sábado, dezembro 22, 2007

MT entrevista à TM

Manuel Teixeira promete novidades para breve nas áreas das convenções . «Este mercado não pode continuar fechado»
A Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) foi formalmente criada a 1 de Junho, mas Manuel Teixeira e a sua equipa há muito preparavam a nova «superestrutura» do Ministério da Saúde (MS) que, garante este responsável, será «ágil». Nomeado para presidir à instituição que substitui o extinto IGIF e agrega funções de vários outros organismos, o dirigente anuncia um novo sistema de convenções e uma entidade para gerir os sistemas de informação.
«Tempo Medicina»Apesar de a ACSS ser uma estrutura mais pesada e mais centralizadora, parece-lhe que funcionará melhor?
Manuel Teixeira — Parece-me que sim, porque permite concentrar inteligência. Quando se está a fazer gestão financeira por um lado, gestão de recursos humanos por outro e gestão de equipamentos por outro ainda, torna-se mais difícil, porque apesar de serem «negócios» separados têm muitas sinergias. Há, na minha perspectiva, ganhos de gestão nítidos com a junção. Claro que depois é muito importante termos uma estrutura ágil. Quando se diz que a ACSS é uma estrutura centralizadora dá logo a ideia de que vai ser uma estrutura de tipo tradicional, burocrática, pesada, e não é essa a intenção.
«TM»Mas como pensa conseguir que isso não aconteça?
MT
— Organizando as coisas de forma diferente. Um serviço tradicional do Estado, como, por exemplo, uma direcção-geral, é uma estrutura hierárquica tradicional, em que os funcionários têm uma relação de funcionalismo público com a instituição. Não é essa a nossa intenção nem a nossa filosofia. Vamos ter uma organização muito «horizontalizada» e pouco hierarquizada, assente em contratos individuais de trabalho. Estamos a criar uma organização que pode ter equipas de projecto, que enfrentem determinados temas e problemas, ou seja, estamos a criar um novo tipo de organização, que faça gestão por objectivos. E portanto aquela ideia de que a ACSS pode tornar-se num «pequeno monstro» está errada, pelo menos não é o que queremos.

Concursos nacionais para as convenções

«TM»Para a área das convenções, o que têm planeado? O secretário de Estado da Saúde admitiu a possibilidade de liberalizar as convenções. É nesse sentido que estão a trabalhar?
MT — Esse é um problema também muito expressivo. As convenções, como se sabe, estavam fechadas desde inícios da década de 90 e este mercado não pode continuar fechado.
Por um lado, é um mercado em que o funcionamento pode ser, em alguma medida, por concurso nacional. Em vez de se fazer um acordo individual, um a um, pode optar-se por um sistema que permita confrontar os vários fornecedores, para ver qual o que faz a melhor oferta. Claro que não se poderá fazer isto para todos os casos, mas há situações em que é possível aplicar este modelo e estamos a estudar qual a melhor maneira de implementar processos concursais deste tipo.
Além disso, a legislação é muito antiga e há que revê-la. Trata-se de legislação da década de 80/90, os próprios acordos celebrados com as entidades são antigos e alguns têm cláusulas completamente ultrapassadas. Portanto, há aqui uma necessidade e uma possibilidade de modernização, de adequar a legislação aos tempos em que estamos, e de dinamização do mercado, fazendo com que este não seja tão imperfeito.
«TM»Que tipo de serviços podem passar a ser convencionados através desses concursos nacionais?
MT — Aqueles serviços em que a procura está muito concentrada e a oferta também, como acontece, por exemplo, nas grandes cidades. Mas tem de se fazer uma análise bastante fina para saber o que pode ser feito através de concurso nacional, o que deve ser realizado a nível regional e o que obrigatoriamente tem de ser efectuado a nível local. Esse estudo ainda não está completamente pronto, mas sabemos que temos de passar de um sistema casuístico para um outro. No futuro, esses acordos individuais poderão existir, mas têm de coexistir com outras figuras. Pode haver esse tipo de acordos em zonas específicas em que a população para ter resposta não pode ir a Lisboa ou ao Porto. O que temos de fazer é arranjar a boa resposta para o problema ao nível adequado — se o problema é local, a resposta deve ser local, mas também há casos em que a boa resposta pode ser regional ou nacional.
«TM»Quando prevê que o sistema seja implementado?
MT
— Já estamos a elaborar o projecto, mas acho que antes do segundo semestre de 2008 é muito difícil, e mesmo assim é preciso trabalhar bem.

