unidades privadas — , mas existe a percepção dos médicos que lidam com os casos. “A situação tem vindo a piorar e, neste momento, há um doente por mês transferido do privado. Até tenho exemplos da Quinta da Marinha”, revela o director da Oncologia de Cascais, Maurício Chumbo. Reclamações não se conhecem. O Instituto de Seguros de Portugal (ISP) e a Associação de Defesa dos Consumidores DECO não receberam queixas. O conhecimento das regras e o uso consciente dos seguros pelos beneficiários é uma das explicações. “As entidades solicitam que o paciente lhes entregue um termo de responsabilidade passado pela seguradora. Esse documento, cujo fornecimento é obrigatório, explicita a tipologia e o montante das coberturas em vigor”, salienta o regulador do sector, ISP.
Economista, António integra a lista de transferidos e garante que só é surpreendido quem não se informa sobre o seguro que subscreveu. “Fui operado no privado porque era muito urgente. A situação complicou-se e era previsto ficar uma semana. Fiquei dois meses. O seguro acabou e quando os custos se tornaram incomportáveis pedi para ser transferido para o hospital da área de residência”.
E quem lê as entrelinhas das apólices pode concluir que “os seguros de saúde em Portugal são para pessoas saudáveis”, como já se ouve dizer a muitos médicos do Estado. Contudo, seguradoras e responsáveis de hospitais privados defendem-se com a transparência. “O que fazemos é informar previamente sobre o custo e quanto desse valor está coberto. Regra geral, as pessoas sabem aquilo que compraram”, garante Isabel Vaz, da Espírito Santo Saúde, proprietária do Hospital da Luz. Por outras palavras, “a ida de um utente para uma unidade do SNS só se verifica caso haja essa decisão expressa pelo mesmo”, salientam os representantes da CUF.
Segundo o ISP, existem 1,8 milhões de indivíduos com seguros de saúde e o negócio “tem-se mantido consistentemente negativo”. O que se verifica é que os números melhoram, mas sem ‘sair do vermelho’. Ainda assim, não são esperadas mudanças. Ao Expresso, os responsáveis por alguns dos principais seguros de saúde no mercado (ver caixa) admitiram que não planeiam alargar as coberturas.
semanário expresso, 15.11.08

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