Mobilidade

«TM»Já recebeu as listas de pessoal a colocar em mobilidade que os hospitais elaboraram e deveriam entregar às respectivas ARS até 27 de Novembro?
MT — Não, este é um processo muito difícil e que ainda está a decorrer.
«TM»Mas quais são as suas expectativas quanto aos resultados?
MT
— A minha expectativa é que seja um meio de fazer realocação de pessoas dentro do sistema. Há entidades que têm excesso e outras que têm falta de pessoal, e há aqui uma possibilidade muito boa de fazer realocação de pessoas, portanto, de tornar mais eficiente o sistema. Em suma, as minhas expectativas são altas, mas obviamente tenho a percepção de que o processo é complexo e difícil.

Vai nascer uma EPE para os sistemas de informação

«TM»Um dos principais problemas de que tanto os hospitais como as unidades de saúde familiar (USF) se queixam é a deficiência dos sistemas de informação. Que está a ACSS a planear para esta área?
MT — Vamos fazer uma mutação muito significativa. Vai ser apresentado publicamente, a muito breve prazo, um plano de transformação dos sistemas de informação da Saúde, dando um panorama do que vai ser feito, quer em termos institucionais quer em termos da visão em relação ao próprio sistema de informação. Entendemos ser necessária a criação de uma entidade empresarial que tenha como responsabilidade parte da gestão específica desta área, e que a ACSS fique apenas com as responsabilidades de supervisão, normalização, isto é, com competências não tanto de execução, mas de supervisão.

Ainda sobre a nova EPE para os sistemas de informação

«TM» — Essa EPE ficaria a gerir exactamente que áreas?
MT — Ficaria a gerir a parcela dos sistemas de informação que tem de ter resposta nacional. A nossa percepção é que nos sistemas de informação nem tudo tem de estar ao nível nacional, particularmente porque é impossível uma instituição nacional que garanta a elaboração dos sistemas de informação, que seja em simultâneo software house, assegure a manutenção e implementação dos sistemas, etc. E portanto esta entidade empresarial faria a gestão das componentes nacionais do sistema, como, por exemplo, a Rede Informática da Saúde (RIS), o SONHO, o SINUS e todos os sistemas nacionais que exigem uma gestão sistemática e transversal.
«TM»As funções da nova EPE não são idênticas às do extinto IGIF?
MT - Não. Aliás, o desajustamento do IGIF derivava exactamente do facto de o seu objecto ser desadequado e de as suas competências serem de tal forma latas que era impossível cumpri-las na totalidade. É impossível haver uma entidade que desenvolva, implemente e mantenha todos os sistemas de informação do sector, porque o universo da Saúde é muito vasto e diversificado. E é esta consciência que temos hoje.
«TM»E por que optaram por uma EPE?
MT
— Uma EPE é uma entidade mais flexível do que uma entidade do tipo da ACSS, que é um instituto público. Uma EPE fica unicamente focalizada nesse «negócio» e tem maior flexibilidade de gestão e de contratação, e esta área necessita absolutamente disso. A EPE será uma espécie de emanação da ACSS, ligada por um «cordão umbilical» a esta; mas em termos de gestão achamos que era preciso fazer esta separação, para dar resposta às necessidades que o sistema tem e ao desconforto que as instituições têm vindo a demonstrar perante a má resposta que o IGIF vinha dando.

Mais sobre mobilidade

«TM»Alguns administradores com quem falámos disseram que tinham, em certos casos, falta de pessoal e, noutros, o número de profissionais mínimo necessário, e que por isso lhes seria muito difícil dispensar gente. Foi feito algum estudo prévio para determinar a necessidade deste processo de mobilidade?
MT
— Não, não há nenhum estudo prévio rigoroso, de levantamento global da situação. O que existe é o conhecimento, hospital a hospital, da diferença de rácio profissionais/cama ou profissionais/doente em cada hospital. Sabemos que as nossas instituições têm uma grande discrepância neste tipo de rácios e em alguns casos os números parecem-nos excessivos. Mas não tentámos apurar qual era o rácio ideal nem demos qualquer indicação nesse sentido. Temos informação sobre essa diversidade, mas deixámos isso à auto-análise de cada uma das instituições. Depois, pedimos aos hospitais que nos comunicassem se existe alguma diferença entre o que têm e aquilo que necessitariam de ter, e isso em cada uma das categorias profissionais, porque até podem ter falta numas e excesso noutras.
«TM»Uma das alíneas que gerou interpretações diversas foi a respeitante ao rácio de 25% do pessoal de suporte. O que é que a ACSS pretendia exactamente com essa indicação?
MT — É um rácio puramente indicativo. O que queríamos dizer é que, por exemplo, se uma instituição tem 100 pessoas nos parece excessivo se esta tiver mais do que 25 pessoas, ou seja mais do que 25%, de pessoal de suporte. Mas nem dissemos que isso era o máximo que as instituições podem ter, demos uma indicação para que a instituição pondere se não haverá de facto um excesso de serviços de apoio. Isto porque os serviços de apoio são absolutamente necessários, e as instituições não funcionam sem estes, mas o hospital tem de estar focado no seu objectivo, e o objectivo é tratar doentes.

Licenciamentos mais céleres

«TM»Uma das áreas em que a ACSS actuará é a dos licenciamentos. O que pretendem fazer concretamente?
MT — Essa é uma área muito importante, pois tem de haver uma mudança muito profunda na forma como o sistema tem gerido estes problemas. O processo de licenciamento é até agora muito complicado, burocratizado e com bastante tempo de espera para quem o solicita.
«TM»Aliás, em Março deste ano a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) lançou um estudo que concluía que cerca de 80% das unidades a operar no sector da Saúde não estavam licenciadas…
MT — Não disponho de números concretos, mas há de facto este problema no sistema de Saúde e, por isso, temos de o enfrentar rapidamente. E estamos a fazê-lo.

«O desempenho dos hospitais EPE em 2006 melhorou»

«TM»Têm também acompanhado o desempenho económico-financeiro dos hospitais. Como é que recebeu o relatório do Tribunal de Contas (TC), que concluiu que foi nos hospitais EPE que a despesa subiu mais e que as dívidas a fornecedores ascendem a quase 50%?
MT — Penso que o relatório não diz isso. O TC fez uma comparação entre o universo dos hospitais EPE em 2005 e o universo dos hospitais EPE em 2006 e dizia que, face ao resultado de 2005, em 2006 os hospitais EPE pioraram. Mas temos de ter em conta que o universo de hospitais EPE em 2005 é diferente do universo existente em 2006; este último é muito maior, e portanto há aqui um problema de comparabilidade. O que sucedeu foi que os hospitais que eram do sector público administrativo (SPA) em 2005 e em 2006 passaram a EPE, receberam montantes muito significativos de rectificativo em 2005. E se não corrigirmos estes vários efeitos, quer do universo quer do orçamento rectificativo, na minha perspectiva a análise não fica correcta, pois estamos a comparar coisas diversas. E, fazendo esses ajustamentos, o desempenho dos hospitais EPE em 2006 melhorou.

Contratualização interna é essencial

«TM»A contratualização foi «ressuscitada» por este executivo da Saúde. Neste momento já é feita com todos os hospitais? Quando pretendem avançar para a contratualização interna?
MT — Sim, a contratualização já está a ser feita em todos os hospitais do País. Quanto à contratualização interna, a actuação da ACSS é apenas no sentido de a estimular, fazendo demonstração de boas práticas. A contratualização interna terá de ser feita no interior de cada unidade, depois cada ARS contratualiza com os conselhos de administração (CA) dessas unidades. A ACSS regula o processo, dá orientações, faz os cálculos iniciais, estabelece o contrato-programa, em suma, define as grandes linhas.
«TM»Isso quer dizer que se um hospital não quiser fazer contratualização interna, desde que cumpra o que estipulou com a ARS não há problema?
MT
— Não, porque sabemos que é muito difícil que isso suceda. Um hospital tem muita dificuldade em cumprir e responder completamente a um contrato se não envolver a instituição. Os objectivos têm de ser contratualizados internamente, de tal maneira que a instituição fique envolvida nos níveis de produção, e também nos indicadores dos níveis de qualidade e outros que o contrato-programa incorpora. O processo apenas funciona bem se for de facto uma cadeia completa, e isso deve incluir até uma contratualização interna inicial, em que o hospital verifica junto dos seus serviços qual a produção possível de cada um, de tal forma que quando vier negociar com a entidade do MS já sabe o que é razoável, sensato e bom. Deste modo, fechava o contrato-programa com o MS, sabia quanto dinheiro ia receber para efectuar essa produção e depois regressava e ia, de novo internamente, ver como podia distribuir aquele pacote financeiro por cada um dos centros produtivos. Se a contratualização funcionasse bem, o processo teria estes vários movimentos.
«TM» Mas ainda é preciso mudar muitas mentalidades para que comece a funcionar dessa forma…
MT — Sim, é um processo que ainda necessita de aprofundamento. Há hospitais em que está a funcionar melhor, noutros menos bem, mas também é um processo que precisa de melhoria da nossa parte, não só da ACSS, mas também das várias ARS.

Racionalização começa em casa

«TM»Qual o quadro de pessoal da ACSS?
MT — A ACSS ainda não tem quadro de pessoal, e na verdade este tipo de estrutura não terá propriamente um quadro de pessoal, já que a maioria das pessoas trabalhará com contrato individual. No entanto, fomos muito rigorosos e o número de pessoas de que vamos precisar será inferior ao somatório dos recursos humanos que as várias estruturas de partida têm ou tinham. O que faz sentido, até porque havia duplicação de serviços — cada estrutura tinha a sua contabilidade, o seu departamento de pessoal, etc. — e juntando todas estas áreas de apoio claramente não precisamos de tantas pessoas. Portanto, há a possibilidade de fazer racionalização. A nossa proposta ainda não foi aprovada, mas o número que sugerimos fica acima das 250 pessoas.
«TM»Quando terminar o seu mandato, o que gostava mesmo de deixar feito?
MT - O grande objectivo passa por promover a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS), que é um sistema justo e que tem de ser preservado e melhorado, para garantir que a sua persistência no tempo. Todas estas acções de que falei vão no sentido de potenciar a melhoria do SNS. E em termos de objectivos ao nível micro pretendemos dar resposta a áreas que estão mais desguarnecidas, como, por exemplo, as convenções, os licenciamentos, o sistema de informação e o acesso dos utentes ao SNS, dando resposta às listas de espera, quer para cirurgia quer para as primeiras consultas.
Depois, temos também objectivos internos e de curto prazo, como completar o processo de criação da ACSS.

Colocação dos internos sem «dificuldade intrínseca»

«TM»Ainda recentemente ouvimos falar de novos atrasos e problemas com os mapas de colocação dos internos. O que se passa em particular com o mapa do ano comum?
MT
— Estou em crer que não há nenhum problema, apenas uma simples questão de datas, de atraso na publicação, mas isso não representa nenhuma dificuldade intrínseca. Em relação ao concurso do internato da especialidade até aumentámos o número de vagas em áreas que nos pareciam muitíssimo carenciadas, como, por exemplo, a Urologia.

Uma clearing house para evitar a acumulação de dívidas

«TM»Estão também a elaborar uma clearing house. Em que consiste exactamente esse projecto e quais os seus objectivos?
MT — Isso já está feito. A clearing house já tem mais de um ano, funciona para a totalidade dos hospitais EPE e estamos agora a alargar o seu âmbito. O que a clearing house faz é o encontro entre débitos e créditos dentro do sistema, com o objectivo de agilizar os processos de tesouraria e também de não deixar que o sistema acumule dívidas no seu interior, e isto torna-se necessário porque os hospitais têm muitas relações entre si.

Relatório confirma bons resultados dos EPE

No passado dia 13, a ACSS divulgou, no seu site, informação sobre o desempenho económico-financeiro dos hospitais EPE e dos dez maiores hospitais SPA no terceiro trimestre de 2007. E esta confirmou as palavras de Manuel Teixeira, já que segundo o comunicado que acompanhou os dados «assistiu-se a uma evolução favorável do resultado líquido dos hospitais EPE». Os 35 hospitais-empresa terão mesmo conseguido diminuir os prejuízos de 341,3 milhões de euros, registados em Setembro de 2006, para 127,6 milhões de euros este ano. Ainda assim, sublinha a ACSS, esta redução ficou abaixo do previsto, «que apontava para um valor líquido negativo próximo dos 108 milhões de euros». Não obstante, os EPE lograram aumentar os proveitos em 8,9%, mas uma vez mais abaixo do previsto.
Quanto às despesas com medicamentos, os resultados também não são excelentes. Apenas 66% dos hospitais EPE conseguiram cumprir a meta de 4% de crescimento para esta rubrica e só 12 reduziram efectivamente as despesas com medicamentos de 2006 para 2007.
Por seu turno, os 10 maiores hospitais SPA verificaram um agravamento dos prejuízos da ordem dos 54,8 milhões de euros, mas ACSS explica que tal se deveu ao facto de este ano os hospitais só terem recebido em Outubro o reforço adicional para pagamento a fornecedores que em 2006 obtiveram em Setembro.

As competências da ACSS

A ACSS herda as competências dos extintos IGIF e Instituto da Qualidade em Saúde, e congrega as funções anteriormente desempenhadas pela Direcção-Geral de Instalações e Equipamentos de Saúde, pelo Departamento de Recursos Humanos da Secretaria-Geral do MS e outros. Algumas tarefas da Direcção-Geral da Saúde relacionadas com as convenções e os licenciamentos estão também agora na mão da ACSS, que promete grandes mudanças nestas áreas. Além disso, a ACSS vai gerir as parcerias público-privadas do sector — devendo a actual unidade de missão ser extinta —, e integra já o SIGIC.

TM 1.º caderno, 24.12.07

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